• Manuela Azenha
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A influenciadora e escritora Polly Oliveira (Foto: Reprodução)

A influenciadora e escritora Polly Oliveira (Foto: Reprodução)

Pollyanne Oliveira, mais conhecida como Polly, nunca pretendeu ser uma influenciadora digital. Nascida em São Luís (MA), e hoje com 38 anos, já fez de tudo: vendeu água de coco na praia, foi garçonete, vendedora de loja e cuidadora de idosos.

Sobrevivente de um relacionamento abusivo, Polly tornou-se, em suas próprias palavras, “a influenciadora que precisava ser para suportar viver com todos os traumas que carregava”.

É também escritora e mãe de dois filhos nascidos quando Polly era adolescente, frutos de um casamento marcado pela violência. “Fui para a internet para compartilhar uma dor que eu acreditava ser só minha e descobri ser de todas”, diz. “Esse relacionamento roubou minha alegria e autoestima”, continua.

Com mais de 540 mil seguidores, consegue viver da internet há um ano e tornou-se importante voz de denúncia contra o massacre estético ao qual mulheres são submetidas nas redes. O boom de seguidores aconteceu depois do que Polly chama de “o experimento”, realizado durante janeiro e fevereiro deste ano.

Depois de ter a conta retirada do ar pelo Instagram, começou a suspeitar que era punida pelos algoritmos da plataforma por fugir do padrão das influenciadoras, todas, segundo ela magras e brancas, e postar conteúdos de amor próprio e aceitação em vez de divulgar dietas restritivas.

Resolveu, então fazer um teste e a hipótese se confirmou: ao publicar fotos sexualizadas e altamente editadas no Photoshop, além de usar palavras-chave como #rinoplastia e #bumbumnanuca, o alcance das postagens saltou. De 263 mil seguidores em janeiro passou para 380 mil ao fim de fevereiro.

"Temos que entender que a insatisfação dos corpos femininos hoje nasce dentro das redes, quando milhares de mulheres acreditam ser real aquela vida perfeita ou aquele corpo completamente mutilado e ainda assim cheio de filtros."

Pollyanne Oliveira

A reportagem procurou o Instagram e foi informada que na ocasião a plataforma respondeu o seguinte à Polly: “Cometemos um erro e pedimos desculpas. A conta já foi restaurada”.

Em um texto publicado na própria rede social, em junho deste ano, Adam Mosseri, CEO do Instagram, explica que o algoritmo seria um tipo de “tecnologia para personalizar” a experiência dos usuários. Não existe um só algoritmo, ele afirma, mas vários, que foram criados por conta do alto fluxo de postagens.

No entanto, no mesmo texto, no que tange às situações semelhantes de Pollyane, Mosseri admite que o Instagram nem sempre fez “o suficiente para explicar o motivo da remoção e da recomendação ou não de determinados conteúdos".

MARIE CLAIRE Você pode explicar o que foi “o experimento”? Por que decidiu realizá-lo e o que você descobriu a partir dele?

POLLY OLIVEIRA O experimento foi a maior loucura que vivi no mundo digital. Foi a resposta que eu precisava ter para saber em que mundo eu estava entrando. Durou dois meses. Decidi fazer porque suspeitava que existia algo errado, não era comum ou no mínimo “correto” que conteúdos como o meu, com pautas tão urgentes, fossem calados com frequência.

Enquanto tudo estava no campo das suspeitas, comecei a estudar o comportamento de grandes influenciadoras lidas como padrão dentro da plataforma, e percebi que todas se pareciam, tanto em conteúdo como na aparência. Não existia nada que distinguisse uma da outra, nesses quesitos, inclusive as marcas que as patrocinavam eram as mesmas. Então pensei: e se o algoritmo me confundisse com uma delas? Mas como fazer isso?

MC E como você fez?

PO Entendi que palavras-chave, aparência, conteúdo, linguagem, absolutamente tudo teria que ser mudado para que eu de fato tivesse certeza de como as coisas funcionavam.

Por fim, decidi fazê-lo porque eu precisava ensinar às mulheres a se defenderem desse monstro, mesmo convivendo com ele, era preciso que entendessem de onde partiam as suas insatisfações e questões com o próprio corpo. No fim, o experimento provou que eu estava certa. A plataforma não tinha interesse que pautas como a minha fossem muito longe, ou que corpos como o meu tivessem tanta visibilidade.

Bastou aparecer altamente sexualizada, fazendo conteúdos indicando produtos da área da estética, como gel redutor de gordura, chá emagrecedor etc., que a plataforma entendeu que eu fazia parte do sistema.

MC E entendeu por que o seu número de seguidores cresceu muito, e rápido?

PO Tive um alcance estratosférico. As fotos altamente manipuladas no Photoshop foram entregues em massa para meu público e para várias outras mulheres. Entendi que agora estava pronta para fazer parte do sistema porque eles entendiam que eu tinha me curvado às propostas e estava usando minha influência para vender para a maior e mais destruidora de todas as indústrias: a da beleza.

MC Como percebeu que estava sendo alvo de sanções algorítmicas?

PO Quando fotos manipuladas tinham entregas muito maiores do que quando eu aparecia sem filtros e sem manipulações digitais. Quando vi que indicar emagrecimento era mais lucrativo do que falar de aceitação e amor próprio. Quando mostrar uma vida irreal e perfeita era muito mais lucrativo para a plataforma do que falar da minha realidade e de minhas dores.

"A plataforma queria que eu projetasse no meu público um desejo de ser o que nem mesmo eu era."

Pollyanne Oliveira

Ter meu corpo associado a quem não se cuida ou a alguém desleixado, por exemplo, foi frustrante e amedrontador, mas provar que eu estava certa para meu público fez com que milhares de pessoas despertassem.

As propagandas que apareciam para meu público eram sempre associadas a estética, emagrecimento e coisas fúteis - como se nós mulheres, só pudéssemos ser felizes depois de emagrecer ou depois de fazer a "lipo LAD".

MC Quais são algumas das palavras-chave que impulsionam posts no Instagram?

PO Justamente lipo LAD, emagrecimento, bumbum na nuca, dietas restritivas, rinoplastia, jejum intermitente, viagens, yoga, chá emagrecedor, gel redutor de gordura.

MC E por que a sua conta foi removida do Instagram?

PO Segundo o Instagram, eu coloquei conteúdo sexual. Aconteceu depois de eu dublar um vídeo de uma influenciadora [Mayra Cardi], que mostrava o melhor ângulo para se fazer uma foto. Ela aparecia de perfil e é uma mulher bem magra. Eu refiz o vídeo exatamente como o dela, que até hoje ainda está na página dela, e fui notificada que estava infringindo as diretrizes da plataforma.

Perdi minha conta em dezembro do ano passado. Eles me devolveram em janeiro, mas ela continuava sendo escondida. Foi quando decidi fazer o experimento.

MC O que é ser uma influenciadora? Como você definiria?

PO É saber que o mundo mudou e que as pessoas confiam em você o bastante para ir até aquela clínica ou se consultar com aquele cirurgião. Temos que entender que a insatisfação dos corpos femininos hoje  nasce dentro das redes quando milhares de mulheres acreditam ser real aquela vida perfeita, ou aquele corpo completamente mutilado, e ainda assim cheio de filtros. Não é exagero dizer que tem muita gente com sangue nas mãos hoje trabalhando na internet.

"Ser influenciadora é ter a consciência de que você é responsável por vidas e de que cada escolha que tomamos ou produto que indicamos pode somar ao aprisionamento ou à liberdade de muitas mulheres."

Pollyanne Oliveira

MC Quem são essas pessoas com sangue nas mãos?

PO Me refiro às influencers que romantizam cirurgias plásticas, sem ter noção do quão longe isso pode chegar. O número de mulheres que morrem em decorrência de uma cirurgia plástica estética é grande e tem crescido cada vez mais. Muitas dessas mulheres já estão dentro do padrão, mas se submeteram a esses riscos por acharem que não estavam boas o suficiente. A quem podemos responsabilizar?

Quando tudo hoje nasce no campo da influência, posso arriscar em afirmar que muitas morrem por isso também.

MC Qual é o seu objetivo nas redes sociais?

PO Trazer consciência e mostrar que o real, ainda que não seja o que gostaríamos de viver, é o mais lindo e perfeito que existe, e que possamos parar de desejar a vida de quem também não está vivendo. Desejo que esse lugar seja um lugar de refúgio e de socorro e não de opressão e temor. Que mais mulheres surjam entregando as chaves que libertarão outras.

"Quero fazer com que mulheres dominem os algoritmos e ditem para a era digital o que desejam receber de conteúdo."

Pollyanne Oliveira

MC Você já recebeu alguma ameaça nas redes pelo tipo de conteúdo e denúncias que você posta?

PO Várias, inclusive perdi minha conta e já tive ela bloqueada por meses por denunciar a podridão que ainda há nas redes sociais. Vivo constantemente no shadowban [prática das redes de bloquear um usuário ou reduzir seu alcance] inclusive. Quando quero sair, preciso postar a foto de uma bunda para que eles entendam que sou um produto [risos].

Sabendo disso, hoje preciso usar as palavras certas, codificar algumas e seguir denunciando o sistema, mas com muita astúcia para que eu não seja calada mais uma vez. Hoje, a maioria das minhas seguidoras já entendem a maneira subliminar que uso para falar sobre problemas reais. Faz parte. Subverter o sistema é meu lema.

MC Quem te ameaçou?
PO Médicos, cirurgiões plásticos que vivem à margem do que é correto fazer. Uma vez denunciei o aparelho que era usado para fazer a lipo LAD, que estava sem registro na Anvisa, mostrei uma relação de médicos que usavam o tal aparelho.
Recebi algumas notificações extrajudiciais para retirar a informação do ar. Óbvio que não tirei pois não tinha nenhum dado que não fosse público, no entanto não era divulgado como deveria.