• Por Larissa Saram
  • Em colaboração para Marie Claire
Atualizado em
Especialistas explicam o que fazer após sofrer toques não consentidos e ainda, como ajudar outras mulheres também vítimas de abuso (Foto: Getty images)

Especialistas explicam o que fazer após sofrer toques não consentidos e ainda, como ajudar outras mulheres também vítimas de abuso (Foto: Getty images)

Pode até parecer que o assunto "importunação sexual" seja recente. É que na última década, um movimento liderado por ativistas pela igualdade de gênero começou a remover o verniz machista que encobre as discussões sobre o que conhecemos como assédio em espaços públicos, que inclui passadas de mão, beijos sem autorização e ejaculações em ônibus e metrô. Mas a objetificação dos corpos femininos está longe de ser uma novidade: a história das mulheres carrega marcas seculares da violência.

Tanto tempo normatizando investidas indesejadas faz com que ainda seja difícil identificar abuso. "As violências de gênero são construídas de forma sofisticada. Nem sempre a percepção de estar numa situação dessas é imediata. Geralmente, acontece depois de uma conduta violenta ou de escutar de outras vítimas", afirma a advogada especializada em gênero, Mayra Cotta. Lidar com a dor de ser invadida de alguma forma também impacta nesse reconhecimento. "Não é fácil se ver numa situação violenta. Além disso, há um questionamento, inclusive dentro dos espaços que deveriam ser de acolhimento, como a delegacia e a família, de que se não há marcas no corpo que provem, não aconteceu. E isso gera medo e culpa", explica Mayara Ferreira, psicóloga e pesquisadora sobre combate a violência de gênero e fundadora e integrante do DIVAM, coletivo de psicanalistas e feministas que trabalham para garantia do direito à saúde mental das mulheres na cidade de São Paulo.

A análise pode ser fundamental nesse processo de se enxergar como vítima, até para ajudar na decisão de seguir com uma denúncia formal ou não. "Judicializar é emancipador, mas o peso é grande. É legítimo também que algumas mulheres não topem fazer. A gente precisa, enquanto sociedade, se responsabilizar pelo custo individual do assédio", diz Mayra. Se a escolha for pela notificação oficial, a advogada dá algumas dicas importantes sobre quais passos dar:

REÚNA PROVAS
Busque elementos que corroborem de alguma forma com o que aconteceu. "Pegue o nome e o contato de testemunhas que presenciaram a ação e que topem depor a seu favor. Se conseguir, faça uma foto do agressor de uma maneira que dê para periciar o local e horário do registro", explica Mayra Cotta. Nos casos de assédio sexual, ou seja, em violações que acontecem no âmbito do trabalho, a advogada avisa da importancia de se fazer um diário dos acontecimentos, com datas. "Normalmente, o assédio é uma construção prolongada no tempo. Fazer o registro escrito ajuda a contextualizar a violência, além de fazer a prova." Mayra também indica buscar possíveis antecedentes e guardar e-mails e mensagens. Um detalhe: os prints de mensagens devem ser feitos de uma maneira que apareça o telefone do acusado, não o nome. "É como juntar pecinhas de um quebra-cabeça, com o entendimento de que a palavra da vítima sempre pesa mais", diz Mayra.

PROCURE AJUDA
Acione o 180, Central de Atendimento à Mulher, caso deseje denunciar a violência que sofreu. Se estiver em perigo ou em uma situação que exija ajuda emergencial, é preciso ligar para a polícia, o número é 190. Se não precisar de ajuda urgente, os caminhos são Defensoria Pública, Ministério Público ou Delegacias da Mulher. "O corpo de delito e o boletim de ocorrência não são obrigatórios nos casos de crimes sexuais, mas caso queira procurar uma delegacia, vá com anotações. Organize o relato de maneira objetiva e faça uma linha do tempo", pontua Mayra. Ela complementa: "Vá sempre acompanhada de um advogado. É nosso trabalho como operadores do Direito não só navegar o sistema jurídico, mas também reduzir o custo emocional da denúncia individual. É acolher ao máximo a mulher e deixá-la segura".

REDE DE APOIO

Tenha por perto família, amigos e profissionais que possam ajudar. "Os espaços terapêuticos, por exemplo, ajudam a sair do lugar da dor e a construir instrumentos para lidar com o que aconteceu da melhor maneira", afirma a psicóloga Mayara Ferreira. Nos casos de assédio sexual, um ambiente de trabalho que é permissivo, até mesmo incentivador, provavelmente não terá apenas um caso isolado. "Converse sobre o assunto com as colegas, construa alianças e identifique outras vítimas. Quanto mais mulheres juntas, menos custoso fica para uma denunciar sozinha", afirma a advogada Mayra Cotta.

TESTEMUNHEI UM ASSÉDIO, COMO AJUDAR?
Se presenciar um assédio na rua, na balada, na academia, tente intervir, sem se colocar numa situação de perigo. Acompanhe a vítima, comunique-se com ela, leve-a até um transporte, caso seja necessário. Mayra Cotta explica que em muitos casos de importunação sexual, só de ter alguém junto, já ajuda. "Intervenções não-violentas imediatas funcionam melhor porque pode ser que a pessoa assediada não queira que a polícia esteja envolvida no caso. Precisamos respeitar a autonomia das vítimas. E é legítimo caso elas não queiram envolver as autoridades", diz. E se o abuso acontecer dentro do seu ambiente de trabalho, não finja que não está vendo. É fundamental oferecer apoio.