Política

Por Daniel Buarque* | The Conversation

Notícias sobre a estiagem na Amazônia, a seca nos rios da região, incêndios florestais e morte em massa de botos têm sido alguns dos principais destaques sobre o Brasil na imprensa estrangeira ao longo das últimas semanas, levando até mesmo à ideia de uma “distopia climática”.

Apesar do otimismo gerado entre ambientalistas após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva e o fim do governo de Jair Bolsonaro, o momento atual ainda é crítico para a imagem do país em relação à sua política ambiental. E ainda ecoa a péssima reputação internacional do Brasil nessa área, gestada no governo anterior.

Um estudo recém-publicado acaba de traçar o perfil de um momento muito específico dessa imagem negativa do país. Ele se debruça sobre a cobertura internacional a respeito do assassinato, em junho de 2022, do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira.

O caso gerou uma campanha de conscientização global sobre a Amazônia e se consolidou como uma mancha na percepção do país no exterior. Em um contexto conturbado de aumento da destruição da floresta, a morte de um jornalista estrangeiro colocou sob os holofotes o ambiente cada vez mais hostil na maior floresta tropical do mundo.

Segundo o estudo (realizado por mim em parceria com a pesquisadora Fabiana Gondim Mariutti), a cobertura da mídia internacional sobre o Brasil na época aumentou a visibilidade do país no curto prazo e projetou uma imagem cada vez mais negativa. Mesmo semanas após a morte de Phillips e Pereira, a Amazônia continuou a ofuscar as percepções estrangeiras sobre o Brasil e sua reputação.

A pesquisa analisou dados da cobertura da mídia internacional sobre o Brasil entre maio e julho de 2022, período anterior e posterior aos assassinatos de Phillips e Pereira. Os dados coletados sistematicamente foram retirados do Índice de Interesse Internacional (iii-Brasil), um levantamento semanal sobre a forma como o Brasil é retratado na mídia estrangeira publicado pelo portal Interesse Nacional.

Trata-se da análise e construção de um banco de dados de notícias sobre o Brasil em sete veículos da imprensa estrangeira: “The Guardian” (Reino Unido), “The New York Times” (Estados Unidos), “ El País” (Espanha), “Le Monde” (França), “Clarín” (Argentina), “Público” (Portugal) e “China Daily” (China). A partir disso, o índice avalia o nível de visibilidade internacional e o tom da cobertura utilizada ao tratar do país.

A pesquisa revelou que, desde 2018, com a eleição de Bolsonaro, o aumento da destruição do meio ambiente transformou a Amazônia em um importante ponto focal, aumentando sua influência sobre a imagem e o status internacional do Brasil. Neste contexto, as duas infames mortes de junho de 2022 podem ser consideradas um símbolo das mudanças mais amplas nas percepções do país, através das quais o estado da política ambiental se tornou um obstáculo à busca do Brasil por prestígio global.

Ao longo do primeiro ano de dados coletados pelo iii-Brasil, de 1º de abril de 2022 a 30 de março de 2023, o trabalho encontrou um total de 3.574 matérias sobre o Brasil publicadas pelos sete jornais, uma média semanal de 70 referências ao país. A visibilidade do Brasil oscilou ao longo do ano, mas teve um pico no período das mortes de Pereira e Phillips.

A análise sistemática das dez semanas de dados apresentadas neste estudo permite perceber três momentos distintos da visibilidade internacional do Brasil. A primeira ocorreu no mês de maio, antes do desaparecimento de Pereira e Phillips; a segunda considera as duas semanas durante as quais foi realizada uma busca para descobrir o seu paradeiro; e a terceira reflete artigos após a notícia de seu assassinato.

Durante as quatro semanas de maio, foram coletadas 214 notícias (média de 53,5 notícias por semana). Essa visibilidade aumentou em junho, chegando a 322 artigos sobre o país (média de 80,5 por semana). Nas duas primeiras semanas de julho, esta média voltou a diminuir e chegou a 44 por semana. O pico de visibilidade do Brasil ocorreu nas três semanas entre 6 e 26 de junho, correspondendo ao primeiro relato do desaparecimento de Phillips e Pereira e uma semana após a descoberta de seus corpos. Nesse período, 276 artigos mencionaram o Brasil, uma média de 92 por semana.

Evolução da visibilidade do Brasil na mídia internacional. — Foto: Fonte: Índice de Interesse Internacional/portal Interesse Nacional
Evolução da visibilidade do Brasil na mídia internacional. — Foto: Fonte: Índice de Interesse Internacional/portal Interesse Nacional

A análise dos dados também revelou uma oscilação no tom usado pelas reportagens. A cobertura dos assassinatos produziu uma imagem cada vez mais negativa do país. No total de todo o primeiro ano do iii-Brasil, a maioria das notícias sobre o Brasil (50%) foram categorizadas como “neutras”, sem influência sobre a imagem do país no mundo. O total de notícias “negativas” era de 34% e o de “positivas” era de 16%.

Tom das reportagens que mencionam o Brasil. — Foto: Fonte: Índice de Interesse Internacional/portal Interesse Nacional
Tom das reportagens que mencionam o Brasil. — Foto: Fonte: Índice de Interesse Internacional/portal Interesse Nacional

Em maio de 2022, antes do assassinato, 45% das notícias podem ser consideradas “neutras”, 41% “negativas” e 14% “positivas”. Na terceira semana de junho, quando os corpos de Phillips e Pereira foram encontrados, o percentual de notícias “negativas” subiu para 70%, enquanto o de notícias “positivas” reduziu para apenas 6%.

A análise sistemática permitiu estabelecer que o principal tema abordado de forma negativa pela de mídia internacional foi a Amazônia. Além do caso específico dos assassinatos, os meios de comunicação internacionais começaram a divulgar outras notícias prejudiciais sobre a Região Norte e a questão ambiental no Brasil.

Embora apenas um mês após as mortes o volume de notícias negativas tivesse caído bem abaixo do período do seu desaparecimento e fosse inferior ao das notícias “neutras”, estava claro que a Amazônia tinha uma influência considerável e a capacidade de influenciar significativamente piorar a imagem do Brasil.

Esta análise comparativa é importante porque a Amazônia é tradicionalmente um dos ícones mais importantes da percepção internacional do Brasil. A floresta é um estereótipo do Brasil como o futebol e o carnaval. Historicamente, estes são clichês positivos na imagem do país. Por mais que exista uma preocupação global com a proteção ambiental, a Amazônia tradicionalmente foi vista como um ativo vantajoso para a “marca” do país.

Esta mudança do perfil de projeção da floresta revelada pelo estudo mostra como o descuido político pode levar a notícias que têm o potencial de transformar a reputação do país. Os dados mostram uma face dos danos causados após quatro anos da gestão ambiental por Bolsonaro, e seus efeitos para o prestígio do país no mundo. A crescente destruição da floresta, a falta de regulamentação, a incapacidade de aplicar políticas para proteger o ambiente e a negação das alterações climáticas por parte do governo afastaram o Brasil do papel de liderança que outrora aspirava.

Desde a virada do ano, com todo o otimismo e as promessas do novo governo em relação a uma política voltada à proteção da floresta, estudos têm apontado para a necessidade de o Brasil ir além da retórica e apresentar avanços reais na área ambiental. É verdade que o desmatamento na Amazônia caiu logo após a volta de Lula ao poder, mas ainda há focos de incêndio em outras partes do país, como o cerrado e o pantanal, e a seca ameaça facilitar a expansão do fogo mesmo no norte do país.

Para garantir que a floresta volte a ser apenas um clichê positivo da imagem do Brasil no mundo e possa ajudar na projeção do status do país, é preciso reforçar a política ambiental e redobrar os esforços para conter os efeitos negativos da seca e evitar a volta do desmatamento. Além do discurso, é preciso ação - e resultados.

*Daniel Buarque é pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais (IRI), da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP.

Este artigo foi publicado originalmente no site The Conversation Brasil.

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