Sociedade

Por Jose Miguel Soriano Del Castillo, The Conversation*

Há um ano, a letra da música da cantora catalã Vicco, "Nochentera", trouxe para o noticiário — e revelou para as novas gerações de ouvintes da jovem estrela pop — uma bebida que não é exatamente uma novidade na Europa. Especialmente em Barcelona, cidade de origem da artista. Mas, embora ainda não fosse familiar para muitos, seus fãs passaram a chamá-la de Green Fairy (Fada Verde). Já seus detratores a conhecem por um nome menos condescendente: Green Devil, ou Diabo Verde.

O principal ingrediente dessa bebida alcoólica é um óleo extraído das partes aéreas da planta absinto quando ela floresce. Ele tem um sabor amargo, irritante e adstringente e um odor forte, e sua cor varia do verde-escuro ao marrom e ao azul.

Em geral, considera-se que o principal constituinte do óleo de absinto (Artemisia absinthium), e o responsável por sua propriedade aromatizante é uma substância chamada tujona (ou tuiona). Ela ocorre em duas estruturas químicas diferentes: α-tujona e β-tujona. A última é geralmente a que tem a maior proporção (70-90% do conteúdo total de tujona).

Outros constituintes característicos são as substâncias amargas chamadas absintina e artabsina, embora geralmente estejam presentes no absinto em menos de 0,3%.

Na tela ‘The Green Muse’ (1895), de Albert Maignan, um poeta sucumbe à ‘Fada Verde’ — Foto: Wikimedia
Na tela ‘The Green Muse’ (1895), de Albert Maignan, um poeta sucumbe à ‘Fada Verde’ — Foto: Wikimedia

Do absinto planta ao absinto bebida

A produção do absinto segue receitas tradicionais de destilação, que começam com a maceração do absinto e de outras ervas secas, como anis e erva-doce. A destilação reduz os compostos amargos e realça os aromas característicos da planta. Em uma segunda etapa, mais ervas são adicionadas ao destilado incolor para obter a coloração verde característica e o sabor amargo suave. A diluição com água ajusta a concentração.

Alguns produtos atuais são feitos com extratos de absinto ou de outras plantas misturados com álcool etílico, usando corantes artificiais. Algumas bebidas são feitas até mesmo sem destilação, apenas filtrando e diluindo as ervas maceradas.

No século 19, já havia produtos de baixa qualidade e falsificados, alguns deles feitos com essências de ervas e corantes alimentícios. A adulteração incluía substâncias como sulfato de cobre, índigo e cloreto de antimônio.

Teor alcoólico muito alto

Tradicionalmente, é feita uma distinção, de acordo com o teor alcoólico, entre vários tipos de absinto: “comum”, com 45-50% em volume; “semifino”, com 50-68% vol., e “fino”, com 68-72% vol. O último, também chamado de absinthe suisse (absinto suíço), é um destilado puro de ervas considerado da mais alta qualidade.

Atualmente, a maioria dos produtos é comercializada a 70% ou 55% vol. O teor alcoólico muito alto é essencial para melhorar a solubilidade dos óleos essenciais lipofílicos.

Preparação tradicional de absinto — Foto: Eric Litton / Wikimedia Commons
Preparação tradicional de absinto — Foto: Eric Litton / Wikimedia Commons

O ritual de beber absinto envolve a diluição com água, conhecida como “efeito louche”, que libera os aromas das ervas e turva a bebida (louche significa “turvo” em francês). O uso de uma colher perfurada com açúcar faz parte do protocolo, embora haja também uma tradição tcheca que envolve mergulhar a colher no absinto e acendê-la antes de misturá-la com a solução.

História: de Plínio, o Velho, a Picasso

O uso do absinto para fazer bebidas alcoólicas pode ser rastreado até o vinho absintitas, já mencionado por Plínio, o Velho, no século 1, preparado com a erva do absinto. Mas foi somente no final do século 18, na Suíça de língua francesa, que o absinto propriamente dito foi criado pela mistura do absinto com outros ingredientes herbais.

Sua invenção é atribuída ao médico francês Pierre Ordinaire e a uma mulher chamada Henriette Henriod. A bebida se tornou popular quando a receita chegou às mãos do destilador suíço Henri-Louis Pernod em 1805.

De 1844 a 1847, durante as guerras da conquista francesa da Argélia, os soldados usavam o absinto como antisséptico e para tratar a indigestão. Após a guerra, sua popularidade aumentou devido à escassez de vinho e à queda no preço do absinto.

No final do século 19, o absinto, já chamado de Fada Verde, era a bebida alcoólica mais popular da Europa, consumida por todas as classes sociais. Artistas como Van Gogh, Degas, Picasso e Toulouse-Lautrec o retrataram em suas obras. A cidade francesa de Pontarlier tornou-se sua capital, com várias destilarias.

O lado sombrio do absinto

Mas o cartão postal boêmio e festivo do absinto tinha um lado sombrio. Já em 1850, descobriu-se que seu consumo regular causava uma síndrome grave chamada absintismo. No início do século 20, várias doenças foram atribuídas ao absinto, o que levou à sua proibição em vários países entre 1905 e 1923. A Espanha e a República Tcheca foram exceções a essa medida.

O Bebedor de Absinto’ (1901), de Pablo Picasso — Foto: Musée d'Orsay
O Bebedor de Absinto’ (1901), de Pablo Picasso — Foto: Musée d'Orsay

Na década de 1990, a Diretiva 88/388/EEC permitiu a comercialização do absinto na União Europeia com limites para o composto tujona. Atualmente, mais de 100 formas são vendidas, principalmente pela Internet e para bares, onde são usadas como ingredientes de coquetéis.

A Suíça, país de origem da bebida, suspendeu a proibição com limites semelhantes aos da UE, permitindo produtos de alta qualidade de acordo com receitas tradicionais. Regulamentações adicionais, como a proibição de corantes artificiais e a introdução de denominações de origem protegidas e indicações geográficas no rótulo do absinto suíço, também estão sendo discutidas.

Morte por absinto

A síndrome do absinto causa sintomas como alucinações, depressão, convulsões, deterioração mental e até mesmo a morte. Foi inicialmente atribuída à tujona (de fato, a forma alfa é mais tóxica do que a forma beta), mas o conhecimento atual aponta outros fatores como culpados.

De acordo com o especialista em vícios John Strang e seu grupo de trabalho, a síndrome do absinto pode ser atribuída à intoxicação alcoólica crônica. A adulteração do absinto com plantas e metais tóxicos, como cloreto de antimônio e sulfato de cobre, também é mencionada como uma possível causa.

Por fim, outros pesquisadores apontam para os altos níveis de tujona em produtos ilegais e alertam sobre o chamado “turismo do absinto” ou “rotas do absinto” que se tornaram moda. A Fada Verde ainda mantém seu poder de encantamento.

*Jose Miguel Soriano del Castillo é professor de Nutrição e Ciência dos Alimentos do Departamento de Medicina Preventiva e Saúde Pública da Universidade de València, na Espanha. Este artigo originalmente foi publicado em espanhol no The Conversation.

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