"Flor de Deus" está desaparecendo em Taiwan devido às mudanças climáticas

Orquídea que cresce a altitudes de 800 a 1,8 mil metros nas montanhas de Alishan é sagrada para o povo indígena Tsou, que agora não mais a encontra em abundância

Por Redação Galileu


Orquídea Dendrobium clavatum, considerada sagrada para os Tsou Kuo-Chu Yueh/Flickr/Creative Commons

Bonita, mas sem odor, uma flor amarela com um centro aveludado alaranjado, conhecida como "Flor de Deus", brota nas montanhas de Alishan, no centro de Taiwan. A espécie Dendrobium clavatum é sagrada para o povo indígena Tsou, que em breve pode ficar sem a planta devido à crise climática.

"Minha tribo tem que ter a Flor de Deus para nossas cerimônias. Caso contrário, Deus não conseguirá nos encontrar", diz o ancião do grupo, Gao Desheng, à rede britânica BBC.

A orquídea Dendrobium clavatum é a "flor étnica para o deus celestial reconhecer o povo Tsou", conforme o Conselho dos Povos Indígenas de Taiwan.

Esse povo indígena tem um salão de assembleia onde os homens da comunidade se reúnem, chamado "Kuba", que é decorado ao seu redor com cultivos da "Flor de Deus". Trata-se do centro de atividades religiosas, políticas e econômicas dentro da aldeia. As colunas do local são principalmente feitas de bétula e cedro e o telhado é feito de colmo (um tipo de caule).

Entre as muitas divindades dos Tsou, está o deus da guerra Iafafeoi, um protetor que se acredita garantir o retorno seguro dos jovens do campo de batalha. "Dizem que a Flor de Deus cerca o habitat desta divindade", explicou An Xiao-Ming, indígena do grupo que tem cerca de 40 anos de idade. "Essas flores são colocadas nos telhados de Kuba, significando a presença do divino".

O "Kuba" tem um papel central no festival Mayasvi de três dias, frequentado por centenas de pessoas. Os Tsou pedem ao deus da guerra para abençoar seus guerreiros e afastar a má sorte. Para fazer isso, eles devem prender as folhas da orquídea dourada em seus chapéus de couro para que as divindades os identifiquem como Tsou.

Faz parte da antiga tradição do grupo que a "Flor de Deus" não seja cultivada artificialmente. A planta deve ser encontrada e colhida na natureza antes do amanhecer, antes do início de cerimônias importantes.

Desaparecimento da espécie

A orquídea sagrada que nasce a altitudes de 800 a 1,8 mil metros era encontrada em abundância, florescendo fora das casas dos Tsou. Mas agora os indígenas são obrigados a procurá-la cada vez mais longe e alto nas florestas montanhosas ao seu redor. Às vezes, até escalando árvores.

Para que a flor cresça na primavera, é preciso um inverno com temperaturas abaixo de 12°C. No entanto, o Greenpeace afirma que as temperaturas mínimas no outono e inverno aumentaram gradualmente nos últimos 10 anos, com base em dados locais de temperatura da Estação Meteorológica de Alishan.

Flor Dendrobium clavatum, usada pelo povo Tsou para que Deus os reconheça — Foto: Kuo-Chu Yueh/Flickr/Creative Commons

Devido ao aquecimento global, a temperatura média de novembro na estação de Alishan aumentará dos atuais 12-14°C para 14-16°C até 2050. Como um todo, Taiwan também tem enfrentado secas mais frequentes e clima mais quente, faltando tufões para abastecer a ilha com água.

Isso afeta as colheitas, os rituais dos Tsou e sua subsistência. Diante isso, Gao Desheng está preocupado com o futuro de sua tribo: se a "Flor de Deus" não puder ser encontrada ou desaparecer, o ancião não acredita haver substituto para ela em seus rituais. Temendo a possibilidade, ele aponta para uma grande urna contendo os restos secos do que antes era uma flor sagrada.

Desheng diz que dependerá do apoio que receberão do governo. Com uma campanha presidencial em andamento, o ancião disse à BBC que os políticos vêm visitar, mas não abordam o impacto sério das mudanças climáticas no modo de vida dos Tsou.

O grupo indígena é um dos 16 oficialmente reconhecidos em Taiwan. Eles viveram na ilha por milhares de anos antes da chegada da maioria dos chineses Han. A partir da década de 1980, o povo se tornou ativista em movimentos sociais para lutar pelos direitos indígenas. Hoje, somam cerca de 6 mil indivíduos, em uma população de 23 milhões de pessoas.

Mais recente Próxima Ampliação da hidrovia Araguaia-Tocantins ignora impacto para ribeirinhos

Leia mais