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Por TNC Brasil

Artigos exclusivos sobre clima e biodiversidade assinados pelos especialistas da The Nature Conservancy Brasil

Edenise Garcia*

Uns após os outros, os eventos climáticos extremos têm assolado diferentes pontos da Terra nas mais variadas e mesmo opostas versões: secas e inundações, incêndios florestais, recordes de temperatura, entre muitos outros fenômenos, têm ocupado um espaço cada vez maior nos noticiários mundiais.

Neste último ano, a ocorrência do El Niño, além de amplificar ainda mais os impactos das mudanças climáticas, constitui uma prévia do “novo normal” climático que se estabelecerá na ausência de ações efetivas para a contenção das emissões e aumento do sequestro de gases de efeito estufa (GEE).

À medida que o tempo passa, iniciativas de mitigação das mudanças climáticas – uso de energia renovável, conservação e restauração florestal, redução do consumo energético em geral, controle das emissões industriais etc. –, embora extremamente necessárias, tornam-se insuficientes para proteger a natureza e garantir o bem-estar humano.

Mesmo que as emissões líquidas de GEE sejam zeradas até 2050, os impactos dos níveis ainda elevados desses gases na atmosfera persistirão por décadas. Portanto, é preciso se adaptar a uma nova dinâmica climática. E essa adaptação é urgente e tem um custo.

Os custos de adaptação estão relacionados a ajustes nos sistemas naturais ou humanos em resposta aos impactos climáticos reais ou esperados. Isso inclui despesas com a construção de diques para contenção do avanço do mar; elevação de infraestruturas, incluindo habitações; promoção de culturas agrícolas tolerantes à seca; implantação de telhados verdes, cobertos com vegetação, para amenizar o calor; entre muitas possibilidades.

Promessa não cumprida

Em 2009, na conferência do clima (COP 15) realizada em Copenhaguen na Dinamarca, os países desenvolvidos comprometeram-se a fornecer US$ 100 bilhões por ano em financiamento climático às nações mais pobres não apenas para a mitigação das alterações climáticas, mas também para medidas de adaptação.

No entanto, somente 25% desse total foi repassado, e em sua maior parte o financiamento foi destinado a intervenções de mitigação, e não a projetos de adaptação. Além disso, os chamados “Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento”, isto é, pequenas ilhas que estão entre os países mais vulneráveis às alterações climáticas, receberam somente 6% do valor repassado.

O financiamento insuficiente para a adaptação em países pobres ou vulneráveis acaba por expô-los a maiores riscos que levam inevitavelmente a perdas e danos relacionados a eventos climáticos severos ou processos mais lentos (por exemplo, aumento do nível do mar, acidificação oceanos, degradação da terra, secas, desertificação ou recuo glacial), que não são prevenidos ou evitados nem mesmo por esforços máximos de adaptação e mitigação.

Para além das suas consequências diretas e permanentes na biodiversidade e na vida, na saúde e no bem-estar das pessoas, na coesão social e identidade, no deslocamento e migração de comunidades, as perdas e danos estão associados a impactos substanciais no crescimento e desenvolvimento econômico dos países pobres ou vulneráveis, que muitas vezes são levados a solicitarem novos empréstimos junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para se recuperarem das catástrofes climáticas.

Esses novos empréstimos aumentam o peso da dívida dos países, reduzem sua capacidade de recuperação e têm graves consequências a longo prazo no seu desenvolvimento e crescimento econômico.

Dessa forma, o encargo financeiro da resposta aos impactos climáticos por meio da adaptação e de outras iniciativas para abordar perdas e danos ainda recai quase inteiramente sobre as nações afetadas — e não sobre os países que têm sido os maiores responsáveis pelas emissões de GEE e alterações climáticas. Essa é uma das faces da injustiça climática.

E as perspectivas não são otimistas. Atualmente, a demanda de recursos para ações de adaptação está aumentando. Segundo o Relatório Anual sobre as Lacunas de Adaptação de 2023, publicado em novembro pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), os países em desenvolvimento necessitariam de US$ 215 bilhões a US$ 387 bilhões por ano até 2030 para se adaptarem aos impactos climáticos, e esses valores deverão aumentar significativamente até 2050.

Esse cenário indica a importância de se acelerar e escalar, paralelamente, ações de mitigação e adaptação, para, respectivamente, evitar alterações climáticas catastróficas e minimizar impactos climáticos permanentes.

No entanto, ainda de acordo com o relatório do PNUMA, além da lacuna de financiamento, ou por causa dela, um em cada seis países participantes das conferências do clima não possui um sistema nacional ou instrumento de planejamento de adaptação. E, na maioria dos países com um sistema, o nível de implementação de ações ainda é muito baixo. Esse é o caso do Brasil.

Ação x reação

Por aqui, o principal instrumento de planejamento de ações de adaptação é o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), elaborado em 2016, cujo objetivo geral é “promover a gestão e a redução do risco climático no país frente aos efeitos adversos da mudança do clima, de forma a aproveitar as oportunidades emergentes, evitar perdas e danos e construir instrumentos que permitam a adaptação dos sistemas naturais, humanos, produtivos e de infraestrutura.”

O PNA abrange 11 setores: recursos hídricos, segurança alimentar e nutricional, biodiversidade, cidades, zonas costeiras, povos e populações vulneráveis, infraestrutura, saúde, mineração, indústria e agricultura. Os últimos quatro listados e o subcomponente ‘energia’, que integra infraestrutura, possuem um Plano Setorial de Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima.

Todavia, na prática, poucas ações previstas no PNA ou nos planos setoriais foram implementadas. Apesar dos recorrentes desastres associados a eventos climáticos, os esforços maiores no país e os recursos disponíveis têm sido dirigidos à mitigação, ao passo que a adaptação às mudanças climáticas permanece em segundo plano.

Em geral, ações adaptativas e preventivas, que precisam ser planejadas levando em consideração características biofísicas locais ou a situação das populações mais vulneráveis, simplesmente não existem, sendo reduzido o número de municípios brasileiros que conta com um plano ou um diagnóstico específico.

Dessa forma, o mapeamento de vulnerabilidades e as análises de risco seguem sendo realizados em reação a eventos catastróficos, num contexto de gestão de perdas e danos.

O próprio Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais – CEMADEN, que tem um papel relevante na identificação de áreas e situações de risco, surgiu em consequência dos deslizamentos 2011, que resultaram em centenas de mortos na região serrana do Rio de Janeiro.

Diante desse histórico de negligência relacionado à adaptação às mudanças climáticas, a expectativa é de que na COP28, que acontece em Dubai entre 30 de novembro e 12 de dezembro de 2023, o Objetivo Global de Adaptação ganhe o necessário protagonismo, possibilitando o financiamento e a ampliação de ações essenciais para a diminuição das injustiças climáticas, inclusive no Brasil.

*Edenise Garcia é diretora de ciências na The Nature Conservancy (TNC) Brasil.

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