Mulheres das Estrelas

Por Mulheres das Estrelas

Textos das astrônomas Ana Posses (@astroposses) e Duilia de Mello (@dudemello) sobre o fascinante mundo da astronomia

1. O incrível James Webb!

Escolhemos como número um o Telescópio Espacial James Webb (JWST, na sigla em inglês). Já vai fazer um ano que acordamos no dia de Natal para assistir ao lançamento do tão esperado foguete Ariane 5 que carregava o telescópio espacial. Papai Noel foi bondoso e deu tudo certo — aliás, as imagens dele são ainda mais impressionantes do que o esperado.

Mas as primeiras semanas foram carregadas de expectativa até o telescópio chegar ao ponto da órbita, no dia 24 de janeiro, onde ficará pelo resto de sua vida, a 1,5 milhão de quilômetros da Terra. O JWST é exemplo de como o investimento em tecnologia e inovação dá frutos importantes para o avanço científico.

Sua construção foi cheia de imprevistos e custou US$ 10 bilhões, dez vezes mais do que o projeto original. Não é para menos: foi necessário inventar tudo e solucionar problemas nunca encontrados antes.

Por exemplo, o telescópio é protegido dos raios solares por uma tela com várias camadas, do tamanho de uma quadra de tênis. Só o mecanismo para abertura da tela protetora foi um pesadelo, pois se falhasse lá no espaço não teríamos como consertar.

Depois de muitos testes e alinhamentos dos espelhos, a Nasa liberou as primeiras imagens no dia 12 de julho, mostrando que o James Webb já entrou para a história como o telescópio que abriu uma outra janela do Universo, observando no infravermelho.

2. A galáxia mais distante

Com os telescópios espaciais, conseguimos ver galáxias tão distantes que as enxergamos quando o Universo era bem jovem. Encontrá-las é uma missão difícil por terem um brilho muito fraco, o que também dificulta a medição da distância.

Entender como essas primeiras galáxias se formaram e evoluíram é uma das principais missões justamente do James Webb. E já no seu primeiro ano de funcionamento, ele quebrou a barreira da galáxia mais distante observada.

Até então, o posto era dado para a galáxia GN-z11, localizada quando o Universo tinha apenas 400 milhões de anos e detectada com o telescópio espacial Hubble. Porém, quem assumiu o novo primeiro lugar foi a galáxia JADES-GS-z13-0, que já existia quando o Universo tinha 330 milhões de anos.

Imagem colorida composta pela NIRCam, do James Webb, da galáxia distante JADES-GS-z13-0 — Foto: NASA, ESA, CSA, and STScI, M. Zamani (ESA/Webb), L. Hustak (STScI). Science: B. Robertson (UCSC), S. Tacchella (Cambridge), E. Curtis-Lake
Imagem colorida composta pela NIRCam, do James Webb, da galáxia distante JADES-GS-z13-0 — Foto: NASA, ESA, CSA, and STScI, M. Zamani (ESA/Webb), L. Hustak (STScI). Science: B. Robertson (UCSC), S. Tacchella (Cambridge), E. Curtis-Lake

Para isso, os astrônomos mediram o avermelhamento no espectro da galáxia, que é como se fosse sua impressão digital luminosa. Quanto mais avermelhado, mais distante e no passado está uma galáxia. Será que isso significa que demorará muito tempo para esse recorde ser quebrado? Pelo contrário!

Essa é só uma prova da capacidade do novo telescópio espacial, que aos poucos irá encontrar uma população de galáxias jovens que começaram a se formar nas primeiras centenas de milhões de anos depois do Big Bang.

3. A primeira imagem de um exoplaneta

Existem milhares de magníficas imagens de estrelas e galáxias, mas a maioria das imagens que usamos para retratar planetas orbitando outras estrelas (os exoplanetas) são representações artísticas. Isso acontece pela dificuldade em captar os detalhes desses pequenos mundos, não só por seu tamanho e distância, mas pelo intenso brilho de suas estrelas hospedeiras que os ofuscam.

Nos últimos anos, porém, algumas dezenas de exoplanetas foram “fotografados”, por um técnica chamada imageamento direto. HIP 65426b foi o primeiro a ser visto pelo SPHERE, no Very Large Telescope (VLT), no Chile, o principal instrumento até então para imagiar diretamente exoplanetas. Esse é um planeta gasoso com uma massa de seis a 12 vezes maior que a de Júpiter.

Novamente, o incrível James Webb também terá um papel fundamental nessa caçada e já nos deu um belo exemplo da sua capacidade. Em setembro, fomos maravilhados pelas imagens do mesmo exoplaneta HIP 65426b, mas agora pelas lentes e filtros do JWST.

Esta imagem mostra o exoplaneta HIP 65426 b em diferentes bandas de luz infravermelha, como visto do Telescópio Espacial James Webb: roxo é a visão do instrumento NIRCam a 3,00 micrômetros, azul mostra a visão do instrumento NIRCam a 4,44 micrômetros; amarelo, a visão do MIRI em 11,4 micrômetros, e vermelho o MIRI em 15,5 micrômetro — Foto: NASA/ESA/CSA, A Carter (UCSC), the ERS 1386 team, and A. Pagan (STScI)
Esta imagem mostra o exoplaneta HIP 65426 b em diferentes bandas de luz infravermelha, como visto do Telescópio Espacial James Webb: roxo é a visão do instrumento NIRCam a 3,00 micrômetros, azul mostra a visão do instrumento NIRCam a 4,44 micrômetros; amarelo, a visão do MIRI em 11,4 micrômetros, e vermelho o MIRI em 15,5 micrômetro — Foto: NASA/ESA/CSA, A Carter (UCSC), the ERS 1386 team, and A. Pagan (STScI)

Um dos diferenciais do telescópio é que, por ser espacial, a atmosfera do nosso planeta não interfere nas imagens, o que ocorre com os observatórios terrestres. Esses são os primeiros passos para começarmos a ir mais a fundo e identificar as propriedades físicas fundamentais desses objetos, que serão cruciais para identificar condições para o surgimento de vida nesses outros mundos.

4. O retorno à Lua

Mas 2022 teve muito mais que o James Webb. Teve também muita adrenalina até finalmente o foguete da missão Artemis 1 levantar voo, no dia 15 de novembro, depois de adiada três vezes por problemas técnicos.

Deu tudo certo: Artemis 1 chegou a 130 quilômetros de distância da Lua e sua cápsula Orion retornou à Terra tranquilamente no dia 11 de dezembro, após viajar 2,1 milhões de quilômetros. A missão marca o retorno oficial do interesse dos Estados Unidos em voltar a caminhar pelo nosso satélite.

Órion atinge a maior distância da Terra durante Missão Artemis I — Foto: Divulgação/ Nasa
Órion atinge a maior distância da Terra durante Missão Artemis I — Foto: Divulgação/ Nasa

Como falamos na coluna de novembro, falta bastante até pisarmos lá novamente, mas tudo indica que será feito e será marcante, pois pela primeira vez uma mulher e a primeira pessoa negra caminharão na Lua.

Essa reconquista marca também o desejo do ser humano de chegar até Marte. Infelizmente, algo ainda muito futuro, mas que as próximas gerações com certeza irão vivenciar.

5. Empurrando um asteroide

Um dos maiores perigos astronômicos para a humanidade é sermos atingidos por um grande asteroide que possa nos dizimar, como aconteceu com os dinossauros. Mesmo com uma baixa probabilidade de acontecer, a Nasa vem pensando em meios de estarmos preparados para um eminente perigo.

Para isso, foi lançada em novembro de 2021 a missão Dart, composta de uma espaçonave que testaria nossa capacidade de conseguir mudar a órbita de um asteroide. O veículo rumou em direção ao asteroide Dimorphos, com um diâmetro de 160 metros, que faz parte de um sistema binário e cujo impacto não ofereceria nenhuma ameaça para a Terra.

Missão Dart superou expectativas ao mudar órbita de asteroide no espaço — Foto: NASA
Missão Dart superou expectativas ao mudar órbita de asteroide no espaço — Foto: NASA

O objetivo era realizar um choque frontal com esse asteroide que resultaria em uma órbita mais próxima ao asteroide companheiro, Didymos. Para verificar se a órbita foi modificada, a equipe da missão observou o sistema durante os dias posteriores ao impacto para calcular nossa rota. Pela configuração do sistema, conseguimos observar quando Dimorphos passa pela frente e atrás do asteroide Didymos, e assim conseguimos medir o período de órbita.

Em outubro, os cientistas responsáveis pela missão confirmaram que o impacto conseguiu não só gerar a mudança mas superá-la em 25 vezes a meta inicial. Já começamos a nos sentir mais seguros para evitar um possível asteroide extinguidor de dinossauros!

6. Fusão nuclear

E o ano termina com provavelmente uma das conquistas científicas com maior potencial de mudar o rumo da humanidade e do nosso planeta. Há décadas a ciência tenta produzir energia como as estrelas fazem, através de fusão nuclear, ou seja, combinando elementos químicos leves e formando elementos mais pesados.

Mas todos os experimentos já realizados na Terra consomem mais energia do que produzem. Porém, a persistência dos cientistas novamente venceu. No dia 5 de dezembro, pela primeira vez na história do experimento conduzido no Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia (EUA), um feixe de laser provocou uma explosão equivalente a três dinamites ao atingir uma cápsula de hidrogênio.

Cientistas dos EUA atingem ignição por fusão nuclear pela 1ª vez; entenda — Foto: US Department of Energy
Cientistas dos EUA atingem ignição por fusão nuclear pela 1ª vez; entenda — Foto: US Department of Energy

Isso, que a princípio parece algo simples, é na verdade muito difícil de se obter porque a quantidade de energia contida no feixe de laser é menor do que a energia causada pela explosão. Se conseguirmos reproduzir isso em larga escala, teremos uma fonte energética que não causa a poluição dos combustíveis fósseis ou das usinas nucleares.

Mas ainda temos um longo caminho a percorrer, pois quando levamos em conta a energia necessária para ligar o feixe de laser, vemos que o experimento consome quase 300 vezes mais energia do que produz. Mesmo assim, esse parece ser um caminho importante para investirmos e, quem sabe um dia, nos livrar dos maiores poluentes do nosso planeta.

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