Ciência

Por Redação Galileu

Você já deve ter ouvido que o álcool é a água que o passarinho não bebe. Contudo, um novo estudo publicado no periódico Royal Society Open Science aponta que, na verdade, essa expressão popular não se aplica aos beija-flores.

Muitas vezes, bebedouros para beija-flores são enchidos com água açucarada. Mas nós nos esquecemos de que essa mistura resulta num experimento natural de fermentação, com o calor ajudando a transformar parte do açúcar em álcool. Além disso, esse composto químico pode ser obtido de outras maneiras na natureza, como em flores cheias de néctar – que são um ponto de encontro ideal para leveduras, um tipo de fungo, e para bactérias que metabolizam o açúcar e produzem etanol.

Com isso em mente, um novo estudo da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA) investigou se beija-flores preferem ou rejeitam água açucarada levemente alcoólica – e descobriram que essas aves tomam líquidos de bebedores que contenham até 1% de álcool por volume.

A pesquisa faz parte de um projeto de longo prazo de Robert Dudley, professor de biologia integrativa na universidade americana, e seus colegas da instituição de ensino – o herpetólogo Jim McGuire e o especialista em pássaros Rauri Bowie, que também são professores de biologia integrativa e atuam como curadores do Museu de Zoologia de Vertebrados da Universidade da Califórnia em Berkeley.

Os pesquisadores convidaram alunos de graduação para analisar o comportamento dos beija-flores que visitavam o bebedouro ao lado da janela do escritório de Dudley – já que o estudo foi feito durante o período mais agudo da pandemia de Covid-19, era inviável para a equipe realizar testes nas florestas da América Central e da África, onde há pássaros que se alimentam de néctar. Assim, as análises envolveram três beija-flores machos da espécie Calypte anna que residem o ano todo na região da Universidade da Califórnia em Berkeley.

Beija-flor da espécie 'Calypte anna' visto em Pacifica, na Califórnia   — Foto: Rhododendrites / Wikimedia Commons / Creative Commons Attribution-Share Alike 4.0
Beija-flor da espécie 'Calypte anna' visto em Pacifica, na Califórnia — Foto: Rhododendrites / Wikimedia Commons / Creative Commons Attribution-Share Alike 4.0

"Os beija-flores consomem 80% de sua massa corporal por dia em néctar", comenta Dudley em nota. "A maior parte é água e o restante é açúcar. Mas, mesmo que haja concentrações muito baixas de etanol, esse consumo volumétrico renderia uma dosagem alta de etanol, se ele estivesse lá fora. Talvez, com os dosadores, não estejamos apenas cultivando beija-flores, mas sim lhes providenciando um 'assento no bar' toda vez que eles se aproximam."

Enquanto os beija-flores do estudo não demonstraram se incomodar com até 1% de álcool por volume de água, eles mudavam seu comportamento quando o nível de etanol subia para 2% no bebedouro. Neste caso, os animais tomavam apenas metade do que costumavam tomar do líquido açucarado (com ou sem álcool). "Eles estavam consumindo a mesma quantidade total de etanol; apenas reduziram o volume da solução ingerida a 2%. Isso foi realmente interessante", destaca Dudley. “Isso foi uma espécie de efeito de limiar e nos sugeriu que, o que quer que aconteça [com os beija-flores] no mundo real, provavelmente não excede 1,5%.”

Já ao testarem o nível de álcool na água com açúcar que ficou no bebedouro por duas semanas, os autores do estudo encontraram uma concentração muito menor: cerca de 0,05% por volume. "Agora, 0,05% simplesmente não parece muito – e não é mesmo. Mas, novamente, se você bebe 80% do seu peso corporal por dia, com 0,05% de etanol, você obtém uma carga substancial de etanol em relação à sua massa corporal", observa Dudley. "Portanto, tudo é consistente com a ideia de que há uma exposição natural e crônica a níveis fisiologicamente significativos de etanol derivado dessa fonte nutricional.”

O especialista acrescenta: "Os beija-flores queimam o álcool e o metabolizam muito rapidamente. Assim como fazem com os açúcares. Portanto, provavelmente não veem nenhum efeito real do álcool. Eles não estão ficando bêbados".

Com essas informações, os pesquisadores querem entender o papel que o álcool desempenha nas dietas dos animais – particularmente nos trópicos, onde as frutas e o néctar açucarado fermentam facilmente, levando diferentes espécies a ingerirem álcool frequentemente.

Nenhum outro estudo sistemático do teor alcoólico de frutas e néctares, ou do consumo de álcool por pássaros, insetos ou mamíferos sugadores de néctar, ou por animais comedores de frutas, incluindo primatas, foi feito. E, até o momento, o artigo não conseguiu estabelecer se o álcool é um fator que chama atenção dos beija-flores a um bebedouro ou não.

Contudo, existem pesquisas que relacionam a preferência do álcool em outros animais. É o caso de um artigo de 2008 que descobriu que o néctar das flores de palmeira consumido por musaranhos –pequenos seres vivos semelhantes a ratos que vivem no oeste da Malásia – tinha níveis de álcool de até 3,8% por volume.

Já outro estudo, publicado em 2015, encontrou uma concentração relativamente alta de álcool – até 3,8%, – no néctar ingerido pelos slow lóris e pelos aie-aie, dois tipos de primatas. A pesquisa concluiu que esses animais preferiam néctar com maior porcentagem alcoólica.

Para a equipe da Universidade da Califórnia em Berkeley, o próximo passo é medir quanto de etanol é encontrado naturalmente nas flores, e também determinar com que frequência esse composto é consumido por outros tipos de pássaros. Dudley ainda acredita que, no futuro, sua pesquisa possa ajudar a entender o porquê de os humanos se sentirem atraídos pelo álcool.

Mais recente Próxima Crânio de lobo 'antiespíritos' é achado em tumba saqueada há 2 mil anos
Mais de Galileu

Cientistas observaram região acima da Grande Mancha Vermelha com o telescópio James Webb, revelando arcos escuros e pontos brilhantes na atmosfera superior do planeta

Formas estranhas e brilhantes na atmosfera de Júpiter surpreendem astrônomos

Yoshiharu Watanabe faz polinização cruzada de trevos da espécie "Trifolium repens L." em seu jardim na cidade japonesa de Nasushiobara

Japonês cultiva trevo recorde de 63 folhas e entra para o Guinness

Especialista detalha quais são as desvantagens do IMC e apresenta estudo que defende o BRI como sendo mais eficaz na avaliação de saúde

Devemos abandonar o IMC e adotar o Índice de Redondeza Corporal (BRI)?

Consumidores de cigarro eletrônico apresentam índices de nicotina no organismo equivalentes a fumar 20 cigarros convencionais por dia, alertam cardiologistas

Como o cigarro (inclusive o eletrônico) reduz a expectativa de vida

Artefatos representam as agulhas de pedra mais antigas que se tem registro até hoje. Seu uso para confecção de roupas e tendas para abrigo, no entanto, é contestado

Agulhas de pedra mais antigas da história vêm do Tibete e têm 9 mil anos

Cofundador da Endiatx engoliu durante palestra da TED um aparelho controlado por um controle de PlayStation 5 que exibiu imagens em tempo real de seu esôfago e estômago; assista

Homem ingere robô "engolível" e transmite interior de seu corpo para público

Pesquisadores coletaram amostras do campo hidrotérmico em profundidades de mais de 3 mil metros na Dorsal de Knipovich, na costa do arquipélago de Svalbard

Com mais de 300ºC, campo de fontes hidrotermais é achado no Mar da Noruega

Além de poder acompanhar a trajetória das aves em tempo real, o estudo também identificou as variáveis oceanográficas que podem influenciar na conservação dessas espécies

6 mil km: projeto acompanha migração de pinguim "Messi" da Patagônia até o Brasil

Estudo é passo inicial para que enzimas produzidas pelo Trichoderma harzianum sejam usadas para degradar biofilmes orais

Substância secretada por fungos tem potencial para combater causa da cárie dental

Lista traz seleção de seis modelos do clássico brinquedo, em diferentes tipos de formatos, cores e preços; valores partem de R$ 29, mas podem chegar a R$ 182

Ioiô: 5 modelos profissionais para resgatar a brincadeira retrô