Flores totalmente desconhecidas para as árvores dos manguezais de Cubatão, na Baixada Santista, preocuparam biólogos durante uma operação de monitoramento. Os especialistas as identificaram como pertencendo à planta exótica Sonneratia apetala, conhecida por seus impactos negativos em ecossistemas nativos.
A espécie arbórea até então desconhecida no Brasil e sem registros na América do Sul foi introduzida de forma involuntária, ao que tudo indica. A descoberta, preocupante para a conservação dos manguezais, foi publicada no periódico Biota Neotropica.
A origem da planta, que veio provavelmente da Ásia, foi investigada pelos biólogos Geraldo Eysink e Edmar Hatamura, em colaboração com a professora sênior do Instituto Oceanográfico (IO) da USP Yara Schaeffer-Novelli.
"Estávamos fazendo um trabalho junto com a HC2-Gestão Ambiental, empresa focada em solucionar problemas ambientais que atualmente trabalha na recuperação de uma área de manguezal em Cubatão, quando descobrimos uma planta originária da Índia e de Bangladesh”, conta Hatamura, ao Jornal da USP.
Na China, a planta é usada na recuperação de manguezais devido ao seu rápido crescimento e capacidade de reter água ou umidade do solo. Contudo, sua presença no Brasil é uma ameaça direta à biodiversidade local, pois a espécie compete por espaço e recursos com os gêneros nativos de manguezal.
Também conhecida como mangue maçã, a S.apetala é uma árvore de mangue da família Lythraceae nativa do Sudeste Asiático, com presença em países como Índia, Sri Lanka, Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas.
Como a planta invasora chegou até o Brasil?
“A hipótese mais provável é que ela chegou aqui em Cubatão principalmente devido ao grande tráfego de advindos da China", explica Hatamura.
O pesquisador acrescenta que o transporte da espécie pode ter acontecido por meio da água utilizada pelos navios para estabilização.“ A água de lastro dos navios, que é utilizada para equilibrar o navio, pode ter trazido a planta invasora”, ele afirma.
A S.apetala pode alcançar até 20 metros de altura e apresenta um sistema radicular do tipo pneumatóforo, que se estende até o solo lodoso. Ela tem folhas ovaladas de cor verde brilhante, além de flores grandes e vistosas de cor amarela. “Seus frutos e sementes flutuantes facilitaram sua disseminação pelas águas, levando à descoberta de 86 exemplares até o momento”, conta a professora Schaeffer-Novelli.
A especialista relata que a identificação da planta foi possível por meio de caminhadas de campo e o uso de drones pelos biólogos. O processo de identificação da espécie em Cubatão envolveu despesas significativas, “incluindo viagens a Santos, pedágios, alimentação, pernoites e o uso de drones para localizar indivíduos da planta invasora”, ela afirma.
Esforços para proteger os mangues
O manguezal é considerado Área de Preservação Permanente (APP), conforme a legislação nacional. “Os manguezais prestam diversos serviços ecossistêmicos, como fixação de carbono, berçário para espécies marinhas de interesse econômico e proteção contra erosão”, cita Schaeffer-Novelli.
A introdução da S.apetala no manguezal da Baixada Santista levanta questões urgentes sobre a gestão e controle de espécies forasteiras no Brasil. Para os pesquisadores, é importante que essas espécies invasoras sejam erradicadas conforme a regulamentação brasileira.
Para erradicar a planta, os especialistas aguardam o aval dos órgãos reguladores na forma de um documento que confirme a necessidade de erradicação. “Apesar de não se tratar de uma unidade de conservação federal, a área em foco é uma zona de preservação permanente, abrangendo Cubatão, São Vicente e outras regiões interligadas”, destaca a professora.
Foram contatados o Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) e o Ibama para tratar do caso, mas a resposta das autoridades ambientais até o momento tem sido limitada, segundo os pesquisadores.
Os especialistas apelam por uma mobilização conjunta de órgãos ambientais, comunidade científica e sociedade. Para eles, o caso da Baixada serve como um alerta crítico para a necessidade de políticas mais ágeis e ações proativas para proteger os manguezais e outros ecossistemas vulneráveis.
“A preservação de áreas de manguezais é crucial não apenas para a proteção dos habitats, essenciais para a subsistência de comunidades pesqueiras ao longo de 8.000 km de costa, mas também para a conservação de espécies migratórias de organismos aquáticos como peixes e mamíferos marinhos, e também para várias espécies de aves, conforme estipulado pelas Convenções de Washington de 1940 e de Ramsar de 1971”, pontua Schaeffer-Novelli.