Em 3 de agosto de 1908, em uma caverna na comuna francesa de La Chapelle-aux-Saints, um grupo de padres católicos descobriu os restos de um hominídeo idoso que viveu aproximadamente entre 56 mil e 47 mil anos atrás.
Conforme divulgou nesta quarta-feira (8) o site Live Science, 115 anos depois, uma equipe liderada pelo designer 3D brasileiro Cicero Moraes, do grupo Arc-Team, criou uma aproximação facial digital do indivíduo. O estudo foi publicado em outubro no site Research Gate.
O esqueleto quase completo não tinha vários dentes, o que levou o indivíduo a ser apelidado de "velho". Porém, uma investigação mais aprofundada revelou que o sujeito não era um humano moderno (Homo sapiens), mas sim um neandertal.
![Aproximação facial do neandertal com detalhes e em cores — Foto: Moraes et al](https://cdn.statically.io/img/s2-galileu.glbimg.com/sRt1iiB4avGdLTkfKALFHPOedQA=/0x0:850x850/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2023/H/E/oF137OSZWCptNAfnAiHA/ricostruzione-facciale.png)
Segundo descrevem os pesquisadores, o homem morreu quando tinha mais de 60 anos de idade e, próximo ao seu crânio, havia ossos de animais, muitos dos quais mostravam sinais de queima. A cova do neandertal escavada em substrato calcário media 1,45 metro de comprimento, 85 centímetros de largura e 39 centímetros de profundidade.
O esqueleto tinha muitos traços característicos de neandertal, incluindo uma crista de sobrancelha muito grande, uma base craniana plana e órbitas oculares grandes, segundo o site eFossils.com, administrado pelo Departamento de Antropologia da Universidade do Texas em Austin, nos EUA.
O homem sofria de doenças graves, o que significa que para sobreviver ele provavelmente teve ajuda de outras pessoas. Uma doença periodontal severa o havia deixado quase completamente banguela antes da morte. Também havia sinais de artrite ou degeneração articular na mandíbula
![Etapas da aproximação facial do neandertal — Foto: Moraes et al](https://cdn.statically.io/img/s2-galileu.glbimg.com/0W2X6Lxex2w-mmXQ6ZG4u4oNHto=/0x0:850x803/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2023/p/A/7GhhVSTfOy1Y6qcPv39A/ricostruzione-facciale-steps.png)
Entre as principais patologias encontradas no indivíduo, destacava-se a brucelose, uma doença zoonótica causada por bactérias do gênero Brucella sp. Segundo o Ministério da Saúde, a transmissão ocorre pelo contato direto (manejo) ou indireto (consumo de alimentos lácteos não pasteurizados) de animais como gado bovino e bubalino, ovelhas, cabras, porcos, cavalos e cães.
Aproximação facial
Para gerar o formato do rosto do homem, foram usadas tomografias computadorizadas (CT) existentes da caixa craniana. Em seguida, a equipe importou medidas de um crânio humano retirado de um banco de dados de doadores, considerando o plano horizontal de Frankfort (uma linha que passa da parte inferior da órbita ocular até a parte superior da abertura da orelha).
![Aproximação facial mais objetiva com apenas o busto em tom sépia — Foto: Moraes et al](https://cdn.statically.io/img/s2-galileu.glbimg.com/cTwEYAk2DQ0KuVTnSJRC7rtyxAM=/0x0:850x850/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2023/u/6/2OkGBvSRCTxncJRXyPzA/ricostruzione-facciale-2-.png)
Depois, foram usados marcadores de espessura de tecido mole em doadores humanos vivos para construir digitalmente a pele e os músculos do idoso. Por fim, acrescentou-se detalhes como cores da pele e do cabelo. "Geramos duas imagens, uma mais objetiva com apenas o busto em tom sépia sem cabelo e outra mais especulativa e colorida com barba e cabelo", contou Moraes ao Live Science.
Embora o trabalho não seja a primeira aproximação facial desse neandertal, é a primeira vez que os pesquisadores usam dados de tomografia computadorizada para criar a imagem.
![Aproximação facial objetiva do neandertal — Foto: Moraes et al](https://cdn.statically.io/img/s2-galileu.glbimg.com/CZa0pkMxYA1V6Tq8wzLEMepHVCg=/0x0:850x850/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2023/w/t/BVb6mPQBeiA7KmRxfIMA/ricostruzione-facciale-1-.png)
Conforme o coautor do estudo, Francesco Galassi, professor associado de antropologia física da Universidade de Lodz, na Polônia, os traços do neandertal foram "humanizados" ao longo dos anos, abandonando uma interpretação mais brutal, que caracterizava a ideia que os antropólogos do passado tinham desses ancestrais.
"Essa mudança de percepção certamente pode ser atribuída a vários avanços no estudo dos neandertais que mostraram como eles eram muito mais próximos em termos de anatomia — portanto, provavelmente em termos de fisiologia — de nós, o Homo sapiens anatomicamente moderno", disse Galassi.