• Iain Boyd, para o The Conversation*
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Concorde, modelo de avião supersônico que voou pelos céus até 2003 (Foto: Wikimedia Commons)

Concorde, modelo de avião supersônico que voou pelos céus até 2003 (Foto: Wikimedia Commons)

Voar mais rápido que a velocidade do som ainda soa como algo do futuro para as pessoas comuns, mesmo após mais de 15 anos desde que os últimos voos supersônicos comerciais foram encerrados. Os aviões que faziam essas jornadas, 14 aeronaves conhecidas como Concorde, estiveram em atividade entre 1976 e 2003. Mesmo voando três vezes mais rápido que uma aeronave de passageiros normal, as empresas de aviação não conseguiram obter lucro com essas viagens.

O motivo para o Concorde não ter rendido lucro foi, na verdade, um efeito colateral da sua velocidade. Quando o avião passava a barreira do som  — cerca de 1230 km/h —, produzia ondas de choque no ar que atingiam o chão num baque alto e repentino: um estrondo sônico (do inglês, "sonic boom”). É um barulho tão impactante para as pessoas que uma lei federal dos Estados Unidos baniu todas as aeronaves comerciais de voar sobre o solo em velocidade mais rápida que o som.

A regulação e a capacidade de armazenamento de combustível dos aviões limitaram a atuação do Concorde a voos transatlânticos. Além disso, a operação era tão cara que uma passagem de um trecho entre Londres e Nova York chegava a custar US$ 5 mil. E o Concorde frequentemente voava com metade de seus assentos vazios.

O principal benefício da viagem supersônica é a redução no tempo de voo. Um voo de três horas atravessando o Atlântico tornaria possível um bate-volta dos Estados Unidos para Londres ou Paris, praticamente economizando um dia de trabalho. Como um engenheiro aeroespacial especialista em veículos aéreos de alta velocidade, eu acredito que os avanços tecnológicos recentes e as novas tendências na aviação comercial podem tornar o voo supersônico economicamente viável. Mas as regulações terão que mudar antes que os civis possam atravessar os céus mais rápido que o som.

Ilustração de modelo supersônico fabricado pela Boeing (Foto: Divulgação)

Ilustração de modelo supersônico fabricado pela Boeing (Foto: Divulgação)

Anulando o estrondo
Conforme voa pelo ar, uma aeronave provoca perturbações em forma de ondas de pressão que se movimentam na velocidade do som. Quando a própria aeronave voa mais rápido que o som, essas ondas são comprimidas em uma grande perturbação chamada de onda de choque. Os padrões dessa onda de choque ao redor da aeronave supersônica foram recentemente registrados em imagens durante experimentos da NASA. Quando um avião supersônico voa, algumas ondas de choque chegam a atingir o chão. Este impacto, chamado de estrondo sônico, é sentido como um baque repentino.

Os voos comerciais são regulamentados nos Estados Unidos pelo Departamento Federal de Aviação (Federal Aviation Administration, ou FAA, na sigla em inglês). Para proteger os cidadãos dos estrondos sônicos, as atuais regras da FAA proíbem qualquer aeronave comercial de voar sobre o solo em velocidade supersônica.

Entretanto, a NASA está trabalhando para reduzir significantemente o estrondo sônico com o projeto X-59. Modelando cuidadosamente a aeronave, o objetivo é enfraquecer as ondas de choque ou preveni-las de atingir o chão.

Com demonstrações agendadas para o começo de 2012, o sucesso da NASA neste projeto pode remover uma importante barreira ao voo supersônico.

X-Plane, o modelo supersônico projetado pela NASA (Foto: Divulgação)

X-Plane, o modelo supersônico projetado pela NASA (Foto: Divulgação)

Barulho sobre o solo
No início dos anos 1970, meu pai me levou para ver a decolagem do Concorde, e só o que eu lembro depois de todos esses anos é do barulho. Hoje, entendo que o ruído dos pousos e decolagens nos aeroportos é uma segunda barreira para a aviação supersônica. A poluição sonora também é regulamentada nos Estados Unidos pela FAA, e as regras atuais estabelecem que o barulho dos aviões supersônicos deve seguir os padrões das aeronaves subsônicas. O Concorde era tão alto, todavia, que precisou abrir uma exceção à regra.

As atuais aeronaves subsônicas contam com grandes motores que garantem uma alta eficiência de combustível. Esses motores também reduzem bastante o barulho nos aeroportos ao acelerar um maior volume de ar em velocidades menores do que os pequenos. Os novos motores são tão silenciosos que, desde a aposentadoria do Concorde, os órgãos reguladores reduziram por duas vezes o nível máximo de barulho permitido.

Agora, esses níveis são muito mais difíceis de ser atingidos pelas aeronaves supersônicas. Isso porque elas não conseguem usar os novos e grandes motores, que aumentam significativamente o arrasto em alta velocidade. O que, por sua vez, exige que mais combustível seja armazenado e consumido, tornando o avião mais pesado e o voo mais caro. Em resumo, no design de aeronaves supersônicas, deve-se buscar um equilíbrio entre barulho e eficiência.

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Mudanças positivas
Contudo, algumas inovações recentes para reduzir o barulho dos aviões subsônicos podem também levar a diminuições para os supersônicos, em comparação com o modelo de 1960 do Concorde. Esses avanços incluem o uso de um formato serrilhado no bocal do exaustor dos motores, a fim de melhor misturar os gases expelidos com o fluxo de ar externo.

Além disso, com os ganhos em agilidade e precisão das simulações computadorizadas, ficou mais fácil experimentar novos projetos de fuselagem anti-ruído.

E importantes mudanças nos padrões da aviação comercial somaram-se aos avanços tecnológicos desde a aposentadoria do Concorde. Especificamente, houve um grande aumento no uso comercial e na aquisição de jatos executivos pelos mais ricos. Por isso, uma das abordagens mais promissoras para o retorno da aviação supersônica é o desenvolvimento de jatinhos privados. Essa é a proposta da Aerion.

As forças do mercado e da tecnologia estão tornando os aviões supersônicos mais aceitáveis e viáveis — mas as fortes regras da aviação não mudaram desde a Era Concorde. Em 2018, o Congresso dos Estados Unidos pediu que a FAA revisasse suas regras para aviação supersônica que tratam de estrondo sônico e barulho nos aeroportos.

Recentemente, o governo norte-americano deu a entender que pretende amenizar as regras para facilitar a aviação supersônica comercial. Um importante primeiro passo será a FAA simplificar o processo para o teste de voos supersônicos.

No meu ponto de vista, a atual proibição total de voos supersônicos acima do solo é excessivamente restritiva. Aviões voando a baixas velocidades supersônicas não produzem estrondos significantes. E o projeto X-59 da NASA pode resultar em aeronaves supersônicas mais silenciosas ainda. Em vez de proibir todo e qualquer barulho, seria melhor estabelecer limites máximos, a fim de equilibrar os benefícios dos voos supersônicos com os malefícios da poluição sonora.

Além do mais, eu acho que as atuais regras para barulho em aeroportos, que obrigam os aviões supersônicos a produzirem menos ruído que os subsônicos, impõem dificuldades excessivas aos fabricantes. Em primeiro lugar, como mencionado anteriormente, o Concorde já abriu um precedente para exceções à aviação supersônica. Segundo, por muitos anos após o início da reintrodução dos aviões supersônicos, o número total desse tipo de aeronave a decolar dos aeroportos será uma pequena fração de todo o tráfego.

Por exemplo, um estudo feito pela Aerion indicou um potencial de vendas de 30 aeronaves supersônicas por ano durante 20 anos no mercado de pequeno porte. Por isso, as regulações devem levar em conta tanto o que as aeronaves supersônicas podem entregar, quanto o que as comunidades aeroportuárias vão tolerar.

As mudanças na tecnologia e no mercado estão possibilitando o retorno da aviação supersônica comercial, se assim a regulamentação permitir. Embora no início ela seja economicamente viável apenas para poucos, a experiência de desenvolver e operar esse tipo de aeronave inevitavelmente levará a inovações que diminuirão o preço das passagens e criarão, para uma parcela mais ampla da sociedade, a oportunidade de voar mais rápido que o som.

Iain Boyd é professor de Engenharia Aeroespacial na Universidade do Michigan. O texto foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation

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