• Beatriz Lourenço*
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O documentário AmarElo — É tudo para ontem, estreia dia 8 de dezembro na Netflix (Foto: Divulgação)

O documentário AmarElo — É tudo para ontem, estreia dia 8 de dezembro na Netflix (Foto: Divulgação)

O documentário AmarElo – É Tudo Pra Ontem, do diretor Fred Ouro Preto, é mais do que um filme sobre o cantor e compositor Emicida. Entre cenas do icônico show no Theatro Municipal de São Paulo, em 2019, o longa aborda 100 anos da história afrobrasileira. A produção estreia no dia 8 de dezembro na Netflix.

Dividida em três atos — plantar, regar e colher —, a narrativa une cenas de bastidores, gravação do evento, filmagens do começo da carreira do rapper, arquivos televisivos que contam momentos importantes do país e ilustrações. A montagem, por sua vez, recria um cenário de luta e visibilidade do movimento negro.

Além disso, é possível entender como o samba e a Semana de Arte Moderna de 1922 se relacionam — construindo a sociedade brasileira como ela é hoje. "O filme traz uma carga histórica muito forte. É legal para quem gosta de música, mas ele também ensina muitas coisas", afirma Fred Ouro Preto, em coletiva de imprensa virtual realizada na última quinta-feira (3). "É algo que deveria passar nas escolas". 

Para Emicida, o documentário carrega uma bagagem cultural e estética que evidencia qual é a melhor forma de contar uma história. "Ele vai virar um farol de inspiração para muita gente. Estrear representa, em um ano de tanta angústia, que podemos fazer o sol nascer de novo se houver união", disse.

A produção também mostra figuras de destaque da cultura nacional, como Fernanda Montenegro, Zeca Pagodinho e Pabllo Vittar, que estão no disco AmarElo, lançado em outubro de 2019 por Emicida. Mas o mais interessante no longa são as referências a personalidades negras que marcaram época. Conheça algumas delas:

1. Tebas

Tebas, o escravo que virou arquiteto (Foto: Wikimedia Commons)

Tebas, o escravo que virou arquiteto (Foto: Wikimedia Commons)

Joaquim Pinto de Oliveira, também conhecido como Tebas, se tornou arquiteto na cidade de São Paulo durante o Brasil Colonial após ser alforriado aos 58 anos. Ele foi escravizado pelo português Bento de Oliveira Lima, mestre de obras com quem teria aprendido o ofício. Os dois foram para a cidade em busca de melhores oportunidades, numa época de ascenção da construção civil.

Nos anos 1750, Joaquim foi o responsável por diversas obras que hoje são cartões postais da capital paulista, como a construção da torre da antiga Igreja Matriz da Sé (1750), a ornamentação das fachadas das igrejas do Mosteiro de São Bento (1766), da Ordem 3ª do Carmo (1777) e da Ordem 3ª do Seráfico São Francisco (1783).

2. Leci Brandão

Deputada, compositora e cantora Leci Brandão (Foto: Wikimedia Commons)

Deputada, compositora e cantora Leci Brandão (Foto: Wikimedia Commons)

Leci Brandão, é uma cantora, compositora e política brasileira. Ela começou sua carreira musical no início da década de 1970, tornando-se a primeira mulher a participar da ala de compositores da Estação Primeira de Mangueira, do Rio de Janeiro. 

Em fevereiro de 2010, Brandão filiou-se ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e candidatou-se ao cargo de Deputada Estadual pelo estado de São Paulo, tendo sido eleita com mais de 85 mil votos. Sua atuação se concentra em projetos de inclusão de negros nas universidades, no respeito à Lei Maria da Penha, na defesa dos professores, no combate à intolerância religiosa e à homofobia. Em 2018, ela foi reeleita com mais de 64 mil votos.

Atualmente, é ouvidora adjunta da Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), membra das comissões permanentes de Educação e Cultura, Defesa dos Direitos do Consumidor e Defesa dos Direitos das Mulheres. Além disso, é coordenadora das Frentes Parlamentares para Promoção da Igualdade Étnico-Racial em Defesa dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais.

3. Wilson das Neves

O sambista Wilson das Neves aparece no documentário (Foto: Wikimedia Commons)

O sambista Wilson das Neves aparece no documentário (Foto: Wikimedia Commons)

O sambista Wilson das Neves nasceu no Rio de Janeiro, em 1936. Baterista, percussionista, compositor e cantor, começou a carreira profissional aos 18 anos quando teve aulas com o percussionista Edgar Nunes Rocca, conhecido como Bituca.

Ao longo de sua trajetória, tocou com nomes conhecidos da música popular brasileira, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa, Nana Caymmi, Cartola, Candeia, Roberto Ribeiro, Elza Soares, Roberto Carlos e Elis Regina. Além disso, participou ativamente da carreira de Emicida como amigo e compositor. Em agosto de 2017, o sambista faleceu, aos 81 anos, por complicações de câncer

4. Lélia Gonzalez

Lélia Gonzalez é uma das personalidades importantes que aparecem no documentário (Foto: Reprodução/Acervo Lélia Gonzalez)

Lélia Gonzalez é uma das personalidades importantes que aparecem no documentário (Foto: Reprodução/Acervo Lélia Gonzalez)

Lélia Gonzalez nasceu em Belo Horizonte, em 1935. Filha de pais pobres, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde conseguiu cursar graduação em História e Geografia, fez mestrado em Comunicação e doutorado em Antropologia Política. Além disso, atuou como professora em escolas de nível médio e universidades.

"Quando criança, eu fui babá de filhinho de madame, você sabe que criança negra começa a trabalhar muito cedo", disse em um depoimento para o jornal O Pasquim, em 1986. "Teve um diretor do Flamengo que queria que eu fosse para casa dele ser uma empregadinha, daquelas que viram cria da casa. Eu reagi muito contra isso, então o pessoal terminou me trazendo de volta para casa". 

Lélia foi ativista e também esteve na política, participando da formação do Partido dos Trabalhadores (PT) e, mais tarde, migrando para o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Ela atuou nas discussões sobre a Constituição de 1988 e integrou o primeiro Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, na mesma década. Em sua trajetória, Gonzalez denunciou racismomachismo e sexismo, e lutou pela igualdade de direitos. Ela faleceu vítima de problemas cardíacos na capital fluminense, em 1994.

5. Abdias do Nascimento

Abdias do Nascimento foi fundador do Teatro Experimental do Negro e o projeto Museu de Arte Negra (Foto: Wikimedia Commons)

Abdias do Nascimento foi fundador do Teatro Experimental do Negro e o projeto Museu de Arte Negra (Foto: Wikimedia Commons)

Abdias do Nascimento foi um poeta, escritor, dramaturgo, artista plástico e ativista. Nascido em 1914, era neto de africanos escravizados e atuou ativamente contra o racismo, sendo fundador do Teatro Experimental do Negro e o projeto Museu de Arte Negra.

Por resistir à discriminação racial em São Paulo, foi preso na Penitenciária de Carandiru por dois anos. Lá, criou o Teatro do Sentenciado, cujos integrantes, todos prisioneiros, apresentavam seus próprios espetáculos teatrais. Em 1944, o artista fundou o Teatro Experimental do Negro, entidade que rompeu a barreira racial no teatro brasileiro e denunciou a segregação no teatro.

Candidato nas primeiras eleições do processo de abertura democrática, Nascimento assumiu em 1983 como primeiro deputado negro a defender a causa coletiva da população de origem africana no Brasil. Ele faleceu em 2011, aos 97 anos.

6. Ruth de Souza

Ruth de Souza foi a primeira mulher negra a protagonizar uma telenovela (Foto: Wikimedia Commons)

Ruth de Souza foi a primeira mulher negra a protagonizar uma telenovela (Foto: Wikimedia Commons)

A carioca Ruth de Souza foi a primeira mulher negra a protagonizar uma telenovela. Quando jovem, se interessou pelo teatro e entrou no grupo criado por Abdias do Nascimento. Sua estreia foi na peça O imperador Jones, de Eugene O’Neill, em 8 de maio de 1945, no palco do Municipal.

Após receber uma bolsa de estudo da Fundação Rockefeller, passou um ano nos Estados Unidos. Já em 1948, indicada pelo autor Jorge Amado, estreou no cinema em Terra violenta, adaptação do romance Terras do sem fim. Mais tarde, após atuar em diversos filmes, tornou-se a primeira atriz brasileira indicada ao prêmio internacional Leão de Ouro, no Festival de Veneza de 1954 — a disputa foi com Katherine Hepburn, Michele Morgan e Lili Palmer, para quem perdeu por dois pontos.

Em 1969, Souza entrou para o elenco da TV Globo e se tornou a primeira atriz negra a protagonizar uma novela, A Cabana do Pai Tomás. Em 2019, morreu aos 98 anos, de pneumonia.

7. Marielle Franco

Nome do dicionário é uma homenagem a Marielle Franco, vereadora assassinada em 2018 (Foto: Reprodução/instagram/marielle_franco)

Marielle Franco, vereadora assassinada em 2018 (Foto: Reprodução/instagram/marielle_franco)

Marielle Franco foi uma vereadora do Rio de Janeiro que lutou para combater a desigualdade racial e socioeconômica. Socióloga e com mestrado em Administração Pública, foi eleita em 2017 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), com 46,5 mil votos. Além disso, presidiu a Comissão da Mulher da Câmara.

A ativista iniciou sua militância em direitos humanos após ingressar no pré-vestibular comunitário e perder uma amiga, vítima de bala perdida, num tiroteio entre policiais e traficantes no Complexo da Maré. Em 2018, Marielle Franco foi assassinada em um atentado ao carro onde estava. Ao todo, 13 tiros atingiram o veículo, matando também o motorista Anderson Pedro Gomes.

O atentado ganhou visibilidade internacional por conta de supostas questões políticas que envolvem o crime. Ainda não se sabe quem matou a vereadora, no entanto, seu legado de defesa de minorias segue resistindo pelo Instituto Marielle Franco.

*Com supervisão de Luiza Monteiro