• Camila Mazzotto*
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Em testes laboratoriais, antisséptico bucal criado por brasileiros inativa coronavírus em 99,9% (Foto: Divulgação)

Em novo estudo, antisséptico bucal tem eficácia in vitro contra Sars-CoV-2 (Foto: Divulgação)

Em testes laboratoriais, o antisséptico bucal desenvolvido pelo Centro de Pesquisa e Inovação da empresa Dentalclean em parceria com pesquisadores de quatro instituições públicas, incluindo a Universidade de São Paulo (USP), foi capaz de inativar em 99,9% a proliferação do coronavírus Sars-CoV-2, causador da Covid-19.

Os resultados fazem parte de uma nova série de ensaios realizados após solicitação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O órgão regulador chegou a aprovar o enxaguante bucal em outubro de 2020, mas declinou da decisão em janeiro deste ano. Segundo a Anvisa, as alegações de ser antiviral e de auxiliar "no combate ao vírus da Covid-19 na boca” não haviam sido devidamente comprovadas pela empresa. Além de novos estudos in vitro, a agência solicitou que fossem alteradas as informações no rótulo da fórmula.

Em nota a GALILEU, a Anvisa afirmou que o antisséptico foi regularizado novamente pela empresa em março de 2021. Agora, o produto volta a circular em farmácias e supermercados sob a etiqueta de antisséptico bucal que reduz bactérias, fungos e vírus, com "eficácia comprovada na redução da carga viral do Sars-CoV-2".

Novos testes

No final de 2020, os pesquisadores já haviam divulgado parte dos resultados obtidos ao longo de seis etapas de investigação, que envolveram 107 pacientes em testes laboratoriais, análises de casos e estudos clínicos randomizados triplo-cegos. Além da Dentalclean, participaram das pesquisas especialistas de quatro instituições públicas: Faculdade de Odontologia da USP em Bauru (SP), Instituto de Ciências Biológicas da USP, Universidade Estadual de Londrina (PR) e Instituto Federal do Paraná.

Os dados demonstraram então uma eficácia de 96% do antisséptico, cuja composição é baseada na tecnologia PHTALOX®, um pigmento que, antes da pandemia, já era conhecido por sua capacidade de reduzir a concentração de microrganismos na boca.

Agora, a fim de avaliar a capacidade virucida in vitro do enxaguante bucal a partir da metodologia exigida pela Anvisa, os pesquisadores cultivaram amostras do novo coronavírus extraídas da boca de pacientes diagnosticados com Covid-19. Elas foram expandidas em células de linhagem Vero, utilizadas em ensaios laboratoriais e, em seguida, expostas a soluções com o produto em três intervalos de incubação: 30 segundos, 1 minuto e 5 minutos.

Conforme o laudo técnico do estudo ao qual GALILEU teve acesso, os procedimentos seguiram as recomendações dos Art. 1 e Art. 3 das instruções normativas 04/13 e 12/16  da Anvisa. Segundo a Dentalclean, a pesquisa foi aprovada para publicação no periódico científico GMS Hygiene and Infection Control.

Os resultados sugerem que, em todos os cenários, o antisséptico se mostrou capaz de impedir em 99,93% a proliferação do Sars-CoV-2 — pouco mais do que o observado em testes anteriormente realizados com humanos. “Não significa que se a pessoa usar [o antisséptico] ela não vai pegar a doença, mas, se ela entrar em contato com o coronavírus pela via oral, o produto pode reduzir essa carga viral ali, impedindo que o vírus avance para o resto do organismo", explica à reportagem Fabiano Vieira Vilhena, cirurgião-dentista e pesquisador da Faculdade de Odontologia da USP em Bauru que liderou o estudo.

À pedido da Anvisa, Dentalclean alterou os rótulos do antisséptico bucal – de "antiviral" que axulia no combate à Covid-19, o produto passou para  (Foto: Reprodução)

A pedido da Anvisa, Dentalclean alterou os rótulos do antisséptico bucal. À esquerda, versão antiga – que sugeria se tratar de um antiviral – e, à direita, rótulo atual.  (Foto: Reprodução)

De acordo com os autores, o enxaguante bucal promove a formação de oxigênio reativo a partir do oxigênio molecular, funcionando como uma espécie de "barreira" contra o novo coronavírus na cavidade oral, que é considerada uma porta de entrada e disseminação da Covid-19. Vilhena ressalta que não se trata, portanto, de uma "cura" contra a doença, mas uma possível medida de prevenção — assim como distanciamento social, uso de máscaras e álcool em gel.

Segundo a Dentalclean, o antisséptico — chamado Detox Pro — já voltou a circular nas gôndolas e supermercados de algumas cidades brasileiras em junho. O produto consiste em um frasco de 600 ml e custa cerca de R$ 30. A companhia ainda diz que planeja disponibilizá-lo em formato de gel dental e spray bucal até o final de 2021.

Entenda como um antisséptico bucal é "registrado" 

Antissépticos bucais de uso adulto não integram a lista de produtos sujeitos a registro da Anvisa — que constam no Anexo VIII da RDC nº 07/2015 —, o que significa que a fórmula não precisa ser registrada pelo órgão. Nesses casos, as empresas devem adotar um procedimento conhecido como "comunicação prévia por meio de notificação" que, em resumo, envolve três passos: o envio do pedido de isenção de registro do produto ao Sistema de Automação de Cosméticos (SGAS), o pagamento da Taxa de Fiscalização de Vigilância Sanitária (TFVS) — como prevê a Lei nº 9.782/99 — e o envio da documentação referente ao produto. 

A GALILEU, a Anvisa explica que a documentação apresentada pelas empresas para a notificação dessa categoria de produto não é analisada previamente a sua fabricação, importação e comercialização. Isso significa que, uma vez que a notificação é feita ao portal da agência reguladora, a empresa já está autorizada a fabricar o cosmético e vendê-lo.

"É importante destacar que os produtos cosméticos isentos de registro também devem seguir todos os requisitos técnicos presentes nas normas aplicáveis a produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes", destaca a Anvisa. O órgão explica que, nesses casos, as empresas também devem "garantir que ele [o produto] segue todas as normas sanitárias vigentes antes de sua comercialização".

Caso a Anvisa identifique irregularidades ou receba denúncias sobre um produto isento de registro, a empresa responsável por ele recebe um ofício para adequá-lo. Em alguns casos, o órgão regulador também pode optar pelo cancelamento imediato da notificação — como ocorreu com o Detoxpro em janeiro de 2021.

No dia 23 de março de 2021, após as alterações feitas no rótulo do cosmético e a realização de mais ensaios in vitro, o enxaguante bucal voltou a ser regularizado como coméstico isento de registro por meio do processo de número 25351.222693/2021-73. A  Anvisa afirma que, assim como no processo anterior, continuará a monitorar o produto e, cajo sejam identificadas eventuais regularidades, adotará as medidas pertinentes.

Segundo Fabiano Vieira Vilhena, que liderou os estudos com o antisséptico bucal, o grupo ainda planeja publicar artigos com outros dados sobre o produto, a fim de fornecer mais detalhes sobre questões como a substantividade da fórmula — isto é, por quanto tempo ela fica retida na boca.

*Com supervisão de Luiza Monteiro