• Redação Galileu
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Um único doador de esperma teve 12 filhos biológicos com autismo  (Foto: Pixabay)

Fecundação (Foto: Pixabay)

Um só homem que doou o seu esperma para bancos de fertilização é pai biológico de 12 crianças — e todas têm sinais de autismo, segundo suas famílias. O caso intriga pesquisadores, já que ele traz à tona a seguinte questão: será que uma mutação genética específica pode causar o autismo?

Por enquanto, a comunidade acadêmica entende que diferentes mutações genéticas podem ser responsáveis por formar o espectro autista. Ao menos cem genes parecem estar relacionados. Alguns deles são herdados, enquanto outros ocorrem como novas mutações no bebê.

Mas, conforme os especialistas, as mutações não necessariamente definem e causam a condição. Os cientistas acreditam que para alguns casos os genes tenham um papel parcial, e outros fatores como complicações na gestação e a idade do pai também interfiram. 

O caso das 12 crianças com sintomas de autismo foi descoberto por uma das mães, Danielle Rizzo, que, apesar da falta de consenso científico sobre a questão, culpa o material genético fornecido pelo doador de esperma, chamado de H898 no registro do banco. Rizzo e sua companheira, que prefere não ser identificada, têm dois filhos do doador — os dois com diagnóstico de autismo.

Pais das 12 crianças, que vivem nos EUA, no Canadá e na Europa e se conectaram através de plataformas online que reúnem "irmãos de genética", afirmam ainda que algumas delas têm outros problemas como transtornos de humor, epilepsia, dislexia, transtorno de déficit de atenção com hiperatividade e dificuldades de aprendizado.

Rizzo conta, em reportagem do jornal The Washington Post, que fez uma busca sobre quem é o homem, consultando documentos e ligando para seus familiares. Ela narra ter descoberto assim que ele tem diagnóstico de déficit de atenção com hiperatividade, frequentou uma escola para crianças com dificuldades de aprendizagem e não possui diploma universitário, ao contrário do escrito em sua apresentação.

Ainda segundo ela, no momento da pesquisa, conseguiu ver que o seu material biológico continuava sendo vendido por pelo menos quatro empresas de fertilização.

A mãe resolveu então levar o caso à Justiça. Em julho de 2017, entrou com uma ação no Tribunal Distrital dos EUA para o Distrito Norte de Illinois. Em sua queixa, ela diz que foi praticada uma fraude contra ela como cliente, porque, segundo afirma, o perfil online do homem era uma mentira e ele não seria um “candidato apropriado para doação de esperma”. As rés foram as empresas Idant e Daxor (antiga dona da Idant). Em documentos do processo, consultados pelo Washington Post, outras mães corroboraram a reclamação.

Em março deste ano, ela fez um acordo para terminar o processo. Aceitou a oferta de US$ 250 mil das empresas para encerrar o caso. Diz que o valor será usado na assistência das crianças. "Eu não processei porque meus filhos são autistas. Eu estava processando para corrigir um erro", afirma.

A mulher diz ter feito várias ligações às clínicas de reprodução e não ter recebido nenhum apoio eficaz sobre a questão. A agência federal de saúde dos Estados Unidos, FDA (Food and Drug Administration), teria contado a ela que seu poder sob a indústria de doação de esperma é apenas o de barrar doenças sexualmente transmissíveis. 

No caso do doador H898, ele tinha uma "ficha limpa" quando se tratava de problemas de saúde e tinha passado por 99 das 100 questões que teve de responder para o banco de esperma — a exceção seria o fato de seu avô ter tido câncer de próstata aos 85 anos de idade.

Pelos protocolos da Sociedade de Tecnologia de Reprodução Assistida, que representa clínicas de fertilidade nos Estados Unidos, são obrigatórios apenas testes genéticos para  fibrose cística. Mas muitas das clínicas dizem fazer centenas mais. Só que não há teste para autismo.

Estudo
Stephen Scherer, pesquisador da Universidade de Toronto (Canadá), soube do caso do doador H898 por meio de um e-mail de Danielle Rizzo. Ele, que há mais de 20 anos mantém um laboratório para estudos do tema, está constantemente coletando, catalogando e tentando encontrar padrões no DNA de famílias com histórico de autismo — assim já conseguiu mais de 20 mil amostras.

Para Scherer, a situação dos filhos de Rizzo e seus meio-irmãos representa "o experimento genético perfeito". Ele diz nunca antes ter ouvido falar de um grupo tão grande em uma mesma geração de uma família biológica. Segundo o cientista, a história pode estar dentro do que se sabe ser um intrigante subconjunto de genes de "alto impacto" no autismo. Estima-se que esse subconjunto tenha relação com de 5% a 20% de todos os casos do transtorno.

Em exames de sangue do filho mais velho, Rizzo diz que pesquisadores encontraram duas mutações genéticas ligadas ao autismo, MBD1 e SHANK1. O filho mais novo, conta, tem a variante MBD1. Nenhuma delas foi herdada de Rizzo, de acordo com os resultados, ela afirma. Ainda segundo a mãe, todos os sete meio-irmãos cujos pais os levaram para testes têm pelo menos uma dessas mutações. 

Scherer ressalta que a pesquisa ainda é preliminar e que o doador pode ter várias outras crianças biológicas que não estão no espectro do autismo, mas, diz, "nossa hipótese é que seja algo em seu DNA".

ERRAMOS: O texto, originalmente publicado em 19 de setembro de 2019 pela manhã, foi atualizado às 19h07 de 20 de setembro de 2019, para diversas correções. O primeiro texto chamava o autismo de "doença", denominação incorreta, e explicava de forma incompleta o que a ciência sabe sobre os genes investigados. Também diferentemente do publicado, o réu no processo não era o doador, mas sim as empresas de reprodução. Além das correções feitas, na nova versão, a história de Rizzo e das pesquisas relacionadas ao caso foram contadas com mais detalhes, para melhor compreensão. 

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