• Ana Posses, Duília de Mello e Geisa Ponte*
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Ciência cidadã: saiba como contribuir com descobertas astronômicas (Foto: Ricardo Esquivel/Pexels)

Ciência cidadã: saiba como contribuir com descobertas astronômicas (Foto: Ricardo Esquivel/Pexels)

Imagine que você é um(a) cientista e está no seu escritório. Você está calculando a temperatura de algumas estrelas e de repente: “Tive uma ideia!”. Rapidamente você anota em um caderninho como você quer responder aquela pergunta científica que te atormenta há alguns meses. Daí você começa a ler o que outros cientistas já fizeram para ver se a sua ideia é original. Finalmente você conclui que está no caminho certo, mas percebe que precisaria observar a luz de muitas estrelas similares ao Sol até chegar a uma conclusão.

Agora você precisa selecionar as estrelas e encontrar qual é o melhor telescópio e equipamento adequado para a sua pesquisa. Existem centenas de telescópios no mundo, dos mais diversos tipos. Alguns chegam a ter 10 metros de diâmetro de espelho e, no futuro próximo, chegarão a quase 40 metros! Depois de escolhido o instrumento, você tem que enviar um projeto solicitando um determinado período de observação e torcer para receber a notícia de ter ganhado algumas noites ou horas em um observatório. É possível fazer observações pessoalmente, remotamente ou receber o que foi observado para você, dependendo da instituição escolhida.

Uma vez que você tenha conseguido observar, você terá geralmente um ano para aplicar sua metodologia e escrever um artigo mostrando suas principais descobertas. Passado esse tempo, os seus dados se tornam públicos e outros cientistas podem ter acesso a eles. Dessa forma, novos cientistas podem fazer diferentes análises para descobrir coisas que você não havia pensado, ou mesmo confirmar o que você descobriu.

É assim que os principais consórcios de telescópios do mundo e também os satélites da Nasa, como o telescópio espacial Hubble, armazenam os dados. Ou seja, depois de um ano fica tudo público e qualquer pessoa pode obter o que já foi observado. Em geral, o que você precisa fazer é acessar o banco de dados do telescópio em que você está interessado e procurar por objetos que você deseja estudar, para confirmar se já há dados sobre eles.

Para isso, você precisa ter algum conhecimento de programação e de calibração de imagens astronômicas, que é o processo que utilizamos para transformar a luz captada em medidas que possam ser comparadas com a de outros objetos. Astrônomos passam uma boa parte da sua formação aprendendo sobre linguagens de programação que vão ajudar a lidar com esses grandes bancos de dados. Podemos trabalhar com alguns ou até mesmo milhares de objetos de uma só vez. O cálculo da temperatura de estrelas que citamos anteriormente é um exemplo de que analisar vários objetos simultaneamente é a melhor opção, já que medir essa propriedade de um só astro é um processo demorado e difícil. Por isso, nós precisamos usar os meios matemáticos e computacionais para conseguir fazer cálculos para uma grande amostra de estrelas. E isso é só o começo. Depois, ainda é preciso checar tudo e escrever o artigo antes de concluir o projeto.

Então eu tenho que saber tudo isso e fazer todas essas etapas para contribuir com a ciência? Não necessariamente! Recentemente surgiu uma ideia maravilhosa conhecida como ciência cidadã. São projetos em que cientistas chamam a população para contribuir com o desenvolvimento do conhecimento científico. Muitos dos trabalhos em astronomia não são perfeitamente automatizados e nós acabamos precisando da decisão humana para resolver muitos casos. Para você entrar nessa, nós indicamos abaixo algumas iniciativas em que a população faz parte dessa tomada de decisão. Portanto, você pode classificar galáxias, encontrar supernovas, descobrir exoplanetas e até mesmo identificar buracos negros supermassivos.

Vamos listar 3 projetos de ciência cidadã que fazem parte do ZooUniverse. Eles estão em inglês, mas o site possui tutoriais bem detalhados que você pode usar com algum tradutor online. É uma boa forma de aprender astronomia e testar o seu inglês! Confira:

1. Galaxy Zoo

Esse primeiro projeto é a semente que cresceu e virou o ZooUniverse. Ele começou em 2007 e permite que os usuários classifiquem uma infinidade de galáxias baseadas em seus formatos. Assim que o usuário fizer o treinamento aprendendo sobre os diferentes formatos, fusões e anormalidades, ele já pode começar a classificar. Nós aqui já passamos muitas horas no GalaxyZoo e garantimos que é extremamente emocionante e viciante! E muitas descobertas já foram feitas pelo público leigo, como é o caso da professora holandesa de biologia Hanny van Arkel, que descobriu uma nuvem verde rara flutuando pelo universo em 2011. O fenômeno foi chamado de Voorwerp, que significa "objeto" em holandês, e tem até página no Wikipedia! Os astrônomos descobriram que esse objeto é, na verdade, o que restou depois que um jato emitido por buraco negro supermassivo, localizado em uma galáxia vizinha, iluminou uma nuvem de gás. A cor verde é devido a presença de oxigênio. Hoje os astrônomos chamam esses monstrinhos de Voorwerp da Hanny ou HsV (Hanny’s Voorwerp, em inglês).

Voorwerp de Hanny e a galáxia IC 2497, captadas pelo Telescópio Hubble (Foto: NASA, ESA, W. Keel e equipe do Galaxy Zoo/Wikimedia Commons)

Voorwerp de Hanny e a galáxia IC 2497 captadas pelo Telescópio Hubble (Foto: NASA, ESA, W. Keel e equipe do Galaxy Zoo/Wikimedia Commons)

2. Caçadores de Supernova

Supernovas são grandes explosões no final da vida de uma estrela massiva que podem gerar um brilho comparável ao da galáxia em que ela mora. De repente, aparece um pontinho muito brilhante na galáxia e que não estava lá antes. Porém, é um evento raro e imprevisível — e que some muito rápido, o que dificulta sua detecção. Neste projeto, você pode analisar imagens de galáxias tiradas em diferentes épocas e tentar detectar candidatas a supernovas.

Interface de classificação do projeto Caçadores de Supernova (Foto: Mon Not R Astron Soc, Volume 472, Issue 2, December 2017, Pages 1315–1323)

Interface de classificação do projeto Caçadores de Supernova (Foto: Mon Not R Astron Soc, Volume 472, Issue 2, December 2017, Pages 1315–1323)

3. Caçadores de Planetas TESS

Esse é um projeto que chega muito próximo dos gráficos que nós, astrônomos, analisamos no dia a dia. Nele, você pode ajudar a identificar exoplanetas pelo método de trânsito. Quando planetas, em algumas condições especiais, passam na frente de suas estrelas hospedeiras, nós vemos uma diminuição de brilho, assim como uma espécie de eclipse solar. Então, para detectar exoplanetas, astrônomos medem periodicamente o brilho de milhões de estrelas para ver se, em algum momento, ele irá diminuir dessa forma bem específica. O seu trabalho é identificar o padrão de diminuição de brilho no que chamamos de curva de luz. Como existem outros fatores que fazem o brilho de uma estrela variar e que não têm nada a ver com a presença de um exoplaneta, esse é um trabalho bastante útil e a sua contribuição pode ajudar bastante os cientistas.

No gráfico acima, vemos o brilho da estrela diminuir no momento em que o planeta passa na frente dela (na linha de visada). (Foto: ESA)

No gráfico acima, vemos o brilho da estrela diminuir no momento em que o planeta passa na frente dela (na linha de visada). (Foto: ESA)

Hoje, o ZooUniverse é composto por projetos de ciência cidadã de diversas áreas além da astronomia. Seja um cientista cidadão você também — e nem precisa sair de casa! Super recomendamos que você acesse a plataforma do ZooUniverse para se divertir.

Mulheres das Estrelas (Foto: Ana Posses, Duília de Mello e Geisa ponte são astrônomas que querem mostrar ao Brasil a importância da ciência. Trabalham para atrair mais jovens — especialmente as meninas — para esse campo. (Fotos: arquivo pessoal))

*Ana Posses, Duília de Mello e Geisa ponte são astrônomas que querem mostrar ao Brasil a importância da ciência. Trabalham para atrair mais jovens — especialmente as meninas — para esse campo.(Fotos: arquivo pessoal)