• Ana Posses, Duília de Mello e Geisa Ponte*
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Prédio que abriga o telescópio Perkin-Elmer, de 1,60 metro de diâmetro, no Observatório Pico dos Dias, em Minas Gerais (Foto: Leandro Negro/Agência FAPESP)

Prédio que abriga o telescópio Perkin-Elmer, de 1,60 metro de diâmetro, no Observatório Pico dos Dias, em Minas Gerais (Foto: Leandro Negro/Agência FAPESP)

O Observatório Pico dos Dias (OPD) fica em Minas Gerais, na cidade de Brazópolis, e é administrado pelo Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA). É lá onde muitos astrônomos e astrônomas do país têm seu primeiro contato com um telescópio profissional em funcionamento.

Como contamos na coluna de fevereiro, usar um telescópio profissional é algo muito concorrido em todo o mundo. No OPD não é diferente. Para conseguir tempo de observação, passamos por uma seleção de projetos, que são avaliados e classificados numa lista de melhores propostas. Os escolhidos ganham tempo de uso do telescópio e podem usufruir dos dados que serão coletados.

É importante lembrar também que observatório e telescópio são coisas diferentes, mas estreitamente relacionadas. Observatório é o nome que damos ao conjunto de estruturas que abrigam o ferramental necessário para observações, inclusive o telescópio. Um observatório pode possuir um ou vários telescópios. O OPD conta hoje com quatro telescópios em funcionamento, dentre eles o maior do Brasil, com um espelho de 1,60 metro de diâmetro, chamado de Perkin-Elmer. Eu (Geisa) já perdi a conta de quantas vezes observei o céu usando o Perkin-Elmer desde os tempos de graduação.

Uma das partes mais gostosas de ir observar no OPD é a viagem em si. Ir para Minas Gerais é sempre muito divertido, e o caminho de chegada até a montanha onde fica o observatório é um ritual. Quem vai de ônibus saindo do Rio de Janeiro pode ter a chance de embarcar em um veículo chamado Cometa Halley, da empresa Viação Cometa, que é uma engraçada coincidência para quem vai a um observatório. A parada final é em Itajubá e, quando chegamos, tem sempre algum funcionário do OPD nos esperando para fazer o trajeto final de carro (cerca de uma hora) até o alto da montanha.

Para quem vai de ônibus saindo de São Paulo, o melhor lugar para descer é em Piranguinho, a cidade conhecida como capital mundial do pé-de-moleque. Segundo dizem por aí, Piranguinho deve ser, na verdade, a capital universal do pé-de-moleque, supondo que o planeta Terra seja o único lugar do Universo em que esse doce é fabricado. Nesse caso, a subida até o OPD costuma durar um pouco menos, cerca de 40 minutos de carro.

Chegando lá em cima, fazemos o check-in no balcão da recepção, onde assinamos um termo de responsabilidade pela nossa estadia, recebemos a chave do quarto e subimos algumas escadinhas até chegar no abrigo de astrônomos. É como se fosse um hotelzinho com alguns quartos para descanso, que ocorre geralmente durante o dia.

Esses quartos são, na verdade, suítes equipadas com camas confortáveis, uma escrivaninha, cadeira, roupa de cama e toalhas bem cheirosas. Tem também aquecedores pros dias de inverno (já peguei sensação térmica de -7º C por lá). As portas e janelas do quarto têm uma proteção extra contra entrada de luz, essencial para o descanso diurno.

Para chegar no telescópio, temos que subir mais algumas escadas até atingirmos o topo da montanha. Esse momento é sempre muito gratificante. Vários degraus que dão de cara pro céu, o paraíso. E ali em cima vemos as cúpulas menores ao redor da principal, um prédio de vários andares que abriga o Perkin-Elmer.

Escadas que levam ao cume da montanha onde está o Observatório Pico dos Dias, em Minas Gerais (Foto: Geisa Ponte)

Escadas que levam ao cume da montanha onde está o Observatório Pico dos Dias, em Minas Gerais (Foto: Geisa Ponte)

No térreo tem biblioteca, sala de aluminização (processo de restaurar o espelho de telescópios), algumas salas técnicas e a copinha. O que é a copinha? Um lugar mágico onde as nossas energias são recompostas durante a longa madrugada de trabalho. É ali que a equipe do observatório nos abastece com quitutes deliciosos, chás, frutas, café, pães, frios, sucos frescos, biscoitinhos e bolos.

A astrônoma Geisa Ponte na copa onde são servidos quitutes aos astrônomos que trabalham no Observatório Pico dos Dias, em Minas Gerais (Foto: Geisa Ponte)

A astrônoma Geisa Ponte na copa onde são servidos quitutes aos astrônomos que trabalham no Observatório Pico dos Dias, em Minas Gerais (Foto: Geisa Ponte)

Nos andares seguintes tem várias salas em que a equipe do observatório trabalha durante o dia, além de banheiros e escritório. E no último andar é onde está a cúpula do maior telescópio do Brasil, salas de instrumentos (que abriga os aparelhos que coletam a luz observada) e a sala de controle. É nela onde ficamos a noite toda trabalhando, controlando o telescópio e fazendo uma primeira análise dos dados que estão chegando.

Toda visualização do que observamos no céu é feita pelas telas dos computadores que estão conectados aos instrumentos dos telescópios. É com esses computadores que também controlamos para onde o telescópio aponta, quanto tempo vai ficar observando um alvo e ainda se a cúpula está aberta ou fechada.

Sala de controle do telescópio de 1,6 metro de diâmetro no Observatório Pico dos Dias (Foto: Geisa Ponte)

Sala de controle do telescópio de 1,6 metro de diâmetro no Observatório Pico dos Dias (Foto: Geisa Ponte)

Os dias de missão observacional (que é como chamamos cada ida ao observatório) são muito parecidos. Antes de anoitecer fazemos alguns ajustes no telescópio e imagens de calibração. Elas servem para “corrigir” as imagens de ciência que virão depois. Quando anoitece, temos em mão o nosso “plano de voo” daquela noite, a lista de alvos (no meu caso, estrelas) que vamos observar a cada momento até o amanhecer. Essa lista é feita bem antes da viagem e leva em consideração fatores como a presença ou não da Lua, quão alto a estrela vai estar no céu, o melhor horário da noite para observá-la e seu brilho, que influencia no tempo total de apontamento.

Conforme a noite passa, vamos fazendo observações uma a uma, mandando o telescópio apontar para cada estrela. As bem brilhantes levam pouco tempo, de segundos a poucos minutos e basta. Já estrelas bem fraquinhas no céu podem precisar de uma ou mais horas. E quando mandamos apontar para estrelas cuja observação vai demorar mais podemos ir até a copinha comer uma fatia de bolo e pegar uma caneca de café.

O que vemos na tela é isto: o apontador do telescópio focando numa estrela (veja a imagem abaixo). E, em geral, os dados que nos interessam cientificamente não são como aquelas fotos bonitas que vemos por aí, mas sim dados bastante técnicos (como espectroscopia ou fotometria) e que vamos analisar com ferramentas computacionais para extrair informações físicas. Muitas vezes fazemos análises estatísticas desses dados e chegamos a alguma descoberta importante que vai parar em artigos de revistas internacionais.

Imagens dos computadores que controlam o telescópio situado no Observatório Pico dos Dias, em Minas Gerais (Foto: Geisa Ponte)

Imagens dos computadores que controlam o telescópio situado no Observatório Pico dos Dias, em Minas Gerais (Foto: Geisa Ponte)

Numa noite perfeita, não vemos nuvem no céu, a umidade do ar está baixa e os ventos bem calmos. Quando a noite termina e o amanhecer começa a despontar no horizonte, é hora de preencher o relatório da noite. Nesse documento dizemos se houve algum problema, se o telescópio precisou ser reposicionado alguma vez, se alguma nuvem apareceu no céu e tampou tudo (acontece às vezes). Já ocorreu de chover a noite toda e não deu para observar nadinha, mas na maior parte das vezes conseguimos os dados de que precisamos.

O amanhecer visto do alto da montanha onde está o Observatório Pico dos Dias, em Minas Gerais (Foto: Geisa Ponte)

O amanhecer visto do alto da montanha onde está o Observatório Pico dos Dias, em Minas Gerais (Foto: Geisa Ponte)

Quando a missão chega ao fim, é hora de fazer backup de tudo o que foi observado, preencher o relatório final e descer para arrumar as malas. Fazemos o check-out do quarto, entregamos a chave na recepção e sempre tem um gentil motorista para nos levar de volta até o local de parada do ônibus. Na descida, já vai crescendo no peito a saudade que vai durar meses (e talvez anos, agora na pandemia) até a próxima missão. :’)