Na Austrália - assim como no Brasil - é ilegal vender óvulos ou esperma. Mas Stefania Reynolds, uma mãe de dois que vive no país, defende que a essa regra deveria ser alterada, para incentivar mais gente a ceder material genético a casais que querem ter filhos e não conseguem. Em um texto publicado no site Kidspot, ela contou que doou os próprios óvulos, depois de ter filhos, então, sabe como o processo de ovodoação é física e mentalmente desafiador.
![Stefania doou seus óvulos e gostaria que mais pessoas fizessem o mesmo — Foto: Reprodução/ Kidspot](https://cdn.statically.io/img/s2-crescer.glbimg.com/eZqPB9PckBjqM1ChlBeztTFnyxQ=/0x0:1024x576/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_19863d4200d245c3a2ff5b383f548bb6/internal_photos/bs/2024/w/4/wdxCmoTDiCymdq0oc1fg/stefania-reynolds-ovodoacao.jpg)
“Foi um ano marcado por sessões de terapia (para mim e com meu marido), avaliações genéticas, inúmeros exames médicos, consultas e intermináveis formulários. Finalmente cheguei ao momento em que pude contribuir, o momento em que minha decisão poderia mudar o destino de uma família”, relata.
Ela mesma também conhece a dor da infertilidade, já que, há dez anos, ouviu dos médicos que dificilmente conseguiria engravidar, por conta de um problema de saúde. “Anos depois, me senti extremamente sortuda por provar que eles estavam errados, trazendo duas lindas crianças ao mundo” conta. “Nem todo mundo tem essa sorte”, reconhece.
“Assim, depois de ter meus filhos, optei pela ovodoação. Ao examinar a lista de possíveis receptoras de óvulos, parei em um casal que havia passado por seis rodadas fracassadas de fertilização in vitro”, lembra ela. “O casal que escolhi – conhecendo apenas a sua história, mas sem quaisquer detalhes de identificação para preservar a sua privacidade – ficou entusiasmado ao saber que um estranho estava disposto a doar óvulos para realizar o seu sonho de começar uma família. Por meio da clínica, eles me disseram que acreditavam que as chances de alguém doar eram tão baixas que provavelmente nunca teriam um filho”, escreveu.
Então, essa experiência levou Stefania a pensar sobre como funciona o processo de ovodoação no país em que vive, a Austrália. “Há uma escassez de óvulos aqui - porque a doação altruísta de óvulos não é tão comum. Não há muitos que tenham tanta convicção em dar aos outros a chance de serem pais como eu. Mas e se houvesse um incentivo ao pagamento, como existe em outros países? Tenho certeza de que mais pessoas se inscreveriam para doar - ou pelo menos perceberiam o valor real de fazê-lo”, defende.
Ela lembra que o custo para quem recebe os óvulos para tratamentos de reprodução assistida também é alto. “As rodadas de fertilização in vitro podem custar de US$ 5 mil a US$ 10 mil. Acredito que as pessoas adorariam ter uma variedade maior de doadores para escolher, talvez para aumentar suas chances de sucesso”, argumenta.
A lista de espera por doação de óvulos continua aumentando, mas os pretendentes a pais que dependem disso têm poucas esperanças, porque a quantidade de mulheres que doa é muito menor. “Eu entendo que doar óvulos é um ato altruísta e pode envolver complexidades. Legalmente, aos 18 anos, a criança nascida da minha doação poderá me procurar e fazer contato. Meu marido e eu fizemos as pazes com essa ideia, pois meus motivos para doar pareciam certos. Mas só isso pode ser suficiente para fazer com que outras pessoas desistam de doar”, afirma. “Foi por isso que fiz isso como um gesto do meu coração”, explica.
“Depois de passar pelo processo de preparação para me tornar doadora, passei por uma rodada de fertilização in vitro para depois colher meus óvulos. Doze ovos foram recuperados e, no segundo em que deixaram meu corpo, não eram mais meus. Eles agora pertencem ao casal que escolhi na longa lista de potenciais destinatários. Dos 12 óvulos, foram gerados cinco embriões adequados para congelamento. Isso significa que o casal tem cinco chances de ter um bebê”, relata.
Em nove meses, provavelmente, Stefania poderá receber uma notificação sobre o nascimento de um bebê e não terá mais notícias, pelo menos em 18 anos. “Espero que meus óvulos permitam que este casal experimente a maravilha da parentalidade. Com mais consciência, espero inspirar mais mulheres a considerarem a ovodoação. Mas, acima de tudo, espero que os legisladores australianos vejam o mérito de tornar legal o pagamento pelos óvulos, em um sistema adequado”, completa.
Ovodoação no Brasil: como funciona?
Segundo as normas do CFM, quem tenta ter filhos por reprodução assistida e não pode usar os próprios óvulos por algum motivo tem a possibilidade de recorrer a um banco de óvulos, pela clínica de fertilização ou pela doação de gametas entre parentes. Neste último caso, não pode ocorrer em consanguinidade. Por exemplo, a irmã do pai do bebê não poderia ser a doadora de óvulo, se a fecundação fosse feita com o sêmen dele. Além disso, se a doação for entre a família, não precisa ser anônima. “Isso também diminui um pouco o peso financeiro, já que recorrer a um banco de óvulos pode demandar um investimento maior”, pontua a ginecologista Aline Monteiro, especialista em Reprodução Humana e membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA). Isso porque, ainda que a venda de gametas por parte da doadora continue proibida no país, a paciente tem de pagar os custos do laboratório (coleta e armazenamento, por exemplo) para realizar a fertilização por meio de ovodoação. Não raro, em troca, ela também pode custear uma parte do tratamento da doadora anônima.
Por fim, além de ser uma chance a mais de a gravidez acontecer e do processo ficar entre a família, a doação de gametas vinda de parentes pode trazer uma vantagem para quem valoriza a transmissão de genes e traços comuns da mesma família.