Saúde
 

Por Fernanda Tsuji


O susto foi grande quando a comissária de bordo Scheila Carpes, 35 anos, escutou da odontopediatra que Pedro, hoje com 8 anos, teria que tratar um canal no dente de leite. Como assim? O menino tinha só 4 anos, mamou no peito até os 6 meses e sempre fez a escovação correta. Ele também nunca tinha reclamado de dor e a mãe não notou a gravidade. “Eu pensava que daria para ver o pontinho preto no dente, caso fosse cárie, mas não deu. Quando descobrimos, já tinha virado um tratamento de canal”, conta.

Diga xis — Foto: Getty Images
Diga xis — Foto: Getty Images

O caso de Pedro exemplifica bem um dos problemas bucais mais comuns na infância, a cárie – um processo de perda dos minerais do dente que acontece quando bactérias e outros micro-organismos se acumulam na superfície do dente para se alimentar de restos de comidas ricas em açúcares e alimentos ultraprocessados. Ao fazer isso, produzem um ácido que destrói o esmalte do dente, formando “buraquinhos”. A cárie pode evoluir para um canal, que, segundo a especialista em endodontia e ortodontia Helena Mata, membro da American Dental Association (ADA), “é quando ela ou um trauma atinge a raiz”. Isso pode atrapalhar a dentição permanente, porque a de leite é responsável por conduzi-la na posição correta e manter a integridade da arcada dentária.

Daí a importância de se preservar a saúde bucal desde os primeiros dentes, criando hábitos de higiene e a rotina de visitas ao dentista. Afinal, mesmo os pais mais atentos podem não saber que algo está acontecendo nos dentes dos pequenos.

Claro que, além da cárie, há outras razões para as idas ao dentista na infância. “No consultório, também atuamos na prevenção, na orientação e em questões como acúmulo de placa, doença gengival e traumas”, diz a odontopediatra Karla Mayra Rezende, membro da Câmara Técnica de Odontopediatria do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo e pós-doutora pela USP.

Pandemia agrava o cenário

Não é simples manter os índices de saúde bucal da população em alto nível, mas o futuro parecia promissor: o Ministério da Saúde tinha registrado uma redução de 26% nos casos de cáries entre 2003 e 2010 (data do último levantamento no país). Uma melhora observada também pelo periódico Brazilian Oral Research, da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica. A análise mostrou que, de fato, subiu de 31% para 44% a proporção de crianças livres de cáries no país no mesmo período.

Os bons resultados eram indicativos de que, quando há políticas visando a melhoria social, como atendimento odontológico gratuito, fluoretação das águas, distribuição de kits dentais nas cestas básicas, por exemplo, combinadas com a atenção dos pais dentro de casa, o resultado gera uma perspectiva mais animadora.

O problema é que tivemos uma pandemia no meio do caminho. E se antes já era aquele chororô ir ao dentista, tudo ficou pior no período de isolamento. O receio da contaminação afastou as famílias dos consultórios, e os problemas bucais só aumentaram. Quem explica é o pesquisador Marcelo Bönecker, professor de odontopediatria da USP e ex-presidente da Associação Internacional de Odontopediatria (IAPD). “Com a rotina alterada, muitas vezes, o escape é a comida. E estudos mostram que as crianças tiveram mais acesso tanto em quantidade, quanto em frequência. Isso significa mais contato com os alimentos ultraprocessados, gerando mais cáries”, afirma Marcelo. Ele completa lembrando que os acidentes domésticos, que aumentaram durante o período de isolamento, também elevaram os casos de traumas dentários.

Segundo dados do relatório Global Oral Health Status, da Organização Mundial da Saúde (OMS), 514 milhões de crianças sofrem com cáries já nos dentes de leite. “Um estudo em 72 países mostrou que 17% daquelas com 1 ano já têm o problema. Esse número sobe para 36% aos 2 anos e chega a 60%, aos 5”, alerta Marcelo Bönecker.

É preciso agir. E quanto mais cedo, melhor. Por isso, o ideal é um acompanhamento desde a gestação (grávidas com problemas orais graves podem, inclusive, ter parto prematuro), passando pelos primeiros dentes do bebê, até os permanentes estarem todos a postos – e seguir nos cuidados por toda a vida, claro. Este olhar atento, inclusive, é o que preconiza o Dia Mundial da Saúde Oral, criado pela World Dental Federation (FDI). Comemorado em 20 de março, cujo foco da campanha de 2021-2023 é “Tenha Orgulho da sua boca”, com o objetivo de promover o cuidado com a saúde bucal em cada fase da vida.

E se no passado Pedro deu um susto nos pais, hoje a família comemora a boa dentição do garoto. “Acompanhamos a escovação e levamos ao dentista regularmente para não dar a menor chance às cáries”, conta a mãe. Se você também quer evitar esses sustos, confira, a seguir, alguns pontos de atenção.

A importância da amamentação

Além de todos os benefícios já conhecidos do leite materno, o aleitamento também é um exercício importante para o bebê, já que a sucção estimula os músculos orofaciais, ajudando no desenvolvimento das arcadas dentárias e nas articulações da mandíbula.

E sabe aquele conselho de limpar a boquinha com gaze após a mamada? “Antigamente os dentistas diziam isso, mas as tendências atuais mostram que é desnecessário. Se a criança não tem dentes, não vai ter cárie, porque as bactérias só se aderem quando tiver dente ali”, diz a odontopediatra Karla.

Nasceu o primeiro dente

Agora sim, é a hora de iniciar a higiene (veja abaixo em Rotina de Escovação), além de marcar a primeira consulta com o odontopediatra. Ele vai dar orientações e monitorar a erupção dos dentes, checar possíveis cáries e doenças periodontais e encaminhar para outros profissionais, se for o caso.

Ah, e não adianta comparar com o colega do seu filho! A dentição é um processo natural que varia de acordo com fatores hereditários, a saúde geral da criança e até mesmo o ambiente em que vive. A partir dos 6 meses, a dentição costuma aflorar e resultará no total de 20 dentes. Entre 5 e 6 anos, eles começam a cair e, por volta dos 12, geralmente, a criança já fez todas as trocas.

Desconforto com a erupção

Dedeiras e mordedores gelados ajudam a massagear a gengiva e aliviam a coceira por causa do processo inflamatório do nascimento dos dentes. Além deles, a água gelada também abranda e é mais indicada do que as pomadas com componentes anestésicos. Apesar de famosas entre os pais, elas não são indicadas pelos dentistas. Isso porque, além de serem apenas paliativos, oferecem riscos para a criança. Na tentativa desesperada de aliviar o desconforto, os pais podem exagerar na dose e causar até alteração na oxigenação do organismo.

Arrancar ou deixar cair

O vaivém do dente de leite molinho pode deixar algumas crianças — e os pais — aflitos. Mas, segundo os odontopediatras, tudo bem permitir que essa mobilidade aconteça e, aos poucos, com o estímulo da língua e da alimentação, o dente caia sozinho.

Diga xis — Foto: Getty Images
Diga xis — Foto: Getty Images

Mas por que não arrancá-lo, já que nasce outro no lugar? “Não é bem assim. A dentição de leite vai orientar a posição dos permanentes e, se é retirado precocemente, eles ficam sem saber o seu caminho”, diz Karla. Claro que há casos em que a remoção é mais indicada, mas é preciso a avaliação do dentista.

Se o permanente não vem...

A troca da dentição de leite de Larissa, 7 anos, seguia conforme o esperado, no entanto… “Já faz mais de um ano que há um buraco onde deveria ter dois dentes permanentes. Tiramos radiografia e eles estão lá, mas não nascem”, conta a mãe, a coordenadora de sessões de cinema Cristina Sayuri Yamauti, 43 anos.

“Cada dente tem seu tempo de erupção e é preciso avaliar outros aspectos, como o espaço existente, se a gengiva está fibrosa, se há má oclusão…”, explica a odontopediatra Karla. “Dependendo do caso, é preciso cirurgia para o dente erupcionar ou uso de aparelho removível para manter o espaço ou ampliá-lo.”

Cáries, sempre elas

É o problema mais comum. Por isso, é importante visitar o dentista pelo menos uma vez ao ano. Assim, evita-se só procurar o profissional quando a situação já estiver grave. Dependendo da evolução da cárie, pode ser indicado até um tratamento de canal – quando ela atinge a raiz: “Limpamos e selamos a raiz para não entrar mais nada. Se o canal não for tratado, existe o risco até de perder o dente”, diz a endodontista Helena Mata.

Bateu e caiu

“Depois de um trauma, é importante procurar o dentista em, no máximo, meia hora (tempo de vida das células) para tentar reimplantar o dente, se for permanente”, explica a odontopediatra Karla. No entanto, caso seja de leite, nem sempre é recomendado implantá-lo, porque a taxa de sucesso não é muito alta.

Dominique, 6 anos, bateu a boca brincando no escorregador do parquinho. Um dos dentes de leite ficou mole e o dentista precisou arrancar. “Reparamos que no lugar do dente que caiu no tempo certo já está nascendo outro, mas no que teve de arrancar, não, porque caiu antes da hora”, conta a mãe, a psicóloga Carla Cristina Kawanami, 38 anos.

Além das cáries

Conheça outros problemas bucais infantis

  • Periodontite: Inflamação na gengiva de origem bacteriana.
  • Sapinho (monilíase ou candidíase): Inflamação da mucosa oral causada por fungos, que se manifestam como pontos esbranquiçados.
  • Gengivoestomatite: Inflamação da mucosa causada pelo vírus da herpes, que gera pequenas vesículas (bolhas).
  • Erosão dentária: Perda dos minerais e, consequentemente, do esmalte. É causada pela ação dos ácidos em alimentos ou por conta do suco gástrico em casos de vômito intenso.
  • Hipomineralização dos molares (HMI): Má-formação no esmalte dentário que pode deixá-lo fraco e com cor amarelada.
  • Halitose: Mau hálito que acontece por secreção nasal posterior (quando o muco escorre pela boca e garganta e se acumula sobre a língua, virando alimento para bactérias) e saburra lingual (devido à má higiene, a língua fica com uma placa bacteriana com coloração branca ou esverdeada), causada pela falta de higiene na língua.

*Fontes: Karla Mayra Rezende, membro da Câmara Técnica de Odontopediatria do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo e pós-doutora pela USP; Helena Mata, especialista em endodontia e ortodontia e membro da American Dental Association (ADA); Marcelo Bönecker, professor de odontopediatria da USP e ex-presidente da Associação Internacional de Odontopediatria (IAPD)

Rotina de escovação

Diga xis — Foto: Getty Images
Diga xis — Foto: Getty Images

Creme dental

  • Para os bebês, use uma porção do tamanho de um grão de arroz do produto acima de 1000 ppm de flúor. Para os maiores, a medida é do tamanho de um grão de ervilha.
  • Oriente e ensine a criança a cuspir e enxaguar a boca, pois a ingestão da pasta pode gerar fluorose, manchinhas por conta do acúmulo de flúor.

Escova de dente

Fio dental e enxaguante bucal

  • Crianças devem usar o fio dental para retirar a placa no meio dos dentes. Os modelos com hastes, apesar de mais caros, podem facilitar.
  • Já o enxaguante bucal não é indicado, porque gera uma falsa sensação de limpeza, sendo que apenas a escovação limpa de verdade.

Escovação

  • Ensine a criança a fazer movimentos suaves e circulares (“bolinhas”) nos dentes da frente e movimentos de vai e vem (“trenzinho”) nos dentes do fundo;
  • Supervisione a escovação, checando se há restos de comida, lesão na gengiva ou na língua;
  • O ideal é escovar, no mínimo, duas vezes ao dia e, principalmente, à noite.

Fontes: Karla Mayra Rezende, membro da Câmara Técnica de Odontopediatria do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo e pós-doutora pela USP; Helena Mata, especialista em endodontia e ortodontia e membro da American Dental Association (ADA); Marcelo Bönecker, professor de odontopediatria da USP e ex-presidente da Associação Internacional de Odontopediatria (IAPD)

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