Saúde
 

Por Vanessa Lima, Crescer


Era final de março deste ano, quando Theo, então com 6 anos, foi infectado pela covid-19. O menino, que mora em Trois-Rivière, no Canadá, com sua mãe, Mayara, com seu pai, Rodrigo, e sua irmã, Bella, 18 meses, não desenvolveu sintomas muito graves e os dias foram passando. Nos primeiros dias de abril, uma mudança de comportamento fez com que a família desconfiasse de que algo estava errado. “Ele voltava da escola falando que estava cansado. Como tinha tido covid na última semana de março, ligamos para o serviço de saúde daqui e nos disseram que poderiam ser sintomas, porque muitas crianças com a doença apresentavam fadiga, cansaço, sono, falta de apetite, que era exatamente o quadro dele”, lembra Mayara, em entrevista exclusiva à CRESCER.

Mayara, com Theo, Bella, Rodrigo e o cachorrinho de estimação da família — Foto: Arquivo pessoal/ Mayara Conti
Mayara, com Theo, Bella, Rodrigo e o cachorrinho de estimação da família — Foto: Arquivo pessoal/ Mayara Conti

O menino sempre foi muito ativo, andou cedo, aos 9 meses e tinha muita facilidade com atividades físicas. Por isso, no dia 5 de abril, quando recebeu uma ligação da escola, que informou que Theo estava reclamando de cansaço, tinha até dormido no intervalo e pediu para telefonar à família, a mãe estranhou e foi buscá-lo. Em casa, ao dar banho nele, notou que havia algumas manchinhas vermelhas em sua perna. “Na hora, me veio a ideia de que era um câncer; não sei explicar essa sensação. Chamei meu marido, falei para ele. Como Theo tinha uma consulta de rotina já marcada para o dia 6 de abril e isso foi à noite, resolvemos esperar para ver o que o médico falaria”, conta.

“Na hora, me veio a ideia de que era um câncer; não sei explicar essa sensação. Chamei meu marido, falei para ele. Como Theo tinha uma consulta de rotina já marcada para o dia 6 de abril e isso foi à noite, resolvemos esperar para ver o que o médico falaria”
— Mayara

No dia seguinte, ao ver as pequenas manchas na perna, a médica que o examinou pediu um exame de sangue. O resultado mostrou que ele estava com uma anemia profunda, que precisava ser investigada com urgência. A médica já desconfiava que não era só isso e pediu mais alguns exames. “Nessa análise preliminar, deu que o Theo tinha uma mutação genética, acompanhada por células cancerígenas”, diz Mayara. No dia 7, por volta da meia-noite, o garoto precisou ser transferido, de ambulância, para um hospital em Montreal, a 1h40 de distância de onde eles estavam. No caminho, já precisou receber uma transfusão de sangue e de plaquetas. “Ele estava com uma anemia severa, o corpo dele corria o risco de desligar a qualquer momento”, relata.

Ao chegar ao hospital, em Montreal, Theo foi recebido por uma equipe com pediatra, oncologista e hematologista. Depois de uma bateria de exames, veio o diagnóstico: ele tinha Leucemia Mielóide Aguda, um tipo de leucemia que raramente afeta crianças e é mais comum em adultos, com mais de 50 anos.

“Ele estava com uma anemia severa, o corpo dele corria o risco de desligar a qualquer momento”
— Mayara

Tudo em português

Sem querer, embora em território canadense, Mayara e Rodrigo tiveram um privilégio. “Quando o médico entrou na sala, se identificou como brasileiro e começou a falar português: ‘Eu sou o médico tal’, lembro que olhei para a cara do Rodrigo e disse, em voz alta: ‘Amor, o negócio é tão sério que Deus mandou até uma pessoa para falar com a gente na nossa língua’”, recorda.

Para ela, isso mudou tudo. “Foi uma benção receber o diagnóstico e a explicação em português, fez uma diferença muito grande para o nosso coração, para o nosso entendimento. Facilitou demais, até como um conforto emocional mesmo”, afirma.

Theo aproveitando momentos de carinho junto da irmã, Bella — Foto: Arquivo pessoal/ Mayara Conti
Theo aproveitando momentos de carinho junto da irmã, Bella — Foto: Arquivo pessoal/ Mayara Conti

Mesmo assim, para um pai ou para uma mãe, ouvir que o filho tem uma doença grave é extremamente difícil e a notícia pode causar reações totalmente inesperadas. “Quando ele contou, nossa primeira reação foi dar risada. Isso chocou o médico. E chocou a gente mesmo. A gente riu. Não estou mentindo. Só mais tarde a ficha caiu”, lembra ela.

Mayara conta que ter fé foi fundamental e, depois de ouvir o que o médico disse, se lembrou de um sonho que tinha tido há poucos dias. “Eu tinha comentado com o meu marido uma semana antes, que eu tinha tido um sonho em que via o Theo careca. Eu não tinha entendido; não fazia sentido para mim. Quando contei para o Rodrigo, isso me fez entender que era algo que ia acontecer na minha casa. Ele estava carequinha, mas estava no nosso carro. Tipo: era uma situação que ia acontecer, mas ia ficar tudo bem. O que eu tinha dentro de mim era isso”, explica.

A força de Theo

Se tem algo mais difícil do que receber um diagnóstico tão sério de um filho, é contar para a criança e explicar o que estava acontecendo. Mayara e Rodrigo esperaram absorver aquela informação e, só no dia seguinte, foram conversar com Theo. No entanto, a reação do menino surpreendeu. “Não demos o nome de leucemia. Ele tinha 6 anos, então, o nome, em si, para nós, não fazia sentido colocar na explicação. Mas falamos que ele tinha uma doença e que aquilo era bom porque era uma descoberta. Os médicos descobriram por que ele estava se sentindo muito cansado. Ele entendeu da forma mais bonita possível. Ele falou: ‘Minha perna não estava funcionando, eu não estava me sentindo bem e agora vou me sentir bem’. Ele é excepcional”, lembra a mãe.

“Contamos que ele iria tomar medicamentos e que o cabelo ia cair. E ele falou: ‘Mas eu queria raspar o cabelo, lembra?’”, relata Mayara. Isso porque, um mês antes, ele tinha pedido para raspar a cabeça. Na época, a mãe não queria e disse para ele que não, que cabelo dele era tão bonito… E ele insistia, dizendo que achava legal. O assunto ficou suspenso, mas, agora, Theo ficaria careca - e viu isso como a realização de algo que ele queria fazer, em vez de enxergar como uma perda. “Até gravamos um vídeo dele cortando o cabelo do pai e do Rodrigo cortando o cabelo dele, para tentar deixar algo mais leve. Queríamos ter uma memória boa daquilo, transformar o choro em riso. Ele ficou superfeliz, não ficou constrangido. Entendeu e aceitou muito bem”, afirma.

Depois de um tempo, Mayara lembra que ainda falava com ele com receios, perguntando do cabelo. A resposta que ouviu? “Mamãe, está tudo bem. É só cabelo. Cabelo cresce, o médico falou que crescer”.

Théo, Mayara e Rodrigo — Foto: Arquivo pessoal/ Mayara Conti
Théo, Mayara e Rodrigo — Foto: Arquivo pessoal/ Mayara Conti

A força do menino e a maneira como ele encarava a questão surpreendeu os pais. “Teve uma vez que perguntei para ele como ele estava se sentindo porque não estava indo para a escola. Ele disse: ‘Isso aqui parece um hotel!’. Em outra ocasião, perguntei se ele estava triste e ele: ‘Mamãe, está tudo bem, eu confio em Deus, vai ficar tudo bem’. Embora sejamos cristãos em casa, eu não ensinei para ele essa frase”, diz ela.

O tratamento

Theo tinha razão. Por mais difícil que fosse saber que o que ele tinha era grave, era importante entender o que estava acontecendo para começar a tomar algum tipo de ação e ajudá-lo a tentar melhorar. O caminho não seria fácil, mas era preciso começar a trilhá-lo. “Théo teve dias de fortes dores de cabeça, teve a pressão alta, ficou sem enxergar 100 % do olho esquerdo, devido à forte anemia (mas a visão foi voltando aos poucos), teve dores nas articulações, falta de apetite… Mas ele sempre permaneceu calmo, na medida do possível. Sempre diz que está tudo bem”, conta a mãe.

No dia 11 de abril, poucos dias depois de saber o que tinha, ele passou pela primeira sessão de quimioterapia, sem falar nos outros remédios, como antibióticos, analgésicos, remédios para controle da pressão, entre outros. “No dia 20 de abril, Theo passou por um procedimento em que os médicos injetaram parte da quimioterapia na medula. Isso é realizado quando os medicamentos precisam atingir o líquido que banha o cérebro, pois a quimioterapia ‘convencional’ não atinge essa parte”, explica Mayara. Durante todo o tratamento, que aconteceu em Montreal, os pais precisavam se revezar para ir para casa em Trois-Rivière, para cuidar da caçula, Bella.

A princípio, ele estava reagindo bem à quimioterapia. Em maio, depois de quase 50 dias de internação, o pequeno até foi liberado para ficar quatro dias em casa. Depois, voltou para o hospital para novos exames e início de uma nova rodada de quimioterapia.

Theo precisava zerar as células cancerígenas para receber um transplante de uma nova medula. O pai dele, Rodrigo, se prontificou para ser o doador. Os médicos fizeram todos os exames e viram que os dois eram compatíveis. “Era o transplante perfeito, com a medula do pai. As células eram boas, jovens, tinha muito potencial de ser um sucesso… Mas não foi”, conta a mãe. O transplante que aconteceu no dia 25 de agosto não teve o resultado esperado.

Mayara com o filho, no hospital — Foto: Arquivo pessoal/ Mayara Conti
Mayara com o filho, no hospital — Foto: Arquivo pessoal/ Mayara Conti

“Ele teve rejeição”, diz ela. “Os médicos explicaram que, em vez de ‘pegar’ as células do doador para ele, o corpo as viu como estranhas e, literalmente, as atacaram. Isso virou uma guerra dentro do corpo dele. Foi uma guerra séria, situação de vida ou morte. Como sintoma da rejeição, apareceu no corpo dele uma síndrome que se chama HLH, que é uma inflamação extremamente alta, que pode ser fatal, no fígado, no baço e no intestino, deixando o corpo extremamente tóxico”, relata a mãe. Foi um dos momentos mais complicados. “Entraram com corticosteróides de alta dose para tentar frear a inflamação”, diz ela. “Esse foi o momento mais difícil da nossa vida porque era uma doença fora da leucemia. Os médicos não esperavam a rejeição”, conta.

Mayara lembra que, na época, Theo tinha dores absurdas, precisou de morfina e de vários outros analgésicos e medicamentos. “Ele ficou extremamente letárgico, foi horrível. Foi o pior momento”, conta.

Próximos passos

Agora, segundo a mãe, Theo está melhorando e se preparando para uma segunda tentativa de transplante, prevista para acontecer no próximo dia 13 de outubro. Um novo doador, com alta compatibilidade, foi encontrado e os especialistas e a família estão otimistas.

“Hoje o Theo está estável, bem, mas está numa situação que se chama aplasia, que é quando toda a parte de defesa, como os leucócitos e glóbulos brancos, responsáveis pela imunidade, está zerada. Isso é efeito da quimioterapia, que é realmente para destruir todas as células cancerígenas - e acaba destruindo células normais. Ele precisa zerar para receber a medula nova”, explica a mãe.

Segundo Mayara, a inflamação melhorou, mas ainda está lá. Theo está internado e não pode sair do hospital de forma alguma, porque, como está sem imunidade, não pode correr o risco de pegar nenhuma doença. Vírus ou alergias, que podem ser inofensivos para a maioria das pessoas, podem ser fatais para o menino, neste momento.

Corrente do bem

A torcida pela recuperação de Theo é grande. A mãe tem compartilhado informações sobre a doença e o passo a passo do tratamento do menino pelas redes sociais, até para servir de alento para famílias que estão na mesma situação. Segundo ela, isso tem feito com que eles recebam carinho, em forma de mensagens e orações, de várias partes do mundo. “Tem gente do Brasil, do Canadá, dos Estados Unidos, da Espanha, da Suíça… São muitos lugares em que não temos contatos específicos, mas as pessoas mandam mensagens com palavras de apoio e suporte - e isso ajuda muito”, relata. “Recebemos mensagens lindas de muita gente, principalmente mães. É incrível. É como uma tribo mesmo. Isso fortalece muito o nosso emocional no dia a dia”, declara.

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