• Amanda Oliveira
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Com pouco tempo de vida, a pequena Lorena, hoje com 3 meses, já enfrentou duras batalhas. Diagnosticada com uma cardiopatia congênita grave, conhecida como Síndrome da Hipoplasia do Coração Esquerdo (SHCE), a bebê vive como se tivesse "meio coração", isto é, o órgão não consegue bombear sangue de forma adequada para seu corpo todo, assim, os médicos precisaram realizar alguns procedimentos cirúrgicos para manter a criança viva. 

Antes do nascimento de Lorena, a mãe da bebê, Tamiris Conceição de Sousa Rodrigues, que mora em São Paulo, passou por momentos difíceis na gestação. Já mãe de uma menina, Luiza, de 4 anos, ela engravidou seis meses após parar de tomar o anticoncepcional. No primeiro ultrassom, ela recebeu a notícia de que estava com descolamento de placenta, que acontece quando as ligações entre a placenta e o útero se rompem, impedindo a troca de nutrientes e oxigênio para o bebê. "Foi um susto! Tive que ficar de repouso e me afastei do trabalho", conta a bancária, de 35 anos, à CRESCER

Lorena vive com meio coração  (Foto: Arquivo Pessoal )

Lorena vive com meio coração (Foto: Arquivo Pessoal )

As preocupações não pararam por aí! Após realizar um ultrassom morfológico, com 28 semanas, o médico pediu para que a gestante fizesse um ecocardiograma fetal e o exame confirmou que Lorena tinha a SCHE. "No momento, só chorava! Não aceitava, não consegui absorver bem. Fui pesquisar e apareceu que [a doença] era incompatível com a vida", lembra a mãe. 

Após o diagnóstico, Tamiris não conseguiu mais curtir a gravidez, dada a preocupação que tinha com a sobrevivência da filha. Quando estava com 37 semanas de gestação, a bancária foi internada no Hospital e Maternidade Santa Joana (SP) com pouco líquido amniótico. Duas semanas depois, a pequena Lorena nasceu, no dia 3 de março, por meio de uma cesárea. No parto, a mãe teve uma hemorragia e ficou dois dias na UTI. 

A pequena Lorena também viveu momentos bem desafiadores já nos primeiros dias de vida. Com quatro dias, ela passou por um procedimento híbrido, para colocação de um stent em um canal arterial e uma bandagem. Aos 15 dias de vida, a recém-nascida teve um quadro de oscilação da saturação e, por isso, precisou fazer um cateterismo para melhorar a mistura de sangue no coração. Quando completou dois meses, após alguns exames, os médicos identificaram que a bandagem estava um pouco apertada devido ao ganho de peso natural da bebê e decidiram realizar um novo cateterismo, liberando mais espaço para que o oxigênio fosse suficiente e ajudasse a estabilizar a saturação. Ao todo, a pequena passou 70 dias na UTI até receber alta e finalmente ir para casa.

Cadiopatia congênita 

A cardiopatia congênita é definida como uma malformação na estrutura ou funcionamento do coração — uma condição que já se apresenta ao nascimento, por isso é chamada de congênita. Para diagnosticá-la, é preciso ter um bom acompanhamento de pré-natal

O diagnóstico 

Na rede pública, os especialistas fazem primeiro o ultrassom morfológico, um exame mais geral, e depois, caso encontrem alguma alteração no coração, eles encaminham a gestante para fazer uma ecocardiograma fetal. 

O médico José Cícero Stocco Guilhen, cirurgião cardiovascular pediátrico do Hospital e Maternidade Santa Joana (SP), explica que o ideal é que as gestantes, se puderem, façam o ecocardiograma fetal entre 25 e 28 semanas, pois neste período é possível identificar pelo menos 70% das cardiopatias. 

+ Cardiopatia congênita: especialistas alertam sobre importância do diagnóstico ainda na gestação

Em alguns casos, a doença só é identificada após o parto. Segundo o especialista, hoje, é obrigatório que os recém-nascidos façam o Teste do Coraçãozinho, que é usado para diagnosticar cardiopatias muito graves. O exame é feito com um oxímetro de pulso para aferir a saturação de oxigênio da criança. Os sensores são colocados na mão direita e em um dos pés do bebê. Caso haja alguma alteração na saturação, a criança precisa ser encaminhada para fazer um ecocardiograma fetal. 

Bebê nasce com cardiopatia grave  (Foto: Arquivo Pessoal )

Bebê nasce com cardiopatia grave (Foto: Arquivo Pessoal )

No entanto, em outros casos, as cardiopatias são diagnosticadas nas consultas posteriores com os pediatras, por isso é importante ter atenção aos sintomas principais, como o sopro do coração, um ruído que é produzido pelo fluxo sanguíneo entre as estruturas do coração. Isso pode ocorrer devido a uma comunicação entre as cavidades ventriculares. Outros tipos de sintomas que bebês cardiopatas podem ter são: dificuldade de ganhar e peso e de mamar, cansaço, respiração muito rápida e até mesmo mãos e lábios arroxeados. 

Diante dos quadros de cardiopatias congênitas, o diagnóstico precoce é essencial, pois, assim, a criança pode nascer em um centro com uma equipe preparada para atendê-la. "Se não for tratado, o bebê pode ter insuficiência cardíaca, o coração não consegue manter o fluxo sanguíneo", alerta o médico. "O diagnóstico pré-natal é imprescindível", completa.

Em relação às causas, o médico explica que a maioria dos casos está relacionada com mutações pontuais nos genes durante a formação fetal. Porém, fatores externos também podem contribuir para o surgimento de cardiopatias congênitas, como diabetes gestacional, uso de álcool e lítio.  

"Meio coração"

Síndrome de Hipoplasia do Coração Esquerdo (SHCE), quadro da pequena Lorena, é uma das cardiopatias mais preocupantes. Isso porque a maioria das estruturas do lado esquerdo do coração acaba sendo muito pequena e pouco desenvolvida para fornecer o fluxo de sangue suficiente para as necessidades do corpo. Na SHCE, o defeito mais grave é o ventrículo esquerdo pequeno, que precisa ser suficientemente grande e forte para bombear o sangue oxigenado para todo o corpo. 

De acordo com o cirurgião cardiovascular, nesse tipo de síndrome, o sangue chega ao corpo do bebê por meio do canal arterial, uma comunicação entre a circulação sistêmica e pulmonar. "Se a doença não for tratada, esse canal vai fechar e a criança pode evoluir para óbito", esclarece o médico. 

Guilhen acrescenta, ainda, que a SHCE é uma cardiopatia que pode, sim, ser incompatível com a vida se não tiver um encaminhamento rápido após o nascimento do bebê. "Caso não seja tratada no período neonatal em 15 dias, a mortalidade é mais de 80%", alerta o especialista. 

No caso da pequena Lorena, o médico explica que foi colocado um stent para manter o canal arterial aberto e regular o fluxo sanguíneo direcionado ao pulmão. "Nós usamos também a saída do sangue do ventrículo direito [que normalmente manda sangue para o pulmão] para ser agora a saída de sangue para o corpo, já que ele é o único funcionante em pacientes com essa doença", esclarece o cirurgião cardiovascular. Nesse caso, é como se a criança vivesse como "meio coração". 

O médico menciona que a ideia era que esse procedimento fosse provisório. Então, caso o ventrículo funcionante tivesse uma disfunção, seria necessário realizar um transplante no futuro. No entanto, os pacientes vêm evoluindo sem ter a necessidade de receber a doação de um coração. 

Atualmente, Lorena está bem e aguarda para fazer mais uma cirurgia. A família está confiante na recuperação dela, mas reconhece que o caminho a percorrer é difícil. "Acho que o maior desafio de ter uma filha cardiopata é dar uma vida normal para ela. Mesmo com algumas regras, levar [a criança] ao parque ou para tomar um sol na varanda", relata Tamiris.

A mãe também dá alguns conselhos para os pais que vivem essa experiência: "É difícil e dá medo, é um desafio grande, eu nunca tinha escutado falar dessa doença e nem tinha entrado em uma UTI de um hospital. Mas, tente se cercar dos seus amigos e ter fé", finaliza. 

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