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Em dezembro, a influenciadora digital Shantal Verdelho teve vídeos e áudios vazados nos quais ela relatava a violência obstétrica que sofreu durante o parto da filha, Domenica, de 3 meses. O caso repercutiu na internet, levou a uma série de denúncias contra o obstetra Renato Kalil e gerou polêmica sobre procedimentos como a episiotomia e a manobra de Kristeller, que têm como objetivo facilitar (e acelerar) a saída do bebê.

Partos instrumentalizados são necessários quando, por algum motivo, é preciso agilizar o nascimento do bebê ou auxiliar em sua saída (Foto: Pexels)

 (Foto: Pexels)

No último domingo (9), a influenciodora finalmente se pronunciou publicamente sobre o caso, em entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo. Ela comentou que, além de pressionar com as mãos a parte superior do útero, o médico também sugeriu fazer um pequeno corte no períneo, entre o canal vaginal e o ânus, para agilizar o trabalho de parto. "Não tinha a menor necessidade de ele tentar me rasgar com as mãos e isso é feito várias vezes. Ele basicamente faz o parto inteiro fazendo esse movimento com a minha vagina, tentando abrir. Já que ele não teve o corte, ele tenta com as mãos", declarou Shantal.

O procedimento da episiotomia é polêmico e divide opiniões entre médicos e pacientes. Uns dizem que é mutilação, desrespeito à mulher. Outros afirmam que o procedimento é simples e, muitas vezes, necessário. Diante da repercussão do caso e da reportagem exibida pelo Fantástico, o obstetra Braulio Zorzella, representante da ReHuNa (Rede de Humanização do Parto e Nascimento) e um dos entrevistados da reportagem, chegou a se posicionar em suas redes sociais contra a necessidade de fazer o corte. "Eu sou a favor de que em 100% dos casos não se realize a episiotomia, porém eu não acho que o cenário brasileiro esteja preparado para zerar a episiotomia", ressaltou.

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Ele também explicou por que acredita que tantas mulheres ainda são submetidas ao procedimento no Brasil. "[Apesar de ser contra], a episiotomia em alguns cenários protege a mulher de lacerações maiores. Imagina aquele cenário em que o parto é com a luz acesa, com a mulher em posição ginecológica, com um monte de gente gritando e apertando a barriga dela... Nesse caso, a episiotomia protege, porque ela foi inventada justamente para proteger o períneo de uma laceração muito grave", concluiu. 

Afinal, a episiotomia é mesmo necessária?

Alguns estudos da Biblioteca de Cochrane (ONG mundial que revisa publicações da medicina) mostram que a episiotomia pode trazer complicações graves, como laceração e frouxidão na região perineal, que, por sua vez, levam a problemas intestinais ou, até mesmo, na contenção de órgãos como o intestino.

Por outro lado, se a episiotomia não for realizada e houver rompimento extenso, as consequências podem ser as mesmas que as da incisão malfeita. Por isso, o ideal é que a mãe seja informada pelo médico sobre a necessidade de fazer a incisão. E tem todo o direito de recusar, desde que ciente das consequências.

Muitos especialistas já aboliram a prática, como a obstetra Melania Amorim, do Instituto de Medicina Prof. Fernando Figueira (PE), que não realiza episiotomia há 14 anos em nenhum caso. “Não há respaldo científico para as supostas indicações. Há evidências de que a incisão aumenta o risco de lesão perineal sem benefícios.”

Episiotomia X violência obstétrica

"É um pouco polêmico afirmar que toda episiotomia será uma violência obstétrica, porque tem algumas linhas que defendem a episiotomia seletiva, ou seja, apenas em alguns casos. Assim como há quem que defenda não fazer em nenhum caso", explica o obstetra Braulio Zorzella. Parte desse último grupo, o especialista afirma que se o ambiente e a situação do parto forem preparados para deixar a mulher mais tranquila e relaxada, ela consegue parir sem a necessidade de fazer esse corte tão temido pelas gestantes. “Não importa se a mulher é alta, baixa, magra, gorda, não importa nenhuma característica do parto que precise levar a uma episiotomia”, acrescenta.

Ele esclarece que uma possível laceração provocada pela passagem do bebê causa menos danos para a saúde da mãe do que a episiotomia, que corta vasos, músculo... "Muitas vezes, a laceração é só uma escoriação na pele ou, então, ela até pode pegar um músculo, se for de segundo ou terceiro grau, só que a sutura dela é muito menos dolorida depois. A pessoa não sente depois e nem fica cicatriz", explica. 

Ainda assim, há obstetras que realizam a técnica como rotina, embora o índice desse corte do períneo esteja em queda — em redes públicas no Brasil, a taxa de episiotomia caiu de 47%, em 2011, para 27%, em 2017, segundo estudo feito pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e pela Universidade Federal do Maranhão.

O procedimento envolve ainda uma questão machista. "Tem um ponto feito na episiotomia que é de reconstituição, está nos livros de obstetrícia, mas muitos profissionais o chamam de ponto do marido, porque dizem que é para o homem depois ficar satisfeito na relação sexual. Esse ponto existe tecnicamente, mas não deveria ser chamado assim", salienta Zorzella.