• Fernanda Montano
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O puerpério já é, por si só, um período de recolhimento, redescobertas, exaustão emocional e, muitas vezes, sentimento de solidão. O que acontece, então, ao viver essa explosão de sentimentos no meio de uma pandemia? Para muitas mulheres, as consequências vêm ocorrendo juntas e misturadas, em dobro, triplo... Pesquisa da plataforma Frontiers in Global Women’s Health, da Suíça, feita com 900 mulheres, mostrou que mais do que duplicou o número de mães que relatam ansiedade na gestação e no puerpério: de 29% (antes da pandemia) para 72%. O número de mães com depressão pós-parto na pandemia passou de 15% para 41%.

* (Foto: Getty Images)

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Não é difícil de entender. Se todos nós, independentemente de termos parido um bebê durante esse período, estamos mais nervosos, ansiosos e com medo, imagine uma mulher que, muito provavelmente, vai precisar ir ao hospital para o parto, que terá uma pessoinha indefesa e sem total imunidade para cuidar, e sabendo que fará tudo isso sem a rede de apoio que gostaria. “A etapa perinatal (gestação, parto e puerpério) é um momento de crise na vida da mulher, no qual ocorrem inúmeras transformações adaptativas, sejam elas físicas, psíquicas, familiares, laborais e sociais. Nesse período, a tendência é que fiquem mais sensíveis, vulneráveis, inseguras, com emoções oscilantes e ambivalentes quanto ao seu potencial de ‘maternar’. Por isso, o medo e a ansiedade são frequentes. Com a pandemia, essas emoções e sentimentos tendem a se amplificar, muitas vezes dando lugar a transtornos ansiosos e depressivos”, alerta a psiquiatra Layla Campagnaro, do Centro de Medicina Integrativa do Hospital e Maternidade Pro Matre, de São Paulo (SP).

Cuidados com a mente

Por tudo isso, é preciso, mais do que nunca, estar atenta à saúde emocional. Não subestime suas emoções, permita-se sentir, dividir, falar sobre elas. O momento da chegada de um filho é, em geral, algo muito esperado e comemorado, um evento familiar e social. Faz parte dos nossos costumes e tradições apresentar o bebê à família na maternidade ou nos encontros domiciliares, ao longo dos meses. As visitas, a lembrancinha, as fotos e até os palpites indesejados fazem parte. Não poder viver tudo isso é uma quebra de expectativas enorme e mexe, sim, com a nossa cabeça. Embora, muitas vezes, as visitas possam ser inconvenientes, elas ajudam a mulher a contar sua história de parto, possibilitando a integração desse grande evento e marco na vida da mãe. Além disso, os visitantes podem auxiliar a recém-mãe a expressar seus sentimentos, medos e até mesmo na cura de possíveis traumas do parto.

Foi exatamente o que sentiu a advogada Camila Peressin, 30 anos, mãe de Paulo César, 3 anos, e de Pedro, 5 meses. “Ninguém sentiu o cheirinho de bebê dele, ninguém me abraçou no pós-parto, sentou-se ao meu lado para bater papo, ninguém veio me dar um palpite não pedido – e até isso fez falta! Essa solidão, agora forçada, não foi fácil de digerir. Não houve escolha. Teve solidão, teve muitos ‘e se…’, saudade da família, falta de rede de apoio, teve tudo que compõe o combo puerpério + pandemia. Mas teve também mais presença do marido em casa, bebê nascido num parto respeitoso e forte e muito tempo juntos para a gente renascer enquanto família”, conta.

 

"Se o pós-parto sempre foi um momento de prestar muita atenção à saúde mental das mulheres, devemos manter o olhar ainda mais atento agora"

Viu só como você não está sozinha nesse turbilhão de sentimentos? Porém, assim como fez Camila, olhar para o que há de bom e o que efetivamente dá para ser feito é a melhor solução mesmo.

A chegada de um filho é um momento mágico e único, por isso, procure pensar de um jeito um pouco mais desconectado do que estamos vivendo. Selecione as informações que deseja realmente saber sobre a pandemia: não é necessário ler diariamente todos os dados estatísticos. Além disso, viva um dia de cada vez, dedicando a atenção e concentração aos afazeres diários, aos cuidados com o bebê e, na medida do possível, às suas próprias necessidades. “Tente não antecipar os problemas que possam surgir. Procure se desprender da forma como imaginou que seria, pois, com certeza, está muito diferente do idealizado. E ficar muito ligada ao que não aconteceu (ao que gostaria que fosse) pode dificultar sua conexão com a realidade e até atrapalhar o vínculo inicial com seu bebê”, orienta a psicóloga Helena Aguiar, da Perinatal/Rede D’Or, do Rio de Janeiro (RJ).

Dentro do possível

É importante, também, se fortalecer como mulher e recém-mãe, bem como se fortalecer como casal. Nesse caso, os olhares, as carícias e as conversas fazem diferença para a relação, além de contribuírem para uma maternidade mais tranquila. Sim, a convivência 24 horas por dia, às vezes, não é simples, mas ela pode ser determinante para deixar esse momento mais fácil ou difícil. Por isso, priorizem esse aspecto.

O puerpério é momento de conexão da família em qualquer situação. Todo casal deve manter o cuidado um com o outro e isso irá refletir no bebê. “A nova configuração familiar e todas as mudanças que acontecem com a chegada de um filho impactam as emoções de ambos. O diálogo é imprescindível para manter a casa em harmonia. Paciência e cuidado são igualmente necessários para que tenham tranquilidade nesse momento turbulento, de muito aprendizado. Ninguém disse que seria fácil, não é mesmo? Mas pode ser leve, se os dois se comprometerem a manter o respeito, a clareza dos sentimentos e, principalmente, não esquecerem do carinho que devem ter um com o outro”, diz a psicóloga perinatal e obstétrica Karla Cerávolo, da organização De Umbiguinho a Umbigão, de Goiânia (GO).

Outra dica para se lembrar di-a-ri-a-men-te: exerça uma maternidade possível. Ou seja, reflita sobre as idealizações de sua função de mãe – dar conta de tudo já saiu de moda faz tempo! –, seja flexível e não exija perfeição nas tarefas. Para não se sobrecarregar, você já sabe: distribua funções, tanto as domésticas como aquelas relacionadas ao bebê, com o companheiro ou mesmo uma rede de apoio. Portanto, mantenha essa troca com familiares e amigos, ainda que à distância. Sim, estamos exaustos do contato virtual, das chamadas no Zoom ou dos áudios no WhatsApp, mas, acredite, eles são essenciais nesse momento. Criar uma barreira em relação a isso vai tornar o sentimento de solidão ainda maior. Vamos olhar por outro lado, agradecer que a tecnologia existe e usá-la a nosso favor.
 

* (Foto: Getty Images)

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Ninguém é uma ilha

A pesquisa Gravidez durante a Pandemia, da Universidade de Calgary, no Canadá, entrevistou mais de 8.200 mulheres, e mostrou como anda o lado emocional no pós-parto: 80% relataram, depois de três meses do nascimento do bebê, sentirem-se mais sozinhas. Como diz o tradicional provérbio africano, “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”.

A falta da rede de apoio é o que mais vem pegando nesses tempos, mas muito do que uma mulher precisa no pós-parto deve ser mantido – e aqui vai a dica para quem tem  alguém ao lado (ou uma amiga, prima...) vivenciando o puerpério: carinho, cuidado, perguntar como essa mãe está, demonstrar interesse por ela e pelo bebê. Só que online! Chamadas por vídeo e mensagens por áudio são importantes para que os familiares e amigos percebam melhor como essa mãe está. Ver seu rosto e ouvir sua voz favorecem a melhor percepção de suas emoções. E não economize no auxílio que puder oferecer. Uma cesta de café da manhã, uma torta caseira de frango ou legumes são mimos simples, mas que promovem acolhimento.

A empresária Jordana Custódio, 29 anos, mãe de Caetano, 2 meses, vem sentindo isso na prática. “Queria muito que meu irmão nos visitasse. Que meu pai pudesse conhecer o bebê. Mas, no hospital, só foi permitido uma pessoa e sem troca de visitas. Então, minha mãe me acompanhou em todo o trabalho de parto, nascimento e no quarto”, lembra. Mas a ajuda, ainda que à distância, que Jordana vem recebendo está fazendo toda a diferença. “Recebemos chamadas por vídeo, flores, nos mandaram lanches. Estamos tendo muita ajuda. Nessa fase, saber que as pessoas se importam com você é encorajador. Fazer você se sentir querida é um acalanto no puerpério”, diz.

Mais tempo de conexão

Ainda olhando pelo lado bom – lembre-se de sempre fazer esse exercício –, algo bastante positivo do puerpério nesse momento é a proximidade com o seu núcleo familiar. Trabalhando em casa (sim, há mães, sobretudo as autônomas, que voltam precocemente), você não perde tempo de deslocamento, pode ficar perto do bebê em uma fase primordial, acompanhando suas primeiras conquistas, e mais tranquila para focar na amamentação sob livre demanda.

Mas aqui vai um ponto de atenção! Muitas vezes, na prática, a realidade acaba sendo diferente: mulheres com carga enorme de trabalho em home office, com horários que extrapolam, sem ajuda nenhuma e completamente exaustas. “Se essas experiências serão boas ou não, vai depender das possibilidades de ajustes e de adaptação de todos nessa nova modalidade de vida. Isso tem a ver com o tipo de trabalho, a intenção da mãe [seu objetivo e momento da carreira], a estrutura familiar... Mas é possível que tais questões favoreçam um vínculo maior, especialmente a amamentação”, afirma o pediatra Moisés Chencinski, membro do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Para que isso seja efetivamente viável, vamos recapitular o “combo”: divisão justa com o parceiro, rede de apoio ainda que à distância, alinhamento de expectativas em relação à maternidade, diálogo aberto no trabalho e rotina. Essa, inclusive, é a chave para não enlouquecer, caso você já tenha outros filhos que, nesse momento, estão mais em casa, sem escola todos os dias, sem aulas extras e sem a possibilidade de passar um tempo do dia com avós ou amigos. “Não se obrigue a dar conta de tudo. Menos ainda ser ‘mãefessora’. Toda essa experiência mexeu e ainda mexe muito com as nossas emoções. Respeite-se! Procure ter um momento para brincar um pouquinho com seu filho mais velho, conversar, falar sobre seus sentimentos, ouvi-lo. E envolva-o nos cuidados com o bebê. Além de promover a conexão afetiva entre os dois, afasta o sentimento de solidão da criança”, orienta a psicóloga Karla Cerávolo.

Na casa da designer Fernanda Busnardo, 38 anos, quem chegou durante a pandemia foi o terceiro filho. Mãe de Bruna, 7 anos, Marcelo, 4, e Bernardo, 6 meses, ela brinca que nem teve tempo de raciocinar que teve um bebê. “Com as crianças em casa, sem aulas, foi bem intenso. Nos outros puerpérios, consegui descansar mais, o que não aconteceu agora. Mas já estávamos tentando há mais de um ano engravidar do terceiro, cheguei a perder um bebê, então ficamos muito felizes com a chegada dele. Depois de um tempo, chamei uma babá para ficar com os mais velhos, para eu poder dar atenção ao pequeno. Ela vem sendo minha rede de apoio”, diz.

Dentro das possibilidades de cada um – e seguindo todos os protocolos necessários – , é possível fazer deste momento de recolhimento e conexão algo que vai marcar de um jeito positivo a família para sempre. Permita-se, seja gentil com você mesma e tenha calma.

* (Foto: Getty Images)

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DÁ PARA SE SENTIR MAIS AMPARADA NO PÓS-PARTO, MESMO NA PANDEMIA

Cumplicidade
Dividir experiências com quem vive o mesmo que você sempre é bom. Participe de grupos de mães nas redes sociais, mas filtre as informações — o que você menos precisa agora é de julgamentos.

Divisão
A casa, o filho mais velho, os cuidados com o bebê, tudo é tarefa do casal. Só assim você poderá cuidar de si mesma também.

Socorro!
Não queira resolver tudo sozinha, nem fique só esperando a iniciativa dos outros. Sinalize o que precisa aos mais íntimos: uma refeição, ajuda nas compras...

Exercícios online
Parece impossível pensar nisso nesse momento, mas cuidar da saúde é fundamental. Faça isso com outras mães. Procure na internet atividades que lhe agradam mais.

Ajuda virtual
Happy hour pelo Zoom, aniversário online, videochamadas... ninguém aguenta mais. Mas poder mostrar o bebê e interagir, ainda que pela tela, fará bem ao seu emocional.

Conversas
Não se isole mais do que a pandemia já exige. Troque áudios com os amigos, a família, participe de grupos terapêuticos online. Precisamos dessa troca (todos nós, aliás!).

5 DICAS PARA CUIDAR DO RECÉM-NASCIDO SEM NEURA

• Profissionais da saúde, apesar da distância física, podem ser acessados por meio de telefone e telemedicina. Tem dúvida? Contate o médico de sua confiança.

• Não descuide das vacinas do bebê. Certifique-se de que o local de vacinação segue os protocolos de segurança e proteja seu filho. 

• Ficar sozinha nem sempre é ruim. Sentir-se só, sim. Neste momento, visitas realmente não são recomendadas. Mas isso não significa deixar de receber carinho.

• É essencial para a saúde ver o dia e respirar fora de casa. Para você e para o bebê. Com máscara e sem aglomeração, coloque-o no carrinho e aproveite momentos ao ar livre.

• Não custa continuar higienizando o que vem de fora e esterilizar os materiais do bebê. Se sair, ao chegar em casa troque toda a roupa dele e a sua também. Com calma – vai ficar tudo bem!

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