• Sabrina Ongaratto
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Uma grande parcela das mulheres não sabem se querem ter filhos (Foto: Thinkstock)

Uma grande parcela das mulheres não sabem se querem ter filhos (Foto: Thinkstock)

Como você se sentiu quando descobriu que estava grávida? Você queria ou não ter um bebê? Durante décadas, pesquisadores e médicos tendiam a pensar em gravidez como planejada ou não planejada. Mas, recentemente, eles descobriram que, para um grupo significativo de mulheres, seus sentimentos não se encaixam perfeitamente em uma ou outra categoria.

Um estudo feito pelo The New York Times e Morning Consult (Estados Unidos), com mulheres e homens de 20 a 45 anos, revelou que 34% dos 1.858 entrevistados não tinham certeza se queriam ser pais. São tantos “talvez” que os Centros de Controle e Prevenção de Doenças  americanos tiveram de reformular seu questionário em relação a esse assunto. Agora, os entrevistados têm a possibilidade de responder “eu não tenho certeza” em relação aos seus desejos de serem pais. E o resultado em uma avaliação recente, feita com a participação de mil mulheres, revelou que 24% queriam ter engravidado mais tarde, 14%, mais cedo, e 14% responderam que não tinham clareza do que queriam. A nutricionista Bianca Thomazin, 36, entende bem o dilema. “Eu não sabia se queria filhos, mas chegou um momento em que decidi engravidar. Minha filha Rafaella, 3, é maravilhosa, mas suga toda a minha energia. Não sei se gostaria de engravidar novamente”, diz. 

Outra pesquisa perguntou às pessoas se elas querem ter filhos ou ter mais filhos. Uma análise de 33 estudos de intenções de fertilidade em países desenvolvidos descobriu que cerca de 1/5 a 1/3 das mulheres disseram não ter certeza. E em uma pesquisa com mulheres e homens de 20 a 45 anos nos Estados Unidos, pelo New York Times e Morning Consult, 16% das pessoas que não eram pais disseram que não tinham certeza se queriam ser.

O momento ideal que nunca chega

O pesquisador Isaac Maddow-Zimet, do Instituto Guttmacher (Estados Unidos), explica que mulheres ambivalentes sobre a gravidez tendem a ser mais jovens, lutando com tensões financeiras e planos de vida, ou mais velhas, chegando ao fim de seus anos férteis. E é mais provável que elas já tenham pelo menos dois filhos. “Eu vejo mulheres de diferentes origens que querem muito uma criança, mas não sentem que estão no lugar ideal em sua vida, onde é permitido querer uma”, diz Maria Isabel Rodriguez, obstetra-ginecologista da Oregon Health and Science University.

Catherine teve Anita, 8, antes dos 30 (Foto: Arquivo pessoal)

Catherine e Anita, 8 anos (Foto: Arquivo pessoal)

A bancária gaúcha Catherine Kütter, 32, é um exemplo. Quando a filha Anita, 8, nasceu, ela se achava jovem demais para ser mãe. "Nem passava pela minha cabeça ter um filho com 20 e poucos anos. Sempre imaginei ser mãe depois dos 30. Fazia um ano que estava morando junto, recém tinha começado a faculdade...", conta. Mas hoje, ao ser questionada sobre a possibilidade de ter o segundo filho, a resposta continua relacionada ao momento de vida. "Até quero. Mas agora falta coragem, tempo, grana e organização", responde.

Para a psicóloga, escritora e palestrante Marilene Kehdi, esse comportamento é resultado de uma mudança cultural. "Antigamente todos os casais deveriam constituir família. Eles namoravam, noivavam e já se falava sobre quantos filhos queriam ter, inclusive os nomes. Mas, hoje, as mulheres estão se perguntando 'O que é prioridade para mim?' Como, cada vez mais, elas querem consolidar a carreira, a relação, querem viajar ou apenas ter mais liberdade, as dúvidas começam a surgir", diz.

Isso, segundo a psicóloga, tem mudado as relaçãos. "Essa ideia conservadora de que se você casou, deve ter filhos ficou no passado. Hoje, os casais contemporâneos, quando começam a namorar, já chegam a uma decisão conjunta sobre ter ou não filhos. Então, quando um não quer, já avisa ao outro. E que bom que essas pessoas que não têm vocação, tempo ou projeto de ter filhos tenham essa consciência. Dessa forma, evitamos que os cuidados com as crianças sejam terceirizados e, no futuro, esses adultos também não vão carregar a culpa de não ter dado conta. Mas é importante que seja uma decisão consciente e bem trabalhada. Afinal, quem educa os filhos são os pais. Eles são os maiores exemplos. Pais ausentes deixam lacunas que podem trazer consequências negativas para a vida das crianças", afirma.

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Por outro lado, mesmo que em uma gravidez não planejada, a pesquisa revela que elas tendem a tornar-se desejadas à medida que os sentimentos das mulheres sobre o bebê evoluem. Segundo Catherine, depois que o filho chega, não tem jeito, o amor incondicional toma conta! Para a designer de unhas, Thatiane Garcia de Souza, 28, esse sentimento também chegou, embora tenha demorado um pouco mais. "Nunca tive vontade de ser mãe e nunca gostei de crianças. Quando eu engravidei, quase surtei! Meu filho nasceu e eu só chorava, não tinha ânimo pra ele", lembra. "Até que o sentimento mudou. Ele ficou doente e eu quase morri. Depois, veio a outra gestação, planejada, e correu tudo bem! Depois veio a terceira, gemelar, aí quase surtei de novo! E agora estou na quarta gestação. Resumindo: cinco filhos e completamente apaixonada por crianças", diz.

Novas orientações para as mulheres em dúvida

Esse fato pode transformar a maneira como os médicos e os formuladores de políticas pensam em planejamento familiar. "No passado, pensávamos nisso como binário, queríamos estar grávidas ou não, então precisamos de contraceptivos ou uma vitamina pré-natal", diz Maria Isabel, a especialista americana.

Segundo ela, nos últimos anos, alguns médicos foram encorajados a perguntar a todas as pacientes sobre o desejo de engravidar. Se elas dizem que não estão planejando a gravidez, ele oferecem formas de contracepção de ação prolongada que sejam mais eficazes. Já as que não têm certeza são orientadas a usar a contracepção com menos consistência e até tomar ácido fólico para a saúde fetal, por via das dúvidas. Ou seja, a nova evidência mostra a importância de prestar cuidados médicos contínuos a mulheres em idade reprodutiva, não apenas quando estão grávidas.

Toda mulher precisa ser mãe?

Os casais contemporâneos, quando começam a namorar, já chegam a uma decisão sobre ter ou não filhos. Então, quando um não quer, já avisa o outro”, completa. Foi o que fez a influenciadora digital Amanda Noventa, 36, criadora do site e canal Amanda Viaja. “Moro com o meu namorado há seis anos e, desde o começo, deixei claro que não tinha vontade de ser mãe. Ele sempre concordou e essa não é uma questão para nós”, conta.

Se Amanda está muito bem resolvida na relação, o problema é enfrentar os questionamentos da sociedade que, segundo ela, ainda acha que o normal é a mulher querer ser mãe. “As pessoas esperam que você mude de ideia porque, no fundo, não aceitam a sua escolha”, diz. E, muitas vezes, essa não aceitação vem de pessoas da própria família. A publicitária Mônica Rocha, 45, que o diga. “Eu sempre falei que não queria ter filhos. Eu e meu ex-marido tínhamos isso em comum acordo. Mas causamos uma crise na família quando decidimos reforçar a decisão, pois viviam cobrando um bebê”, lembra. Na época, eles queriam viajar pelo mundo e acreditavam que filhos davam muita despesa.

Para o psicólogo Yuri Busin, essa resistência também é resultado de um resquício cultural. “Muitas vezes, a pressão vem da própria família, como pais e avós, que acabam criando muitas expectativas. Temos o hábito de julgar o próximo. Não conseguimos entender e aceitar o outro, mas é fundamental ter consciência de que as pessoas são diferentes. Não é porque alguém tem um, dois ou mais filhos e é feliz que você também será”, explica. Diante dessa situação, a orientação é manter um posicionamento claro e firme.

CF307-ENGRAVIDAR-OU-NAO (Foto: Getty Images)

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“Acho que é importante o casal mostrar que sabe o que está fazendo, explicar os reais motivos e impor uma barreira para que as pessoas – mesmo os familiares – saibam que até podem opinar, mas devem respeitar a decisão”, diz. O psicólogo ainda faz um alerta: “Ter filhos para agradar aos outros – parentes ou mesmo o cônjuge – pode gerar frustrações futuras e sentimento de culpa. É importante entender e separar o que você realmente deseja do que as pessoas esperam de você. Por isso, o ideal é se conhecer, refletir, aceitar-se e saber que não há nenhum problema em relação à sua decisão”.

No entanto, isso não quer dizer que, com o passar dos anos, você não possa mudar de opinião. “Não há nenhum problema em reavaliar a situação. Não só em relação a filhos, mas a qualquer outra coisa na vida”, completa Yuri. E foi exatamente o que aconteceu com Mônica que, até então, não pretendia ter filhos, mas mudou de ideia após ter assumido o papel de mãe dos sobrinhos. “Minha cunhada morreu no parto, deixando dois filhos pequenos, um deles recém-nascido. Cuidar deles despertou a maternidade em mim. Na época, eu tinha medo de pegar um bebê tão pequeno no colo, mas em um piscar de olhos me vi fazendo mamadeiras e trocando fraldas. Se eu não tivesse passado por essa situação, acredito que não teria tido minha filha. Foi a melhor decisão que tomei na vida – e meu marido na época embarcou junto. Gabriela, 13 anos, é minha parceira, amiga e não me imagino sem ela”, afirma Mônica.

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