• Vanessa Lima
Atualizado em
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Toda grávida tem um brilho especial”; “Mas você sabe que comer chocolate demais faz mal para o bebê, não é?”; “Essa criança não vai passar do tempo de nascer?”. São muitas as informações com que as grávidas são bombardeadas diariamente. Da família. Dos amigos. De completos desconhecidos no metrô. Não é fácil filtrar o que é verdade e faz diferença na sua vida daquilo que não passa de palpite ou de frases soltas e mitos que deixam você ansiosa e ainda mais confusa. E, diferentemente do que possa parecer, com tantas fontes de informação disponíveis, nem sempre é simples saber o que é confiável ou entender com clareza tudo o que lemos por aí. Como se gestar um bebê, por si só, não fosse uma experiência assustadora o bastante. Sim, assustada. Foi assim que a filipino-americana Angela Garbes, 41 anos, se sentiu, quando descobriu que esperava uma filha.

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Antes disso, ela sofrera um aborto espontâneo. Alguns meses mais tarde, fez exames para saber se o seu corpo e, mais especificamente, seu útero estavam prontos para tentar de novo, mas decidiu, junto de seu parceiro, não focar em uma nova gestação. Em vez disso, optaram por curtir a vida e deixar tudo fluir espontaneamente. Para celebrar a resolução libertadora, o casal planejou uma noite descontraída, que começou com um jantar e terminou em uma balada de R&B dos anos 90, onde dançaram e cantaram, embalados por hits de Mariah Carey – e por algumas tequilas também.

Acontece que, no dia seguinte, ainda de ressaca, Angela acordou com o toque de seu celular. O visor indicava que, do outro lado da linha, estava seu médico. “Pulei da cama e tentei me recompor, como se ele pudesse me ver pelo telefone”, conta a jornalista. “Eu acho que você está grávida”, disse o médico a ela, que não conseguia processar o que ouvia. Ele então explicou que, pelos resultados dos testes que ela havia feito, notou-se que os níveis do hormônio beta-HCG haviam aumentado exponencialmente, e a única situação em que isso acontece é numa gravidez. “Eu não conseguia me controlar, nem ignorar. A gravidez percorreu todo o meu corpo e me causou lampejos de incertezas e possibilidades”, lembra ela, no livro recém-lançado Like a mother – A feminist journey through the science and culture of pregnancy (“Como uma mãe – Uma jornada feminista pela ciência e pela cultura da gravidez”, em tradução livre, ainda sem previsão de lançamento no Brasil).

Foi aí que 1 milhão de perguntas invadiram sua cabeça. Como ela podia estar esperando um bebê tão cedo depois da perda? Será que algo tinha acontecido ao seu filho porque, sem saber, ela tinha bebido na noite anterior? Todas as respostas que ela encontrava ou a apavoravam mais ou não faziam o menor sentido ou, pior, estavam repletas de julgamento. Então, Angela decidiu que precisava fazer algo a respeito –  por ela e por todas as outras mães que passam por isso em todo o mundo, a cada dia. “Existe um vácuo grande entre o que é a ciência, o que são as pesquisas e o que as pessoas sabem, de fato. Tive essa oportunidade e, apesar das dúvidas, decidi dizer ‘por que não eu?’ e abracei a ideia”, conta a jornalista, que é mãe de Noli, 3 anos, e Ligaya, 9 meses, em entrevista à CRESCER.

Ela arregaçou as mangas e foi atrás dos estudos, dos especialistas e de outras mães para investigar e trazer as respostas para uma linguagem que aproxime as mulheres e que as acolha, em vez de colocá-las na clássica (e, convenhamos, irritante) posição da grávida, sagrada, que não pode “sair da linha”. No caminho, fez descobertas fascinantes. Ou pelo menos encontrou uma maneira de explicá-las, de forma que ficasse claro como o nosso corpo é incrível. Confira o bate-papo:

CF304-LIKE-A-MOTHER (Foto: Divulgação)

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Por que é tão difícil receber informações confiáveis, mesmo com fácil acesso à internet, smartphones e redes sociais?
É complicado filtrar, porque existe uma imensidão de fontes e informações. Nem todas são confiáveis ou checadas. Se você passa muito tempo online, consegue achar a resposta que quiser.

As redes sociais ajudam ou pioram a vida das mães?
Provavelmente, um pouco de cada. As mídias sociais tornam possível a conexão entre as pessoas e a criação de uma comunidade, apesar da distância. Existem muitas hashtags sobre maternidade, amamentação e parto que fazem com que as pessoas se encontrem e compartilhem informações. Então, é bom. Mas as imagens predominantes não são tão representativas. Você vê mais mulheres brancas, por exemplo, e, nesse sentido, isso pode ser segregador.

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O que você diria para alguém que acabou de descobrir a gravidez e notou que há tantas dúvidas e, ao mesmo tempo,  tantos palpites?
Eu diria que está tudo bem se você confiar em si mesma. As pessoas nunca vão parar de emitir suas opiniões, mas só você sabe o que é melhor.

Quando alguém engravida, parece que seu corpo e suas ações se tornam públicos. As pessoas dizem: “Você não pode fazer isso”, “Não beba isso”, “Não coma aquilo”. Como lidar?
Gosto de pensar que parte disso começa como boa intenção. É a vontade de cuidar e de proteger o outro, mas acho que acaba enveredando para um caminho errado quando essas limitações começam a valorizar mais a saúde do feto do que a da mãe, e quando se trata o feto e a mãe como seres separados, opostos, ou então totalmente conectados. E aí começa a parecer uma maneira de controlar a mãe, em uma fase em que as pessoas estão particularmente vulneráveis.

Em 2019, mães ainda são vistas como “santas”, que não podem se divertir, ter prazer, sair sem as crianças. Por quê?
Se não lutarmos contra isso, nada vai mudar. As pessoas deveriam se preocupar com suas próprias vidas, mas, a menos que a gente insista que elas façam ao pai a mesma pergunta e parem de colocar toda a responsabilidade na mãe, não vai mudar. A responsabilidade da paternidade e da criação das crianças deveria ser compartilhada entre toda a comunidade.

Às vezes, as próprias mães julgam umas às outras, criando polarizações, como as que defendem o parto normal e as que defendem a cesárea, as que amamentam e as que dão mamadeira, as que trabalham fora e as que ficam em casa… Como você vê esse comportamento?
Acredito que é menos uma questão de querer julgar e brigar umas com as outras do que o fato de que as mulheres, quaisquer que sejam suas escolhas, não têm apoio suficiente. E isso em tudo: desde o conhecimento aos processos do corpo à licença-maternidade e paternidade, passando pela valorização do trabalho doméstico. Se as pessoas se sentissem totalmente amparadas em suas escolhas, elas se importariam menos com o que os outros fazem e haveria menos divisão.

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É comum que pesquisas e livros digam às mães que elas precisam “deixar o pai ser pai e fazer seu papel, mesmo que eles errem”. O que você acha sobre essa questão?
Muitos pais de primeira viagem, independentemente do gênero, não têm ideia do que eles estão fazendo. Então, o que significa “errar”? As mulheres devem apoiar os homens, assim como os homens devem apoiar as mulheres, enquanto todos descobrem como é ser pai ou ser mãe.

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Por que, na maioria dos casos, as mães entram em grupos, pesquisam, conversam umas com as outras e os pais simplesmente tentam, às vezes erram, e não são julgados? Pelo contrário: eles são até elogiados (“Você tem sorte porque ele, ao menos, está tentando”).

Isso acontece porque a expectativa cultural é de que o trabalho de criar um filho seja mais da mãe. As expectativas são muito baixas para os pais, homens. Isso é uma entre tantas coisas que precisam mudar.

As mulheres estão deixando a condição de ouvintes passivas no consultório de obstetras e pediatras e adotando uma postura de quem também traz informações, compara e questiona. Para você, essa transformação é positiva?
Um bom profissional de saúde não pode se sentir ameaçado por uma paciente que quer mais informação. Ela tem todo o direito de entender o que está acontecendo em seu corpo.

A maneira como criamos nossos filhos também influencia em como eles se comportarão no futuro. Como ensiná-los também a questionar e a buscar informações?
As crianças são naturalmente muito questionadoras e curiosas. Tudo o que precisamos fazer é encorajá-las e não barrar seu caminho.

Se, algum dia, no futuro, suas filhas decidirem ser mãe, o que você gostaria que fosse diferente para elas?
Minha principal esperança é que elas possam viver em uma sociedade onde mulheres e pessoas de todas as cores sejam totalmente iguais. Assim, tudo seria bem diferente e melhor – tanto para elas, quanto para seus filhos.

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