• Juliana Malacarne, do home office
Atualizado em
Pesquisadores dizem que vitaminas podem reduzir risco de autismo (Foto: Pexels)

Menino sentado ao lado de bichinho de pelúcia (Foto: Pexels)

A pandemia transformou a vida de todas as famílias, mas, para as que têm uma criança com autismo o isolamento trouxe consequências severas para o desenvolvimento dos pequenos. De acordo com a psicóloga e psicanalista Fátima Batistelli. membro do departamento de saúde mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo, a quarentena trouxe frustração e insegurança para todos, mas, para os autistas, processar esses sentimentos é particularmente desafiador. “As crianças que estão no espectro autista têm muita dificuldade de lidar com o diferente e mudança de rotina pode fazer emergir agressividade e a retomada de comportamentos negativos que já não estavam mais presentes”, disse Fátima.

Mesmo respeitando as medidas para evitar a transmissão do coronavírus, é muito importante, especialmente para famílias de crianças com autismo, manter uma rotina para que os impactos negativos sejam amenizados. “Sempre que possível, a presença dos pais e cuidados em brincadeiras e atividades, pode resgatar os pequenos para o prazer do contato humano. O ideal é que os adultos da família tenham com quem dividir essa responsabilidade do cuidado para que também possam ter momentos reparadores. Sabemos que isso, infelizmente, nem sempre acontece, então é preciso estar consciente de suas limitações e evitar autocobranças exageradas”, explica a psicóloga.

Apesar de todo sofrimento trazido pela pandemia, ela pode ser uma oportunidade para se aproximar das crianças.  Para Fátima, o momento traz uma possibilidade significativa de crescimento e aprendizado para filhos e pais. “É preciso estar próximo, acolher e aprender muito com os pequenos também. Ninguém gostaria de estar passando por isso, mas temos que fazer adaptações para lidar da melhor forma possível e seguir em frente”, afirmou.

Conversamos com três mães de crianças com autismo que estão passando pela pandemia ao lado de filhos que tem muita dificuldade em lidar com as mudanças na rotina. Nos depoimentos, elas contam como foi a adaptação depois da suspensão das atividades presenciais e comentam os principais desafios enfrentados nesse período. Confira:

Priscila Costa e o filho Rafael, de 10 anos (Foto: Arquivo pessoal)

Priscila Costa e o filho Rafael, de 10 anos (Foto: Arquivo pessoal)

“O Rafa foi diagnosticado com autismo aos 5 anos, mas começamos a investigação antes dos 2, ao perceber que ela não estabelecia contato visual. O grau dele é leve. Hoje em dia, está com 10 anos e, no começo da pandemia, ficou apavorado com as notícias muito antes de acontecer a primeira morte no Brasil. Ele tem o costume de assistir documentários sobre animais perigosos e adora ciência, então, quando a Covid-19 surgiu, ele acreditava que seria um vírus que mataria todos nós e chegou a ter crises de choro. Paramos de assistir TV por um tempo e de conversar sobre a pandemia ou demonstrar preocupação na frente dele. Ele é muito sensível e capta tudo ao redor, mas aos poucos, com diálogo, foi se acalmando, e conseguiu transformar esse medo em determinação para seguir com as recomendações necessárias para evitar a transmissão do vírus.

Aqui em casa seguimos o isolamento com rigidez até porque o Gabriel, meu filho mais velho pertence ao grupo de risco por ser cardiopata. Em um ano eles saíram menos de 10 vezes de casa, geralmente para alguma consulta médica importante. Por um lado, o Rafa adorou as aulas online porque tem a audição bem sensível e adora o fato de poder controlar o volume dos fones e não ter tanto barulho feito pelos colegas, mas as interações e o vínculo com os amigos têm feito muita falta.

Descobrimos, no final de 2019, que o Rafa tinha um problema no processamento auditivo. Começamos um tratamento para auxiliá-lo nessa dificuldade, mas ele precisou ser interrompido, como outras terapias, e, na prática, não conseguimos nem saber se teve o efeito esperado. Ele também suspendeu a natação, único esporte que fazia além da educação física do colégio e acabou engordando um pouco. A psicoterapeuta permanece fazendo o atendimento online, o que tem sido importante para ele ter um contato fora do ambiente familiar. Não é fácil ter filhos com qualquer condição que saia do "comum", mas é muito mais tranquilo hoje em dia, depois que conseguimos estabelecer uma nova rotina. Felizmente, o Rafa está sempre ligado nos assuntos sobre a pandemia, entende a situação e prefere ficar em casa atualmente.

Priscila Gomes Alves da Costa, mãe de Gabriel, 14, neurotípico e Rafael, 10, que tem autismo, de Diadema (SP)

Flávia Dal Secco com os filhos Bernardo, 6, e os gêmeos Alexandre e Henrique, 3 (Foto: Arquivo pessoal)

Flávia Dal Secco com os filhos Bernardo, 6, e os gêmeos Alexandre e Henrique, 3 (Foto: Arquivo pessoal)

“Meus gêmeos Alexandre e Henrique foram diagnosticados com autismo aos 2. Eles não são idênticos e atualmente tem 3 anos. Começamos a perceber que havia algo diferente por eles terem muita dificuldade de se expressar apesar de compreender o que é dito. Percebia que se eu não entendia o que eles queriam, ficavam nervosos, mas não sabiam nem gesticular para se comunicar.

No ano passado, quando as aulas presenciais foram suspensas, eles ficaram extremamente irritados com a mudança de rotina. Foi bem difícil. Eles passaram a apresentar alguns comportamentos que não tinham como morder as camisetas. Eles mastigavam as golas das blusas até estragar. As terapeutas foram nos orientando e comprei mordedores adequados para redirecionar esse impulso. Foi bem complicado também lidar com as crises intensas de birra e choro.

Eles perderam muito em relação a socialização e é impossível fazê-los sentar e ficar parados para assistir as aulas online. Com o retorno das aulas presenciais, no começo desse ano, melhorou muito, mas quando elas foram suspensas novamente, os comportamentos mais difíceis retornaram. Mantivemos a terapia, por vezes online, por vezes presencial, mas é inegável que eles poderiam ter evoluído muito mais se não fossem as restrições necessárias por causa da pandemia. Sei que as repercussões desse período, infelizmente, ainda não acabaram. Ano passado, nessa época, estava desesperada pensando em tudo o que eles estavam perdendo, mas hoje, apesar de lamentar, sei que estamos fazendo tudo o que podemos e continuamos torcendo para voltar a vida normal”.

Flávia Dal Secco, mãe de Bernardo, 6, neurotípico e os gêmeos Alexandre e Henrique, 3, que têm autismo, de São Paulo (SP)

Silvana Taís Winkelmann e a filha Agatha, 5 (Foto: Arquivo pessoal)

Silvana Taís Winkelmann e a filha Agatha, 5 (Foto: Arquivo pessoal)

“Minha filha Agatha tem 5 anos e foi diagnosticada com autismo aos 2, quando começou a ir à escolinha e os professores nos alertaram para alguns comportamentos que não eram típicos e já vínhamos percebendo. O grau dela é moderado e ela ainda não fala. Quando as restrições por causa da pandemia começaram foi muito difícil porque houve uma mudança total na rotina e as terapias foram interrompidas.

Ela tinha uma rotina bem-organizada, todos os dias ia para escola e para as terapias, e de uma hora para a outra tudo foi suspenso. Ela ficou muito agressiva, ansiosa e irritada com a mudança. Explicávamos por que ela não poderia sair e ela não entendia, nos levava até a porta e ficava frustrada. Começou a regredir em relação a alguns comportamentos como autoagressão, jogar as coisas no chão e fazer birra. O primeiro mês de confinamento foi extremamente difícil.

A Agatha ficou quatro meses sem terapia, até que as profissionais voltaram a atender nos consultórios particulares e ela começou a melhorar. Nesse intervalo, ela perdeu habilidades que já havia conquistado e foi complicado. A medicação dela precisou ser readequada. Fazemos nosso melhor para sempre ter um horário para fazer as atividades da escola com ela, mas nem sempre é possível. Somos só meu marido e eu, sem ajuda de terceiros e ambos trabalhamos. Não há tempo para descanso.

Ainda que ela tenha o irmão, o contato com outras crianças fez muita falta. Antes da pandemia, ela adorava caminhar e gostava de frequentar parques e praças. Agora, quando saímos para dar uma volta pelas ruas tranquilas do bairro, ela fica super irritada, agressiva e pede para voltar para casa. Precisamos passar por isso da melhor forma possível, para que nossos pequenos não sejam tão prejudicados, mas não é nada fácil. Toda a família de um autista precisa de acompanhamento, ajuda, apoio, suporte emocional.

O lado positivo foi que pudemos acompanhar as crianças mais de perto, fortalecer os vínculos, e principalmente aprender, pois tivemos que buscar conhecimento sobre coisas que antes eram tarefas dos profissionais e isso nos engrandeceu muito. Mas me preocupo com as famílias que não tem condições de levar os filhos em terapias particulares. Na minha visão, os atendimentos públicos e os serviços oferecidos pelos estabelecimentos de ensino não podem ser suspensos. O ideal seria que os pais escolhessem se querem enviar os filhos ou não, respeitando a individualidade de cada caso".

Silvana Taís Winkelmann, mãe de Agatha, 5, que tem autismo e Colin, 2, neurotípico, de Bento Gonçalves (RS)