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Mães se desdobram para tornar a vida dos filhos mais confortável (Foto: Thinkstock)

Mães se desdobram para tornar a vida dos filhos mais confortável (Foto: Thinkstock)

No mês das Mães, também se celebra o Dia Mundial da Mucopolissacaridose (15 de maio), doença rara e grave, capaz de comprometer diversos sistemas do organismo. Rigidez articular, alterações na face, volume da cabeça aumentado (macrocefalia), acúmulo de secreções—que favorece a ocorrência de infecções respiratórias–déficit de crescimento, abdômen aumentado, perda auditiva e da visão, comprometimento das válvulas do coração e apneia do sono estão entre as consequências que esses pacientes enfrentam, dependendo da forma como a patologia se manifesta.

Algumas mulheres se negam a aceitar as limitações impostas por essa e por outras enfermidades raras aos seus filhos e, por isso, travam uma batalha por dia: por diagnóstico, por acesso a medicamento, pelo direito de estudar, pelo fim do preconceito, por um sorriso no rosto. E pela chance de viver.

Conheça, a seguir, experiências inspiradoras de mulheres que reuniram forças para encarar essa luta:

“Sei que eles vão encontrar dificuldades, mas tenho de estar ao lado deles para mostrar o melhor caminho”


“O Maycon tinha problemas respiratórios frequentes, mas o diagnóstico de mucopolissacaridose só veio com 5 anos, quando eu já estava grávida do Matheus. As articulações dele não tinham uma distenção completa, o formato da cabeça era típico da doença e as mãos, em forma de garra, chamaram a atenção da médica. Os exames confirmaram que ele tinha mucopolissacaridose tipo 2. Ou seja, tive de lidar, ao mesmo tempo, com essa descoberta e com o receio de que o bebê que estava em minha barriga também manifestasse a mesma alteração.

Não pensei a respeito. Parecia que um buraco se abriu no chão e eu caí nele. Eu sabia que não havia tratamento para certos tipos da enfermidade e só queria saber qual era a forma que meu filho apresentava. E, quando eu descobri, só consegui agradecer a Deus por existirem recursos disponíveis. Pensei: ‘Tenho de aprender a conviver com isso, pensar no lado bom’.

Evitei refletir sobre o problema e fui buscar soluções. Recorri à associação de pacientes, que deu suporte no processo judicial para obtenção de medicamento (Por se tratar de uma droga de alto custo e não incorporada ao SUS, essa é a única forma de obtê-la). O Maycon já tinha algum prejuízo motor e eu sabia que o problema podia se agravar, sem o remédio. Fiquei muito apreensiva. Tinha medo que o pedido fosse indeferido. Felizmente, isso não aconteceu.

Com 3 meses de vida, Matheus também recebeu diagnóstico. Fiquei insegura, sabendo que teria de enfrentar uma jornada dupla. E, quando estava me preparando para fazer uma laqueadura, engravidei do Marlow, mesmo tomando anticoncepcionais corretamente. Tomei um susto. Fiquei muito nervosa e fui chorando do consultório até a minha casa. Depois, entendi que era mesmo para eu ter mais um bebê. Marlow também tem mucopolissacaridose e começou a receber tratamento logo cedo, aos 3 meses de vida.

Meus três filhos recebem infusão do remédio, uma vez por semana, e, quando a entrega falha (eles chegam a ficar dois meses sem medicamento), sofrem muito o impacto, principalmente na parte respiratória. Mas, no período em que são medicados, a qualidade de vida deles é muito boa. O Maycon foi eleito o melhor aluno da escola, é muito inteligente. O Matheus é só um pouquinho agitado, mas passa por acompanhamento médico. E o Marlow sequer apresenta sintomas.

Agradeço a Deus por ter meus filhos, pois me trouxeram muito aprendizado. Sei que eles vão encontrar dificuldades, mas tenho de estar ao lado deles para mostrar o melhor caminho. Acredito que tudo tem um propósito.”
Aveline Redondo, 29 anos, mãe de Maycon, 10, Matheus, 5 e Marlow, 3. De Sorocaba (SP)

“O médico virou para mim e disse: ‘Seu filho vai ficar cego, não vai andar, não vai falar e vai morrer antes dos 5 anos”

Gestação de primeiro filho é complicado. Você fica insegura, só quer que venha com saúde. Há 30 anos, o receio maior era a síndrome de Down. Quando o Niltinho nasceu, eu tive pré-eclâmpsia, fiquei meio dopada durante um período. Com três dias de vida, ele já começou a apresentar problemas, parava de respirar enquanto dormia, ficava roxo. Depois, ele se estabilizou e teve alta, mas eu sabia que havia algo de errado.

Não se dormia na minha casa. Niltinho chorava a noite inteira. Vivia tendo febre. Eu o comparava com meu sobrinho, recém-nascido, e percebia que meu filho não era normal. Só recebemos o diagnóstico, porém, quando ele completou cinco meses. O médico virou para mim e falou ‘Seu filho vai ficar cego, não vai andar, não vai falar e vai morrer antes dos 5 anos ‘. Eu olhava para aquela criança, brincando, interagindo, e aquilo não fazia sentido.

O médico também advertiu que eu não deveria mais engravidar, pois o risco de recorrência era alto, de 25%. Na semana seguinte, porém, comecei a ter enjoo, a menstruação atrasou e descobri que estava grávida do Dudu.

Certa vez, levei o Niltinho a uma consulta e o Dudu foi junto. A médica olhou para ele e disse “Dois filhos com mucopolissacaridose, mãe?”. Em seguida, ela fez uma punção na medula óssea e o exame confirmou o diagnóstico. Vivemos outro luto.

Abri mão da vida profissional para cuidar dos meus filhos. Estava matriculada em um curso, para ser pedagoga, mas tive de abandonar. O Niltinho, que tinha por volta de 4 anos, vomitava frequentemente, tinha diarreia e muito muco. Vivia com o nariz entupido. Naquela época, não se sabia nada sobre a doença. Não existia tratamento específico. Era tudo por tentativa e erro.
Eles foram para a escola porque eu banquei. Eles teriam uma vida curta, mas queria que fosse plena, que eles fossem felizes. Sempre contei com o acolhimento dos educadores. Quando Niltinho faleceu, com 6 anos, todos foram em casa me apoiar. Quando Dudu perdeu a visão, a diretora da escola doou uma máquina de braile, para que ele pudesse fazer as lições de casa.
Em 2001, o Marcio, pai de um paciente de Campinas, resolveu fundar uma associação. Eu me uni a ele, para tentar trazer mais pesquisas clínicas e tratamentos para o Brasil. Fomos nós que trouxemos o primeiro medicamento para cá.

Hoje, o Dudu tem 27 anos, passou em um concurso público e faz questão de se expor, na mídia, para levar conhecimento sobre a doença às famílias. Leo, felizmente, nasceu sem a doença e renovou as energias da família, após a morte do irmão.

Meu conselho para as outras mães é continuar investindo no filho, mesmo que o prognóstico dele seja ruim. Senão, o atestado de óbito estará assinado antes de ele ir embora. Acreditem em seus filhos, matricule-os na escola, ajude na sociabilização. A sociedade irá enxergá-lo da forma como você enxerga. Ninguém irá respeitá-lo se você não der o respeito que ele merece”.
Regina Próspero, 51 anos, mãe de Nilton, que faleceu aos 6 anos (hoje, ele teria 28), de Eduardo (Dudu), 27, e de Leonardo, 18. É presidente do Instituto Vidas Raras, dedicado à assistência de portadores de doenças raras. De São Paulo (SP)

“Vivemos cada dia como se fosse o último, sempre mantendo a fé em primeiro lugar”

“Nunca voltei para o quarto com meus filhos, na maternidade. Eu ia para o quarto e eles, para a UTI. Os três, ao nascer, apresentaram problemas respiratórios—mesmo a Larrainy e o Arthur, que não têm nenhuma doença. De tanta tensão, meu leite secava e, por isso, também não amamentei.

A gravidez da Gabrielly foi especialmente complicada. Um mês antes do parto, minha pressão subiu muito, tive diabetes gestacional. Mesmo assim, o parto foi humanizado. Mas, quando ela nasceu, percebi que o formato dos seus olhos era diferente.

Nos primeiros meses de vida, a Gabrielly não dormia, e descobrimos que ela tinha uma forma de mucopolissacaridose—a síndrome de Sanfillippo A–, que é bastante agressiva, não tem tratamento para barrar sua progressão e representa uma expectativa de vida de 8 anos.
Juro que não queria ser guerreira, passar por tudo o que eu passo. Só queria ser uma mãe normal. Recentemente, a geneticista me falou sobre um tratamento incipiente, a terapia gênica, e alimentei uma pequena esperança. Vou me agarrar nela.

Só gostaria que a sociedade e o governo nos dessem mais oportunidades. Que minha filha tivesse acesso a fonoaudiólogo, psicólogo e outros profissionais que ajudariam a melhorar sua qualidade de vida, ao invés de termos de enfrentar, toda hora, filas em universidades. Inclusão, na minha experiência, não existe. Já aconteceu de colocarem a Gabrielly no fundo da sala, cercada, para não sair. Perdi as contas de quantas vezes tive de recorrer à delegacia de ensino.
Meus outros dois filhos também me dão muita força. Eles amadureceram depressa, o que, acredito, vai torná-los adultos melhores. E não desisto, manteho a fé em primeiro lugar. Sugiro que os pais de pacientes se unam a outras famílias que vivenciam um problema semelhante. Vivo cada dia como se fosse o último”.
Livia Borges de Queiroz, 41 anos, mãe de Larrainy, 15, Gabrielly, 8 e Arthur, 7. De São Paulo (SP)

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