• Lia Bock
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Mãe com filhos mexendo em tablet (Foto: Getty Images/ Michael Heffernan)

Mãe com filhos mexendo em tablet (Foto: Getty Images/ Michael Heffernan)

"A vovó vai morrer?", pergunta a neta de uma jovem senhora em fase de quimioterapia.

"Você é o pai mais paranóico de todos!", grita a pré-adolescente filha de um pai asmático.

"F**a-se o coronavírus!", escreve o garoto puto que teve o futebol cancelado.

"Todo mundo devia morrer e sobrar só os animais. Porque tudo de ruim é causado pelos seres humanos", filosofa outro.

Eu sei que ser pai e mãe neste momento sem escola, sem atividades fora, com home office e sem muita explicação pra dar não tá bolinho. Mas vamos combinar que não está fácil ser criança neste março de 2020.

Assim como a população da Vila Madalena que ainda ontem se dividia entre os que se recolhiam e os que lotavam os bares e gargalhavam, bem pertinho um do outro, as crianças também estão divididas. Têm aqueles que estão acompanhando de perto as notícias e paranóicos com a possibilidade de perder entes queridos e tem aqueles que só estão com ódio desse momento bizarro "bem na vez deles".

Lidar com ambos os comportamentos não é fácil, principalmente para quem já está sem ajuda em casa porque sabiamente dispensou a diarista e ainda tem que fazer home office.

É difícil colocar a situação sem causar pânico e ao mesmo tempo sem ser negligente. Baita desafio para pais mães.

Mas, sempre dá pra olhar pelo o lado positivo, vamos a ele.

Essa pandemia traz algumas oportunidades. A primeira delas vem com o excesso de convivência, que claro, em alguns momentos é penoso, mas vendo com distanciamento, pode nos trazer algo único: estarmos muito próximos de nossas crianças por muito tempo e numa rotina que não é a das férias. Para muitos de nós, pais que trabalham fora, o tempo de voo com nossos filhos é restrito e por mais que nos esforcemos nunca conseguimos estar perto em todos os momentos.

Pois o coronavírus vai fazer isso por nós. E isso exigirá a organização de uma rotina específica que pode trazer várias coisas bacanas para a vida familiar. Jogos de tabuleiro, leituras conjuntas, tédio compartilhado, filmes para todas as idades e claro: atividades
domésticas. Quantos de vocês lava a roupa, varre a casa e cozinha junto com as crianças. Privilegiados que somos (tenhamos consciência) não precisamos e não costumamos fazer esse tipo de atividade em família. Quando assumimos os afazeres da cada é comum que
haja outra atividade para as crianças, não é mesmo?

Pois com o coronavírus vai ser diferente.

No zap do grupo da escola já chegaram algumas matérias gringas sugerindo tabelas de atividades para a quarentena. Elas me pareceram bem interessantes e realistas. E o que me chamou a atenção é como colocam pais, mães e filhos juntos em prol de uma causa comum.
Bacana isso.

É importante que as crianças tenham consciência de porque estamos fazendo tudo isso. Que entendam aquele gráfico com o pico da epidemia, que saibam que os hospitais têm limite de capacidade e que nós podemos não ser o grupo de risco, mas está nas nossas mãos
proteger os outros. Baita lição de vida, não é mesmo? Ótima oportunidade para entender a importância de cada um de nós no coletivo e aplicar conceitos de amor ao próximo tão esquecidos em tempos de posições extremadas.

E para aqueles que chegaram até o fim deste texto com um ponto de interrogação na cabeça porque seus patrões e chefes não liberaram a equipe, um pedido: cobre uma posição, exija consciência. Ninguém quer ver a economia parar, mas estamos juntos nessa e a recomendação é o isolamento, não para salvar a nós mesmos, mas para salvar a todos.

Lia Bock (Foto: Arquivo pessoal/ Lia Bock)

Lia Bock (Foto: Arquivo pessoal/ Lia Bock)

Lia Bock é jornalista, escritora e mãe de 4 crianças. É autora do Meu primeiro livro, um diário inclusivo para registro dos primeiros anos de vida e do Manual do mimimi, com crônicas sobre relacionamento. Também é comentarista na televisão, colunista do UOL e editora da Plataforma Hysteria.

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