Um Só Planeta

Por Yara Guerra

Pense na estética das cidades que são cenários para filmes e séries pós-apocalípticos, como a icônica cena da girafa em The Last of Us. Além da adrenalina pela sobrevivência, outro elemento se repete nessas narrativas: a vegetação que invade a arquitetura das edificações urbanas, que perdem muito de seu uso no enredo das tramas.

Na realidade, essa presença intensa do verde, em contraste com o concreto e o ferro, é a base de uma tendência arquitetônica que vem ganhando popularidade nas redes sociais: o eco brutalismo.

Trata-se de uma releitura do movimento brutalista dos anos 1950, agora com uma proposta de soluções de baixo impacto ambiental, luz e vegetação. Ao olhar leigo, a ideia pode parecer positiva, mas especialistas têm questionado se a tendência é realmente ecológica, como adianta em seu nome. Abaixo, discorremos mais sobre o tema.

O que é eco brutalismo?

Segundo Luiza Bueno Royer, arquiteta do escritório Selva Urbana, o eco brutalismo é uma tendência estética que busca resgatar características do movimento brutalista, mas com uma nova roupagem – trazendo vegetação, luz e soluções de baixo impacto ambiental para este tipo de edificação.

"Essa estética gera contrastes entre o ambiente construído e a natureza, causando sensações contraditórias, como o impacto do concreto e o aconchego do verde ao mesmo tempo", diz ela, cuja atuação é voltada para desenvolvimento de projetos com baixo impacto ambiental.

Aliás, está aí o apelo do eco brutalismo: na busca pelo equilíbrio entre o verde, que referencia o natural; e o concreto, que expressa a tecnologia e o urbano, a estética diminui a opressão da arquitetura brutalista. É o que explica Natan Nigro, arquiteto e urbanista pós-graduado em Política e Gestão Cultural e coordenador de projetos com foco em soluções bioclimáticas do estúdio R.O.D.A:

"Eu entendo que colocar o verde em meio à monumentalidade do brutalismo humaniza um pouco a arquitetura, mas que também é uma forma de fazer greenwashing – de conferir uma aparência de 'ecologicamente correta' para um formato de produção de espaço que é 'ecologicamente questionável'".

Ele diz que, como ainda não há produção material significativa e de amplo debate sobre o eco brutalismo na Academia e fora dela, ainda não podemos afirmar que se trata de um movimento arquitetônico estabelecido.

Todavia, para Luiza, pode-se atribuir a origem da tendência à própria necessidade de dar um novo uso a às edificações brutalistas antigas, que sofrem bastante com questões de manutenção e adaptação às mudanças de clima.

"Por volta dos anos 2000, após diversos edifícios brutalistas terem sido demolidos, a crítica ambiental foi grande. Daí começaram a surgir obras incorporando vegetação, luz, e até mesmo soluções sustentáveis em edifícios antigos, chamando então essa abordagem de eco brutalista", explica a arquiteta.

Por não haver muito estudo sobre o eco brutalismo, ainda não podemos considerá-lo como um movimento consolidado. Trata-se mais de uma tendência estética que se popularizou nas redes sociais — Foto: X / @TejoMattioli / Reprodução
Por não haver muito estudo sobre o eco brutalismo, ainda não podemos considerá-lo como um movimento consolidado. Trata-se mais de uma tendência estética que se popularizou nas redes sociais — Foto: X / @TejoMattioli / Reprodução

Outra possibilidade de surgimento da tendência, segundo ela, está mais relacionada à questão artística: obras brutalistas são consideradas por muitos como sombrias, e muitas vezes mais “instagramáveis”.

"Lugares como Chernobyl, abandonada e tomada pela natureza, caíram no gosto popular nos últimos anos. É uma estética bem específica, que remete à relação do homem e da natureza com o espaço construído e a exploração do meio ambiente", comenta.

Relação com o brutalismo e o Novo Brutalismo

Para entender melhor sobre o eco brutalismo, é preciso voltar um pouco à história e analisar os movimentos arquitetônicos que o inspiraram. O brutalismo se originou no período pós-guerra, por volta dos anos 1950, na Grã-Bretanha. O objetivo era reconstruir as cidades, mas frente ao empecilho do orçamento, que era limitado.

"O movimento expressa uma arquitetura monumentalista, que tem uma escala muito grande em função do contexto social. No pós-guerra, precisava-se de programas de habitação social e estruturas espaciais de grande porte para atender às demandas do momento", conta Natan.

Como o brutalismo, o eco brutalismo usa do concreto em suas edificações. Na foto, Palácio da Assembleia em Chandigarh, na Índia, um projeto brutalista de Le Corbusier — Foto: Wikipedia / Tanweer Morshed / Wikimedia Commons
Como o brutalismo, o eco brutalismo usa do concreto em suas edificações. Na foto, Palácio da Assembleia em Chandigarh, na Índia, um projeto brutalista de Le Corbusier — Foto: Wikipedia / Tanweer Morshed / Wikimedia Commons

Por outro lado, havia um contexto tecnológico e material muito pujante do uso de ferro e concreto, que respondiam bem às finalidades práticas e funcionais do movimento. "Grandes arquitetos, como o próprio Le Corbusier, criaram obras com essa abordagem, que consiste em apresentar os materiais em sua forma mais bruta e aparente", diz Luiza.

A maioria dessas edificações, segundo ela, é conhecida por seus grandes volumes de concreto armado aparente (ou “béton-brut” em francês – daí o nome), elementos estruturais expostos, além de serem geralmente monocromáticas. "O período ficou conhecido por ter uma estética mais sombria (condizente também com o contexto social da época)", acrescenta.

O Novo Brutalismo tinha como objetivo deixar a estrutura do prédio totalmente exposta. Na foto, Villa Göth, na Suécia – casa para a qual o termo foi usado para descrever primeiro — Foto: Wikipedia / Sebastian F  / Wikimedia Commons
O Novo Brutalismo tinha como objetivo deixar a estrutura do prédio totalmente exposta. Na foto, Villa Göth, na Suécia – casa para a qual o termo foi usado para descrever primeiro — Foto: Wikipedia / Sebastian F / Wikimedia Commons

Já o Novo Brutalismo (ou Nybrutalism) foi uma vertente muito similar ao movimento brutalista que se popularizou no Reino Unido, caracterizando-se por deixar a estrutura do prédio totalmente exposta, seja ela feita de tijolos maciços aparentes, seja feita de concreto, inclusive sem acabamentos na parte de interiores.

"Os movimentos se entrelaçam e podemos dizer que consistem em uma mesma linha arquitetônica que busca criar projetos simples, minimalistas, de forma funcional e modesta, sem muito apelo estético a tudo que seja decorativo", explica Luiza.

Esse tipo de arquitetura, com influência direta da filosofia socialista, fazia muito sentido para um mundo em reconstrução, onde as verbas para obras públicas e sociais eram extremamente limitadas. "Foram justamente esses os maiores exemplares do movimento, inclusive no Brasil, com museus, faculdades, habitações sociais, entre outros", diz a arquiteta.

Ela diz ainda que a vertente e suas características foram muito importantes para criar conceitos que acreditamos serem pertinentes ainda à arquitetura contemporânea, como minimizar o uso de adornos nos projetos e manter a chamada “verdade dos materiais” – ou seja, utilizar os materiais tais como são, em sua forma natural e original, sem tentar imitá-los.

Eco brutalismo, uma ideia de futuro

Além das referências ao brutalismo e ao novo brutalismo, outra característica do eco brutalismo é a ideia de futuro – não à toa, é uma parte importante de produções cinematográficas de estilo sci-fi ou pós-apocalíptico.

"Eu acho que há essa intenção de expressão meio sci-fi que se relaciona com uma projeção de futuro da humanidade; de como nos enxergamos nos próximos anos, mantendo o ambiente urbano e a questão técnica e material da produção do espaço, mas sem perder essa conexão com a natureza", diz Natan.

A estética do eco brutalismo pode estar relacionada à nossa ideia de futuro. Na foto, as partes externas e internas dos prédios da série "The Last of Us" apresentam vegetações que transmitem um ar de local abandonado — Foto: HBO Max / Reprodução
A estética do eco brutalismo pode estar relacionada à nossa ideia de futuro. Na foto, as partes externas e internas dos prédios da série "The Last of Us" apresentam vegetações que transmitem um ar de local abandonado — Foto: HBO Max / Reprodução

Para ele, o eco brutalismo talvez seja a busca de construir uma imagem para o nosso futuro em meio a um cenário de tantas incertezas provocadas pela emergência climática.

"Ainda não sabemos exatamente qual será o resultado dessas mudanças, porque estamos no começo do processo. Sabemos que elas promoverão um impacto muito grande, e talvez essa trend seja uma forma de expressar o que pode ser o futuro das cidades e da própria arquitetura", completa.

Eco brutalismo é mesmo eco?

A grande polêmica do eco brutalismo está em seu próprio termo, já que "eco" faz referência a ecológico ou ecologicamente correto, mas os arquitetos apontam algumas controvérsias em relação à estética.

Não se pode negar que a vegetação é capaz de melhorar o microclima do ambiente e o bem-estar dos moradores, como também humaniza a arquitetura.

O eco brutalismo não é ecologicamente correto por simplesmente inserir mais vegetação à estrutura — Foto: X / @slutpilled / Reprodução
O eco brutalismo não é ecologicamente correto por simplesmente inserir mais vegetação à estrutura — Foto: X / @slutpilled / Reprodução

Além disso, ao dar um novo uso a uma edificação existente, o eco brutalismo garante uma solução em termos de sustentabilidade e urbanismo, visto que se minimiza o gasto de recursos para construir algo novo, e se aproveita as estruturas que existem, melhorando inclusive a paisagem das cidades.

"O prédio não é ecologicamente correto porque você está inserindo vegetação. Essa é uma associação que as pessoas fazem ordinariamente, mas não é necessariamente assim que vamos atingir um grau de redução do impacto ambiental na arquitetura", pontua Natan.

Para Luiza, o perigo ocorre quando a estética cai no gosto popular meramente por sua abordagem estética: "Recentemente, construções eco brutalistas viralizaram nas redes sociais, e aí a pauta torna-se perigosamente superficial: pessoas que amam esse tipo de estética, passam a acreditar que uma construção repleta de concreto aparente é sustentável, apenas porque tem a palavra 'eco' em seu nome e muita vegetação", diz.

Porém, o que a maior parte da população não sabe é que o concreto é um dos principais vilões da sustentabilidade no setor da construção civil, sendo responsável pelas maiores taxas de emissão de CO² atribuídas ao setor. Isso, por sua vez, representa custos ambientais, energéticos e sociais altíssimos.

Luiza explica também que, para executar o concreto, acaba sendo empregado o uso de diversos recursos naturais em excesso – como areia, cascalho e água. "Muitos arquitetos adeptos da vertente eco brutalista buscam novas formas de construir com materiais que tenham menor pegada de carbono, o que já auxilia bastante", diz.

A produção de concreto tem uma alta pegada de carbono e um gasto energético relativamente alto, quando comparado à produção de outros materiais — Foto: Freepik / kjpargeter / Creative Commons
A produção de concreto tem uma alta pegada de carbono e um gasto energético relativamente alto, quando comparado à produção de outros materiais — Foto: Freepik / kjpargeter / Creative Commons

"Mas, no geral, este é um ponto que deveria ser cuidadosamente observado e questionado especialmente se queremos usar a palavra 'eco' em algum projeto, pois facilmente podemos estar praticando o famoso greenwhashing", completa a arquiteta.

Em outras palavras, dar um novo uso, reformar e trazer soluções sustentáveis para uma edificação antiga (seja ela brutalista, seja de outro estilo) é uma ótima alternativa sempre. Mas construir edifícios novos com grandes volumes de concreto aparente apenas pelo apelo estético, é uma decisão de projeto que, para ela, os arquitetos já deveriam ter abandonado há muito tempo.

"Se queremos construir edifícios realmente eco-friendly, precisamos nos aprofundar de verdade nas tecnologias existentes e nos pormenores dos projetos. Essa decisão deve começar, inclusive, pela escolha da estrutura – que, no Brasil, infelizmente, ainda é predominantemente concreto armado –, perpassando por acabamentos, economia de recursos, gestão de resíduos nas obras, entre tantos outros aspectos e soluções existentes", defende.

Para dizer que uma edificação é sustentável, é necessário um olhar muito mais aprofundado do que a simples inserção do prefixo "eco" ao termo. Felizmente, já há diversos órgãos certificando edificações verdes no Brasil para nos assegurar de tais afirmações.

Vantagens do eco brutalismo

Apesar dos pontos levantados, Luiza vê importância no eco brutalismo justamente porque ele traz à tona todos esses questionamentos: o que estamos fazendo com os prédios antigos existentes em nossas cidades? Será que demolir é sempre a melhor alternativa?

"Essa é a principal vantagem do eco brutalismo, quando feito da forma correta: empregar soluções sustentáveis em prédios antigos, trazer vida e melhorar a eficiência desses espaços construídos, melhorando a paisagem urbana", diz.

Ela também enxerga como ponto positivo manter as estruturas aparentes, trazer a verdade dos materiais e o minimalismo.

"Pode ser muito proveitoso tirar partido dessas estratégias para construir de uma forma que respeite o meio ambiente e minimize o impacto das nossas construções no entorno. Porém, é sempre importante ressaltar que as construções originalmente brutalistas foram criadas em uma época onde a pauta ambiental não era sequer comentada", diz.

Atualmente, ao construir algo novo, tudo deve ser analisado com mais cautela, especialmente em relação ao uso do concreto de forma indiscriminada nas obras.

"Penso que existem diversas alternativas mais eficientes, menos prejudiciais e tão belas quanto para serem cada vez mais exploradas pelos profissionais da arquitetura. Precisamos usar a tecnologia ao nosso favor e entender que a questão ambiental não é algo para se pensar no futuro, e, sim, para implementar no nosso presente", finaliza a arquiteta.

Um Só Planeta — Foto: Editora Globo
Um Só Planeta — Foto: Editora Globo
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