Um espaço que respira história e contemporaneidade, onde o passado e o presente se encontram em uma harmonia singular. Assim é o apartamento de 90 m² localizado no 10º andar de um dos primeiros edifícios de estilo moderno de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, datado de 1958, de autoria do gaúcho arquiteto Castellar Peña.
O projeto é o resultado de uma série de "agradáveis coincidências", como descreve o arquiteto responsável, Cláudio Resmini, à frente do estúdio homônimo (@estudioclaudioresmini). A começar pela proprietária, uma arquiteta não atuante e filha de um dos principais arquitetos modernistas gaúchos, Cláudio Araújo, que foi também seu último professor e orientador no curso de Arquitetura.
O apartamento, portanto, além de estar imerso na aura do Movimento Moderno da arquitetura gaúcha, é também um tributo à herança familiar e à trajetória profissional do pai da moradora.
"Todas estas características orbitando no projeto, somadas a um significativo acervo, que vai de peças de família do século 19 a outras de mobiliário modernista italiano e desenhado pelo pai da moradora, além de obras de artistas plásticos gaúchos, só fizeram estimular um olhar espacial e formal, despojado e atemporal, para este apartamento", pontua Cláudio.
Localizado em uma rua do centro antigo da cidade, próximo ao lago Guaíba e com vista para a icônica Igreja das Dores, o apartamento desfruta de uma posição solar privilegiada, com duas laterais livres. Diante dessas características, a decisão foi transformar o espaço de três quartos em um estúdio.
"Isso nos daria um domínio visual de todo o apartamento e da paisagem do entorno em qualquer ponto que estivéssemos, além de criar um espaço ventilado e com o sol da manhã e da tarde, principalmente no úmido inverno gaúcho", detalha Cláudio.
As paredes foram pensadas para criar um movimento volumétrico, ora como divisórias, ora como suportes independentes para as vigas, proporcionando uma configuração espacial quase museográfica para as obras de arte e os móveis de família, que compõem o acervo do apartamento.
A escolha dos materiais seguiu a linha de conexão entre os anos 1950 e a contemporaneidade, com vigas e pilares deixados aparentes, painéis divisórios de madeira harmonizados com móveis e bancadas de aço escovado, além de revestimentos de placas cimentícias.
"Essa composição de cinzas, madeiras, pretos e brancos cria uma base neutra que realça as obras de arte e os móveis de família, verdadeiros protagonistas do espaço", avalia o arquiteto.
A cozinha apresenta um grande bloco executado em aço, que a separa do hall de entrada, e contrapõe com uma grande mesa de madeira clara, dividida por uma viga que suporta uma obra de arte do artista gaúcho Caé Braga, esboçada por Cláudio Araújo.
No estar, esculturas de Xico Stockinger convivem com retratos de Cláudio Araújo, uma obra de Alfredo Volpi e outras peças de artistas plásticos gaúchos, criando um ambiente de contemplação e convívio.
No estar, uma das paredes recebeu a escultura de um dos guerreiros de Xico Stockinger, e ao seu lado um retrato de Cláudio Araújo em aquarela junto a uma tela de Tadeusz Lapinski. Do lado oposto, um remo dos índios Tikuna ao lado de uma obra de Volpi e de outros retratos pintados são o pano de fundo para a mobília.
Neste ambiente de convívio e contemplação, duas poltronas azuis da década de 1970 assinadas por Cláudio Araújo formam uma espécie de disposição em círculo com um sofá contemporâneo claramente inspirado no mobiliário dos anos 1950, de Vladimir Kagan, e a poltrona italiana Delfino, de Erberto Carboni.
No quarto, a cabeceira é um grande volume de madeira, dividindo o closet, com painéis deslizantes que permitem a integração ou a separação do ambiente conforme a necessidade.
Na extremidade oposta, está uma zona multifuncional, com um longo balcão de madeira suspenso em uma parede de painéis cimentícios, onde fica a TV e também a bancada da pia, que marca a entrada do banheiro dividida por uma porta deslizante – quando está aberta, proporciona um banho com vista para o lago Guaíba, à catedral e ao famoso pôr do sol de Porto Alegre.