Daniel Bolson

Por Daniel Bolson

Colunista | Arquiteto à frente do escritório Daniel Bolson Arquitetura

O início de ano, após um breve recesso, deixa-nos reflexivos sobre o momento que estamos vivendo, tanto profissionalmente, como arquiteto, quanto de forma mais ampla enquanto sociedade, cidade e comunidade.

Em um mundo apresentado pelas redes sociais, com tamanha massificação de conteúdo, os olhares das pessoas me parecem cada vez mais apurados a buscar referências com personalidade, mais humanas e reais.

Levando essa reflexão para o campo do morar, destacam-se projetos com uma cara mais de "casa real", fugindo um pouco ao conceito “sob medida”, com elementos antigos, que contam histórias; texturas mais naturais e orgânicas, com marcas do tempo.

O que gera identificação é a relação das pessoas com o lar, para além de imagens estáticas e perfeitas. Um conjunto que consiga mostrar espaços adequados para descanso, lazer, preparar alimentos, reunir quem gosta, ficar sozinho, lavar roupas, entre outros hábitos: dinâmicas reais.

Em sua casa, um sobrado reformado por Paulo Bianchi, a cantora Liniker adaptou os revestimentos existentes, usando cores para renovar o visual — Foto: Victor Affaro / Editora Globo
Em sua casa, um sobrado reformado por Paulo Bianchi, a cantora Liniker adaptou os revestimentos existentes, usando cores para renovar o visual — Foto: Victor Affaro / Editora Globo

Neste sentido, preocupa-me os apartamentos minúsculos que temos visto, a valores absurdos. Projetos sem preocupação com iluminação natural, ventilação, insolação ou metragem razoável para oferecer o mínimo conforto.

Precisamos, como arquitetos, legislar por qualidade nos espaços de moradia. Para além de reclamar nas redes sociais ou entre colegas, precisamos ser mais ativos nos nossos conselhos, votar nas consultas públicas e conseguir direcionar os clientes para o melhor caminho na aquisição dos imóveis.

Passada a euforia, quando uma pessoa se dá conta de que comprou um apartamento do tamanho de um quarto de hotel e a vida cotidiana dela não se dará nas áreas comuns, geralmente, é tarde demais.

A valorização do meio já consolidado passa também por entender a necessidade de conservar e atualizar construções existentes. O retrofit de edifícios antigos é uma alternativa cada vez mais usada. Outrora muito questionada por poder descaracterizar a função e o conceito originais dos projetos, atualmente, ganha força, readequando edifícios de grande qualidade arquitetônica.

Muitas vezes abandonados em áreas centrais, com a visão atual de novos empreendedores, é possível transformar os térreos desses edifícios através de programas de uso que os tornem mais ativos e conectados com a rua. Sejam espaços de trabalho, comércio, compartilhamento de usos, sejam de cafés, entre outros.

O edifício Virginia, projeto modernista do arquiteto José Augusto Belluci e do engenheiro Luiz Maiorama, passa agora por um momento de renovação. O projeto de retrofit  da Incorporadora Somauma, prevê recuperação total das fachadas e redivisão de plantas dos apartamentos — Foto: Pridia / Térreo Virgínia / Divulgação
O edifício Virginia, projeto modernista do arquiteto José Augusto Belluci e do engenheiro Luiz Maiorama, passa agora por um momento de renovação. O projeto de retrofit da Incorporadora Somauma, prevê recuperação total das fachadas e redivisão de plantas dos apartamentos — Foto: Pridia / Térreo Virgínia / Divulgação

No Brasil, a arquitetura ainda é vista como um trabalho um tanto supérfluo. As pessoas imaginam a vida do arquiteto como algo glamoroso e desconhecem a quantidade de responsabilidades e demandas que temos, a pressão ao fazer o "meio de campo" entre clientes e profissionais, os desafios e imprevistos diários.

Quem já esteve envolvido em um bom projeto de arquitetura, tem noção da importância de procurar ajuda profissional e como isso permite economizar tempo e dinheiro, acertando em soluções baseadas em experiência e conhecimento.

Em Diadema, temos um bom exemplo do uso da lei da assistência técnica (ATHIS). Como as famílias se negavam a deixar uma área em reurbanização, onde moravam em barracos, a arquiteta Fabricia Zulin criou um conjunto de casas geminadas no mesmo local — Foto: Mauro Pedroso / Prefeitura de Diadema / Divulgação
Em Diadema, temos um bom exemplo do uso da lei da assistência técnica (ATHIS). Como as famílias se negavam a deixar uma área em reurbanização, onde moravam em barracos, a arquiteta Fabricia Zulin criou um conjunto de casas geminadas no mesmo local — Foto: Mauro Pedroso / Prefeitura de Diadema / Divulgação

O trabalho do profissional arquiteto está contemplado em uma lei vigente – embora desconhecida do grande público – a de Assistencia Técnica para Habitação Social (ATHIS). Conforme o site do CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil), a lei "garante que famílias com renda de até três salários mínimos recebam assistência técnica pública e gratuita para a elaboração de projetos, acompanhamento e execução de obras necessárias para a edificação, reforma, ampliação ou regularização fundiária de suas moradias."

Um direito que, mesmo existindo, é desconhecido pelas pessoas e ignorado pelas prefeituras. É de extrema importância receber instruções básicas de salubridade, orientações sobre posição solar, afastamentos e recuos, luminosidade e ventilação, qualidade espacial, referências para isolamento térmico e acústico.

O experimento Arquitetura na Favela, criado pela arquiteta Carina Guedes, tem como ideia fortalecer mulheres no campo da arquitetura em regiões pobres da cidade. — Foto: Acervo ANP / Divulgação
O experimento Arquitetura na Favela, criado pela arquiteta Carina Guedes, tem como ideia fortalecer mulheres no campo da arquitetura em regiões pobres da cidade. — Foto: Acervo ANP / Divulgação

Uma vez que estamos em ano eleitoral, é importante pensarmos na evolução das nossas cidades nesses últimos 4 anos. Como se desenvolveu neste período o urbanismo, o saneamento, os serviços de água e luz da sua cidade? Para além das áreas centrais, onde há mais visibilidade, será que na periferia houve melhoria nas vias, espaços qualificados de lazer, mobilidade urbana?

Fatores muito importantes para considerarmos ao definir quem pode continuar ou não gerindo o lugar onde vivemos. O ano passado também nos alertou sobre a importância da infraestrutura de espaços que receberão eventos, para proporcionar segurança, conforto e acessibilidade. Moramos em um país com uma agenda sempre repleta de grandes apresentações, shows, competições... É essencial que, ao girar uma quantidade enorme de dinheiro, eles se preocupem com o bem-estar do público que irá prestigiá-los.

A condição dos espaços que habitamos acaba por ser um reflexo de como a sociedade está tratando as pessoas. Diversos exemplos bem-sucedidos mostram que o melhor caminho para evoluir é encarar a realidade e trabalhar de maneira a conseguir qualificá-la, sem idealizar soluções utópicas.

Precisamos priorizar o acesso à informação e a projetos bem desenvolvidos, com um olhar mais humano, conectado ao meio existente e às suas necessidades, que dialogue diretamente com quem mais precisa de ajuda, a fim de oferecer às pessoas condições mais igualitárias de qualidade de vida.

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