Daniel Bolson

Por Daniel Bolson

Colunista | Arquiteto à frente do escritório Daniel Bolson Arquitetura

Trabalhar com cores em projetos sempre me parece um desafio. Venho de uma formação ligada ao modernismo, que enaltece o estado bruto dos materiais e valoriza suas características naturais. O uso da cor na época da faculdade acabava ficando meio manjado, com referências às pinturas de Mondrian, em linhas retas e tons primários. Por um bom tempo, isso foi um bloqueio para mim, por me identificar com ares mais sóbrios.

Ao mesmo tempo, sempre me chamou atenção a personalidade que alguns espaços conseguiam exprimir. E, muitas vezes, isso estava conectado às cores. Comecei a perceber que, para além do aspecto perfeito do simétrico e cru, uma composição que propusesse bases mais neutras para valorizar elementos originais, únicos, coloridos e imperfeitos, fazia os projetos crescerem em qualidade.

Espaços com referências escandinavas, mais monocromáticos, são belíssimos e super elegantes. Entretanto, não podemos esquecer uma certa mistura de estilos que o próprio modernismo propunha. O mobiliário vintage cada vez mais valorizado, hoje forrado em finos linhos neutros, originalmente contava com uma variedade de cores e revestimentos, incluindo bouclés, veludos vivos e fórmicas em tons marcantes.

Projeto do escritório V��o Arquitetura tem um pátio interno no térreo, demarcado com ladrilhos hidráulicos, em contraste com o concreto aparente do piso — Foto: Victor Affaro / Editora Globo
Projeto do escritório Vão Arquitetura tem um pátio interno no térreo, demarcado com ladrilhos hidráulicos, em contraste com o concreto aparente do piso — Foto: Victor Affaro / Editora Globo

As tapeçarias orientais sempre ambientaram projetos modernos de Oscar Niemeyer e Mies Van Der Rohe. As louças dos banheiros dos anos 1970, produzidas nas mais diversas cores, traziam uma paleta linda aos ambientes, repletos de personalidade. Onde foi parar todo esse universo de possibilidades?

As grandes marcas de revestimento finalmente voltaram a produzir pastilhas e plaquetas, com cores lindas, muitas vezes, releituras de revestimentos que víamos nos banheiros das nossas avós. Curioso pensar que por muito tempo julgamos banheiros coloridos como algo datado e ultrapassado. Se pararmos para reavaliar, quanto involuímos neste discurso de sobriedade em tudo, tornando as coisas cinza, opacas e sem graça?

No banheiro projetado pelo escritório Stuchi e Leite, as cerâmicas verdes existentes fazem composição com elementos novos, em concreto aparente, além da pia colorida vintage, usada como cuba de sobrepor acima da nova bancada — Foto: Maíra Acayaba / Editora Globo
No banheiro projetado pelo escritório Stuchi e Leite, as cerâmicas verdes existentes fazem composição com elementos novos, em concreto aparente, além da pia colorida vintage, usada como cuba de sobrepor acima da nova bancada — Foto: Maíra Acayaba / Editora Globo

A linha tênue entre o básico/atemporal e o sem graça é cruzada o tempo todo. Podemos falar, inclusive, nessa estética de construções em formato de cubo, que se utilizam de discursos de contemporaneidade com a finalidade de baratear as coisas. Isso tornou nossas cidades retas, sem graça. Sem bossa nas fachadas ou uma dose de gentileza a quem passa nas ruas.

Amadurecendo na proposta de usar cores, comecei a valorizar revestimentos de tamanho menor, mais delicados, que acabam por criar texturas e trazem cores de uma maneira mais interessante. Um exemplo que amo usar em projetos são os ladrilhos hidráulicos. Peças produzidas artesanalmente, uma a uma, com concreto pigmentado em diferentes tons. Esses revestimentos formam painéis que ambientam espaços, com a proposta de uma decoração que acontece junto com a elaboração da parte civil da construção.

Sala de música do Palácio da Alvorada, residência do presidente em Brasilia. Projeto de Oscar Niemeyer, repleto de mobiliário moderno, conta também com um grande acervo de tapeçarias orientais — Foto: Ichiro Guerra / Reprodução
Sala de música do Palácio da Alvorada, residência do presidente em Brasilia. Projeto de Oscar Niemeyer, repleto de mobiliário moderno, conta também com um grande acervo de tapeçarias orientais — Foto: Ichiro Guerra / Reprodução

Embora minha linha de trabalho não se conecte muito a uma arquitetura mais “kitsch”, termo utilizado para projetos mais maximalistas, super adornados, coloridos e revestidos, valorizo a beleza e a riqueza desses espaços. Admiro o trabalho de colegas que usam dessa brincadeira do cenário para construir espaços que criam sensações.

A regra é: não existe regra, contanto que o ambiente transmita a sua identidade, contemplando o que é do seu gosto. Sinto que estamos um tanto cansados de casas opacas, fotos de projetos em preto e branco conceituais. Cada vez mais entendo que é a vida real, a sensação de humanização dos espaços, que nos atrai.

O modernismo brasileiro também trazia elementos de cor na ambientação dos espaços, que tem sido redescobertos. As bandeirinhas de Volpi e os tons coloridos das formas de Portinari trazem essa alegria das cores. As tapeçarias de parede lindas, de Roberto Burle Marx à Kennedy Bahia, com cores de lãs vibrantes e tramas com desenhos regionais. A busca na natureza por inspiração para trazer vida aos espaços: tons terrosos, verdes e azuis. Cores que agradam os olhos e que, em contraste com materiais naturais, como madeira e concreto, valorizam as peças.

Talvez nossas memórias estejam um pouco manchadas nossos primeiros lares, com banheiros forrados em azulejos estampados marrons e bege, louças caramelo e referências que não nos trazem boas lembranças. Mas conseguir quebrar um pouco a ideia de espaços tão sóbrios e, mesmo que em detalhes, inserir cor na decoração, traz uma bossa aos espaços, os enche de vida.

Mesmo sem precisar ousar tanto, podemos brincar com elementos coloridos na ambientação dos espaços. Elementos soltos vibrantes podem ser movimentados pela casa, mudando ao longo de fases da vida, onde estamos mais ou menos coloridos e intensos. Isso agrega graça, vida e personalidade à casa.

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