Arquitetura

Por Laura Naito, com Alex Alcantara

Ambientes externos e internos integrados, o uso de materiais naturais, como a carnaúba, pedras de castelo e palhas da palmeira babaçu, e o telhado de asa delta, marcam o trabalho de Gerson Castelo Branco, que prioriza a conexão com a natureza. O arquiteto autodidata do Piauí ficou conhecido internacionalmente pelo estilo "Paraqueira".

O nome veio do apelido Paraca, que Gerson recebeu na adolescência por ter uma personalidade livre como um paraquedas. Ao transmitir sua essência no trabalho, os projetos do profissional ultrapassam o tradicional e apresentam uma nova forma de ver a relação entre a natureza e a arquitetura.

Nascido em Parnaíba, no litoral do Piauí, descobriu cedo o amor e talento pelas artes. Estudou Artes Plásticas na Belas Artes de Salvador, na Bahia, mas não concluiu o curso. Descobriu a arquitetura através de um casal de amigos em Teresina, quando foi chamado para fazer um projeto para a casa de veraneio da família.

Após visitar a Cordilheira dos Andes e se mudar para a Praia do Coqueiro, onde morou durante 6 anos, descobriu um modo de vida diferente do que estava acostumado em cidades grandes. A experiência foi fundamental para ele desenvolver as Casas Paraqueiras.

Em entrevista exclusiva a Casa e Jardim, Gerson conta detalhes sobre sua carreira e suas principais conquistas.

Casa e Jardim: Como surgiu o interesse por arquitetura e artes?

Gerson Castelo Branco: Eu não fui um adolescente de futebol, esportes, ou atividades parecidas. Eu tinha o caderninho debaixo do braço com as fachadas de arquitetura. Tinha fascinação por essas casas, de modo geral. Terminava sendo bem marcante na minha cabeça. A primeira tentativa de ingresso na carreira foi em 1969 para vestibular de Arquitetura em Fortaleza. Não passei porque as matemáticas e as físicas são complicadas. E realmente eu organizei minha vida para, no vestibular de 1970, estar em Salvador a fim de fazer arquitetura. Só que não passei novamente, mas consegui entrar na segunda alternativa, que era a Escola de Belas Artes. Eu não tinha a menor intenção de ser um artista, no sentido de pintar ou fazer esculturas e fotografar, não me passava pela cabeça naquele instante.

Por dentro da casa projetada por Gerson Castelo Branco, a "Paraqueira Casa de Pescador" — Foto: Esdrinha / Divulgação
Por dentro da casa projetada por Gerson Castelo Branco, a "Paraqueira Casa de Pescador" — Foto: Esdrinha / Divulgação

CJ: Quais foram as maiores dificuldades no processo para se tornar um arquiteto autodidata?

GCB: Um amigo me disse: "Minha família tem loja de imóvel, meu irmão está fazendo uma reforma, construindo uma casa. Eu queria que você desse uma olhada nesse projeto, ele quer que você coloque os móveis dentro dessa planta." E eu respondi: "Olha, isso é horrível, é uma casa horrorosa. Deixa eu mexer um pouco. Como está em obra, faz as alterações para ficar um pouco melhor." Fiz o layout e mandei. Ele fez exatamente o que eu tinha sugerido. Mas eu ainda não tinha uma identidade e isso me deixava inseguro. Ainda, a falta de relação climática com Teresina era algo muito "louco", porque estava em uma época onde você tinha que colocar nos projetos aquelas caixas de concreto para incluir o ar-condicionado dentro. Não tinha tecnologia de refrigeração como se tem atualmente, onde você tem prática e literalmente tudo embutido. Isso e outros eram elementos muito feios para qualquer arquitetura.

Casa "Paraqueira Araras" desenhada por Gerson Castelo Branco — Foto: Winicius Leite / Divulgação
Casa "Paraqueira Araras" desenhada por Gerson Castelo Branco — Foto: Winicius Leite / Divulgação

CJ: Quais são as suas principais inspirações e referências?

GCB: A natureza brasileira. Mas, em relação ao magnífico trabalho de um autodidata, tenho também como inspiração o grande arquiteto brasileiro Zanine Caldas, que esteve em minha casa também, no Piauí. Ele nunca entrou em uma faculdade de Arquitetura. Lúcio Costa e Oscar Niemeyer terminaram dando para ele, através da Universidade Federal de Arquitetura de Brasília, um diploma.

Os materiais usados na "Paraqueira Rendada" foram eucalipto e teto de taubilha — Foto: Divulgação
Os materiais usados na "Paraqueira Rendada" foram eucalipto e teto de taubilha — Foto: Divulgação

CJ: Qual sua relação com o tropicalismo dos anos 1970?

GCB: Eu acho que, culturalmente, no Brasil do tropicalismo, nós éramos mais ricos, mais interessantes. Eu tive participação porque a indumentária era "meio riponga". Eu tinha um irmão que fazia moda, que o Caetano Veloso e a Gal Costa compravam roupa dele. Tinha um padrão que era um hip-chic bem brasileiro. Aprendi muito cedo a escutar jazz e música de qualidade, a ouvir João Gilberto e Tom Jobim, que, para mim, tinha uma qualidade muito grande na musicalidade carioca.

CJ: Como sua viagem para os Andes influenciou sua carreira? E a Praia do Coqueiro?

GCB: Decidi que não queria saber da Europa e resolvi fazer um tour pela Cordilheira dos Andes. Roubaram todo o meu dinheiro e jogaram o passaporte no chão da estação. Então, a viagem que teria um fluxo normal de turismo e pesquisa, porque eu olharia de uma certa forma a arquitetura orgânica, foi turbulenta. Quando eu decidi voltar, porque o dinheiro estava acabando, pela Colômbia, ainda com algum dinheiro que sobrara, eu fui roubado pela segunda vez. Foi assim, a situação de maior insegurança e desespero que enfrentei nesse processo. Quando voltei, não queria morar em Teresina, que era meu local de trabalho, nem em Fortaleza, onde estava a minha família. Eu saí para olhar essa aldeia de pescador no Piauí, que eu havia estado quando tinha entre 7 e 10 anos. Toda essa experiência fez com que meu trabalho tivesse outro olhar às questões climáticas e aos materiais naturais.

A luz natural entra na casa através da janela da Paraqueira — Foto: Divulgação
A luz natural entra na casa através da janela da Paraqueira — Foto: Divulgação

CJ: O que você considera como aspecto mais importante do seu trabalho?

GCB: Eu acho que é o olhar para essa natureza e o uso dos materiais naturais, além de estar atento ao posicionamento do sol, do vento, das melhores aberturas, das melhores integrações dessas arquiteturas, que são verdadeiras esculturas desses espaços naturais.

CJ: Como surgiram os primeiros projetos de Paraqueiras?

GCB: Em 1977 eu conheci a Olga Krell e ela publicou a Cabana de Pescador. Já eram espaços integrados, como um loft. Esse conceito eu aplicava em todos os meus projetos sem saber que existia na arquitetura dos Estados Unidos, principalmente em Nova York. Eu usava a cozinha no centro da casa, às vezes quartos vazados no mezanino para a sala e mais. Então, em 1982, eu estava trabalhando com o escritório em Teresina, tentando resolver as situações climáticas das arquiteturas que eu já estava executando pela experiência da praia. Eu fiz um centro comercial de lojas em uma pequena lanchonete, lojas de moda e decoração, que eu usava carnaúba como painéis. Toda a estrutura de fachada, palha de carnaúba. E, então, fiz o projeto Asa Delta, que originou o estilo Paraqueira.

Projeto Asa Delta, que leva esse nome devido à forma inusitada que o telhado foi desenhado — Foto: Divulgação
Projeto Asa Delta, que leva esse nome devido à forma inusitada que o telhado foi desenhado — Foto: Divulgação

CJ: Você é reconhecido internacionalmente como um arquiteto autodidata do Piauí. O que você considera que tenha sido sua maior conquista profissional?

GCB: Procurar meu nome no Google e saber que eu tenho publicações em Londres, na Rússia, na Alemanha, na Austrália… Além de vários livros e prêmios. Quando eu comecei a ver meu trabalho sendo muito mais citado fora do Brasil, eu penso que uma semente foi plantada. Eu fui convidado para representar a América do Sul no encontro de Arquitetura Verde na Costa Rica, e quando eu fui para Espanha, escolhi um terreno que queria trabalhar. Coloquei o dedo no mapa e disse: "é aqui, vamos lá" e foi!

CJ: Como é seu processo criativo?

GCB: Você acredita em sinais? O princípio é esse, eu vou para um lugar e geralmente a natureza diz. No caso da Galícia, na Espanha, fui colocado em frente a um mapa de toda a região, que tinha curva de níveis, o que me limitava, já que existia uma área pré-definida de preservação ambiental na beira da praia, onde não era possível construir. E essa área ia ser dobrada, duplicada, e tínhamos 3 meses para comprar um terreno a fim de dar entrada em um projeto, senão, não poderia mais. Peguei o mapa da região e pedi autorização às "bruxas" que controlavam as energias naquela situação. No final, o projeto deu certo.

A "Paraqueira Pedra do Sal" foi projetada por Gerson Castelo Branco na Galícia, na Espanha — Foto: Divulgação
A "Paraqueira Pedra do Sal" foi projetada por Gerson Castelo Branco na Galícia, na Espanha — Foto: Divulgação

CJ: Como você vê o cenário da arquitetura atual do Brasil?

GCB: Tem muita gente boa atualmente no Brasil, com a tecnologia, eles conseguiram caminhar para fazer os prensados de madeira com dimensionamento. Existe uma limitação para perceber vãos e a tecnologia vai vencendo esses desafios. Esse é o maior interesse para quem produz arquitetura com madeira, porque senão você termina fazendo a sustentação com mãos francesas para poder diminuir as cargas e isso cria uma certa limitação no desenho. O que eu não gosto é que todas as receitas caminharam no mesmo direcionamento, geralmente são casas horizontais.

CJ: O que você ainda gostaria de projetar?

GCB: Uma casa para mim, para os meus 80 anos. Minha casa tem três pisos, não tem elevador, é uma escada artesanal das mais "malucas" possíveis e, há um mês, ela me fez uma surpresa: eu escorreguei de cima dela. Quando eu achava que era impossível isso acontecer comigo, aconteceu, ou seja, a idade está chegando e ela pesa.

CJ: Qual legado você acredita estar deixando para a próxima geração de arquitetos?

GCB: Estou deixando uma mensagem de um "cara maluco no nordeste brasileiro à foto cultural paulista cinza e intelectualóide", será que dá para entender? (Ou seja, um trabalho marcado pela regionalidade do nordeste brasileiro, distante da arquitetura paulista, bem disseminada e conhecida no país).

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