• Por Marilena Dêgelo
  • Texto Marilena Dêgelo
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A arquiteta posou para esta foto, em 1952, na escada que dá acesso a sua Casa de Vidro, no Morumbi, em São Paulo (Foto: Chico Albuquerque/Convênio Museu da Imagem e do Som - SP/Instituto Moreira Salles)

A arquiteta posou para esta foto, em 1952, na escada que dá acesso a sua Casa de Vidro, no Morumbi, em São Paulo (Foto: Chico Albuquerque/Convênio Museu da Imagem e do Som - SP/Instituto Moreira Salles)

Há mais de 60 anos, a casa modernista que a arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi projetou em 1951 no Morumbi, em São Paulo, foi publicada na primeira edição da revista Casa e Jardim, em 1953. Na época, a construção de concreto elevada no terreno por pilotis feitos de tubos de aço e fechada por painéis de vidro não era conhecida pelo nome Casa de Vidro, como depois passou a ser chamada pela vizinhança. Hoje, em rápida visita ao imóvel – idealizado por ela para viver com o marido, o marchant italiano Pietro Maria Bardi –, a sensação é de que a residência parou no tempo, embora continue atual.

Lina faleceu em 1992 na Casa de Vidro e, desde a morte de Pietro em 1999, a propriedade é conservada pelo Instituto Lina Bo e P.M. Bardi com os ambientes quase intactos: os mesmos acabamentos, a maioria dos móveis – muitos desenhados por ela – e das obras de arte. Situação apropriada para este ano, quando jornalistas e pesquisadores de vários países buscam informações sobre a obra dela para eventos que celebram, aqui e lá fora, o centenário de seu nascimento. 

A arquiteta italiana naturalizada brasileira Lina Bo Bardi em 1947 (Foto: Pietro Bardi / Instituto Bardi / Divulgação)

A arquiteta italiana naturalizada brasileira Lina Bo Bardi em 1947 (Foto: Pietro Bardi / Instituto Bardi / Divulgação)

Batizada Achillina Bo, a arquiteta nasceu no dia 5 de dezembro de 1914, em Roma. Se estivesse viva, ela provavelmente sorriria ao ver o design, o artesanato, a cultura e a moda do Brasil sendo mais valorizados no país e no exterior, depois de se dedicar a tudo isso. Com certeza, torceria o nariz diante dos edifícios neoclássicos, mas ficaria satisfeita, e até orgulhosa, dos projetos modernistas que seguem seus preceitos.

A originalidade, defendida por ela, pode ser vista em peças de design que carregam sua assinatura, como a linha de cadeira e mesa Girafa (1987), fabricada pela Marcenaria Baraúna, e a poltrona Bowl (1951), relançada com produção limitada de 500 peças pela marca italiana Arper. Mas a importância de Lina está nos conceitos de liberdade, de integração da casa com a natureza e de recuperação de processos simples de nossa arquitetura, como o fechamento com muxarabi, e o concreto aparente, sem acabamentos.

Suspensa por pilotis de tubos de aço no alto terreno, a Casa de Vidro como era, assim que a obra foi concluída, em 1951 (Foto: Chico Albuquerque/Convênio Museu da Imagem e do Som - SP/Instituto Moreira Salles)

Suspensa por pilotis de tubos de aço no alto terreno, a Casa de Vidro como era, assim que a obra foi concluída, em 1951 (Foto: Chico Albuquerque/Convênio Museu da Imagem e do Som - SP/Instituto Moreira Salles)

Na Casa de Vidro, seu primeiro projeto executado, chamam atenção os detalhes, como as maçanetas em forma de chifre e o uso da mesma cor azul das pastilhas de vidro, que revestem o piso da sala, na pintura dos pilares e nas bases de móveis tubulares: mesas, poltronas e a cabeceira da cama. Tudo criado pela arquiteta, que se encantou pelo Brasil desde sua chegada, em 1946.

Decepcionada com a Itália, logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial, Lina atravessou o Oceano Atlântico com seu marido em busca de novas oportunidades. “Lá só havia destruição, e eu queria construir”, afirmou ela em uma de suas muitas entrevistas. “O que nos empolgou a vir para o Brasil foi saber, na época, da arrancada da arquitetura moderna por aqui. Eu me senti em um país onde tudo é possível; aqui reencontrei as esperanças perdidas nos dias de guerra.”

Lina Bo Bardi (Foto: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi/ Reprodução)

Lina Bo Bardi faleceu em 1992, na Casa de Vidro (Foto: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi/ Reprodução)


Ao lado de Pietro, Lina criou o Museu de Arte de São Paulo – MASP, cujo prédio construído entre 1957 e 1968 em plena Avenida Paulista, com seu famoso vão livre de 74 m de largura, tornou-se um dos marcos arquitetônico do país. Naturalizada brasileira, ela não parou por aí. Entre suas obras, destacam-se os centros de cultura criados a partir da revitalização de imóveis antigos: o Museu de Arte Moderna no Solar do Unhão, em Salvador, Bahia (1963), e o SESC Pompeia, em São Paulo, inaugurado em duas etapas: 1977 e 1982.

Com esses projetos, a arquiteta resgatou referências do modo de vida do brasileiro, segundo um de seus colaboradores, o arquiteto André Vainer. “Lina buscava nas obras soluções autênticas que não repetissem modelos importados”, diz. “Para o vão do MASP, ela adotou a laje protendida desenvolvida pelo engenheiro paulista Figueiredo Ferraz, antes que as patentes internacionais entrassem no país.” André testemunhou o olhar estrangeiro que Lina teve para as questões sociais ao propor alternativas. “Ela adequava os projetos aos materiais disponíveis e usava os mais variados: barro, concreto, madeira. Já pensava na sustentabilidade e colocava a arquitetura a serviço do homem: não como obra de arte ou estética.”

INFLUÊNCIAS DA CULTURA POPULAR NA OBRA DE LINA

Croqui do MASP (Foto: Chico Albuquerque/Convênio Museu da Imagem e do Som - SP/Instituto Moreira Salles)

Croqui do MASP (Foto: Chico Albuquerque/Convênio Museu da Imagem e do Som - SP/Instituto Moreira Salles)

1. De 1958 a 1964, Lina viveu na Bahia, onde descobriu as raízes da cultura popular do país e procurou integrá-las aos valores do movimento moderno. “Através da experiência popular, da simplificação, cheguei àquilo que poderia chamar de arquitetura pobre. No MASP, optei por soluções despidas – o concreto como sai da forma, o não acabamento.”

2. Logo que chegou a São Paulo, Lina ficou encantada com as pedras brasileiras e criou algumas joias, como o colar de água marinha que usou em baile de Carnaval, em 1948.

3. A arquiteta coletou mais de 800 peças da cultura popular em viagens pela Bahia, pelo Ceará e por Pernambuco. Há imagens de santos e utensílios feitos de material reaproveitado, como latas de óleo que viram caneca ou balde.

4. Inspirada na rede para deitar e nas roupas de couro dos cangaceiros, ela criou a poltrona Tripé. A foto é do protótipo com base de madeira que fez em seu escritório Palma - Studio de Arte e Arquitetura, em 1948. A peça compõe seu acervo de móveis e está exposta, junto com outras cadeiras e poltronas desenhadas pela arquiteta, na sala da Casa de Vidro.

Protótipo com base de madeira (Foto: Chico Albuquerque/Convênio Museu da Imagem e do Som - SP/Instituto Moreira Salles)

Protótipo com base de madeira (Foto: Chico Albuquerque/Convênio Museu da Imagem e do Som - SP/Instituto Moreira Salles)

5. Lina aproximou o erudito, o moderno e o popular. Com a simplicidade das formas e dos materiais, ela valorizava mais a funcionalidade dos espaços.

6. Nos últimos dez anos de vida, Lina abriu nova fase na carreira. Com os jovens colaboradores Marcelo Ferraz, André Vainer e Marcelo Suzuki, ela produziu projetos que apontavam para a renovação da arquitetura brasileira.