• Por Maria Beatriz Gonçalves
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Marko segura uma maquete de estrutura chamada tensegrity, que faz um paralelo entre criações ancestrais e futuristas (Foto: Mayra Azzi / Editora Globo)

Marko segura uma maquete de estrutura chamada tensegrity, que faz um paralelo entre criações ancestrais e futuristas.“Ela foi reproduzida em uma versão de seis metros. O conceito, inventado nos anos 1960, remete às criações indígenas, trançadas, e é bastante usado em projetos de biomimética”, diz Marko (Foto: Mayra Azzi / Editora Globo)

Geralmente associamos a imagem das cidades do futuro com a tecnologia. Mas e se a inspiração para os tais centros inteligentes de amanhã vier da natureza? E se o resultado surgir do encontro entre esses dois universos? É nisso que acredita o arquiteto Marko Brajovic. Croata naturalizado brasileiro, ele é um dos principais pesquisadores da bioarquitetura no Brasil, tema ainda incipiente, mas que pode mudar a maneira como construímos nossas casas.

Muito além da inspiração no formato das plantas ou do estudo de materiais ambientalmente adequados a um pensamento de preservação, os principais objetos de pesquisa de Marko e sua equipe são as formas de se relacionar com o ecossistema. Vivendo entre sua casa em São Paulo e a Aldeia Rizoma, em Paraty, projeto assinado por ele que é exemplo de obra que se relaciona com a natureza em diferentes níveis, o arquiteto investiga ao lado de seu time desde as possibilidades da arquitetura flutuante até os processos construtivos ancestrais, por meio de workshops e imersões em diversas localidades. A meta? Potencializar saberes: “Não precisamos mostrar nossa capacidade criando lajes com uma quantidade de concreto absurda. A arquitetura, como a arte, deve antecipar o futuro, mostrar um caminho, ser ousada, experimental e gentil…”, afirma Marko. Com a palavra, o expert no assunto.

Como a bioarquitetura caiu no seu radar?
Desde criança estou conectado à natureza. Nasci em uma vila de pescadores na Croácia e passei a infância descalço na praia. Na faculdade em Veneza, o ambiente era mais intelectual, mas ali comecei a entender a arquitetura como fenômeno multissensorial. Em 1999, eu morava em Barcelona e fazia parte de um coletivo chamado SU Studio — eram pessoas de diversas áreas e fazíamos estudos com o MIT (Massachusetts Institute of Technology). Aí uma cliente exótica pediu que construíssemos a casa dela na Costa Rica com bambu a partir de uma música do Erik Satie. Moramos por um ano na Costa Rica. Durante o dia trabalhávamos com uma comunidade indígena e, à noite, programávamos formas para gerar essa arquitetura. Nesse ano tive uma epifania incrível: descobri que o mundo natural e o digital trabalham com parâmetros parecidos. Uma coisa óbvia em teoria, mas que, até vivenciar esses processos criativos, parece algo puramente estético.

De que maneira isso te impactou?
São paradigmas de uma arquitetura que não tem origem na dominância da natureza, um modelo que trabalha por conexão de redes descentralizadas e compartilhadas. Para superar esse momento antropocêntrico industrial, linear e patriarcal, que trabalha com estruturas de peso, gravidade e hierarquia, é essencial entender como a natureza opera de maneira mutualista e não competitiva. Isso envolve uma questão social, política e antropológica relacionada ao mundo no qual vivemos.

Nosso modelo de arquitetura venceu?
Nosso modelo acompanha um momento histórico e ele muda. Não acredito em revolução, acredito em evolução. A arquitetura baseada em paradigmas de dominância da natureza é claramente obsoleta no século 21, já que vivemos uma época de mudanças climáticas. As prioridades, necessidades e valores estão se transformando. É preciso se questionar sobre quais arquiteturas acompanham esse momento. Qual é nosso movimento como espécie ao vivenciar o século 21? Gosto da ideia de que esse é o século da coletividade, uma oportunidade de entender que tudo é responsabilidade de todos.

Muito se fala de sustentabilidade hoje. A sociedade está preparada para uma mudança de paradigma em relação à finitude de recursos, ou há um discurso apenas ideológico?
Tem vários ruídos nisso, né? Há uma retórica em torno da palavra sustentabilidade, conceito que às vezes é mal usado. Essa ideia não pode ficar confinada a departamentos de sustentabilidade nas empresas (mesmo as mais tóxicas têm um setor de sustentabilidade). Sabemos que muito do que criamos vem de recursos que são finitos, e as coisas são usadas e jogadas fora. Acho que a grande mudança vai acontecer na consciência das pessoas, vai emergir em termos de mentalidade coletiva da espécie humana, e já está começando nas novas gerações. Todos nós, intimamente, sabemos que tem algo de errado.

Há a promessa de uma revolução quando se fala em bioarquitetura, sobretudo se considerarmos que pode existir uma gama enorme de matéria-prima ainda não utilizada e sobre as quais sabemos pouco a respeito?
Materiais são a base fundamental dos processos de evolução da arquitetura e do design. É uma área que pesquiso com dificuldade pois envolve testes de laboratório. Existem exemplos interessantes, como uma casa de tijolos criados a partir de cogumelos ou tecido feito de micélio (parte de um fungo) e soldagem de lignina (extraída de plantas) por alta pressão, mas ainda é difícil encontrar fornecedor desses materiais para realizar projetos. O diálogo entre um processo digital inspirado na natureza e a fabricação artesanal também me interessa: em vez de esperar uma impressora 3D resolver tudo, há um território maravilhoso, humano, endêmico no Brasil para pensar processos digitais associados à fabricação manual. Adoraria fazer alguma coisa com o plástico retirado da Baía da Guanabara.

Os experimentos feitos em seu estúdio incluem observar, fazer imersão na natureza, na tentativa de se reconectar a esses saberes?
Sim, alguns projetos propõem partir do essencial, ser um observatório para olhar o entorno e também para dentro de você. Compreender a relação do ser humano com o ecossistema. Como e por quê construímos hoje? Precisamos de mais arquitetura? Se sim, como as novas soluções podem trazer o ecossistema para elas? Estive em uma mesa de discussão para entender como sensibilizar as pessoas a aprenderem com a natureza e a utilizarem no dia a dia. Me interessa muito poder destacar a importância dessa reconexão. Não solucionamos grandes problemas até agora. Muitos projetos são ainda inspiracionais, mas inspirar é o começo de tudo. Não estamos realmente separados da natureza, nunca estivemos. O essencial é encontrar a natureza dentro de você também. É uma questão ampla e holística.

Se fôssemos pensar uma casa segundo a bioarquitetura e a biomimética, como seria?
Não seria fabricada ou construída; seria cultivada, feita de materiais em crescimento. Há 10 anos fizemos vários experimentos que modificavam a direção do bambu em desenvolvimento. Agora estamos trabalhando em um projeto com o conceito de permarquitetura — em harmonia com a natureza — que manifeste essa ambição de discutir os caminhos para criar um sistema construtivo resiliente. 

Ninhos recolhidos na Aldeia Rizoma, em Paraty, onde Marko realiza imersões para observar processos construtivos na natureza. “Eles inspiraram estruturas criadas para a Docol em 2018”, diz o arquiteto (Foto: Mayra Azzi / Editora Globo)

Ninhos recolhidos na Aldeia Rizoma, em Paraty, onde Marko realiza imersões para observar processos construtivos na natureza. “Eles inspiraram estruturas criadas para a Docol em 2018”, diz o arquiteto (Foto: Mayra Azzi / Editora Globo)

"A natureza é uma designer de 3,8 bilhões de anos. Erra, aperfeiçoa, desenha. Ali estão os melhores exemplos de design.""

Marko
Marko e seu time de arquitetos, produtores e designers no estúdio em São Paulo (Foto: Mayra Azzi / Editora Globo)

Marko e seu time de arquitetos, produtores e designers no estúdio em São Paulo (Foto: Mayra Azzi / Editora Globo)

Colaborou Beatriz Louenço