• Texto Maria Beatriz Gonçalves | Produção Bruna Pereira
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Integração. Localizada em Nagano, a casa It is a garden, assinada pelo escritório japonês Assistant, fica dentro de uma floresta, e todos os cômodos têm vista para jardins internos, como forma de garantir boa luminosidade (Foto: Daici Ano / Assitant / Divulgação)

INTEGRAÇÃO | Localizada em Nagano, a casa It is a garden, assinada pelo escritório japonês Assistant, fica dentro de uma floresta, e todos os cômodos têm vista para jardins internos, como forma de garantir boa luminosidade (Foto Daici Ano / Assitant / Divulgação)

Quem caminha pela Avenida Paulista, na altura da Praça Oswaldo Cruz, talvez note o cheiro específico de madeira. O aroma é agradável, mas não familiar. Vem da enorme estrutura de encaixes feita com hinoki, espécie de cipreste, na fachada imponente da Japan House São Paulo, primeira unidade do projeto global do governo japonês, que abriu as portas em maio com a missão de atualizar a percepção dos brasileiros sobre o Japão atual através de arte, tecnologia e negócios.

Criação de Kengo Kuma, um dos mais renomados arquitetos japoneses contemporâneos, a proposta era apresentar um híbrido entre a cultura japonesa e a brasileira. O contraste das ripas com os arranha-céus chama atenção: não estamos evidenciando um Japão high-tech fetichizado. Na verdade, é um Japão que olha para o futuro, sem se esquecer do passado. A inauguração do espaço revela a importância da conexão entre essas duas culturas: o Brasil abriga a maior população de origem japonesa fora do Japão, com cerca de 1,5 milhão de pessoas.

Um lembrete de que quando o assunto é intercâmbio cultural, a distância geográfica nunca foi impedimento para a conexão entre esses dois universos. “A experiência tem sido excelente e acima das nossas expectativas”, conta Marcello Dantas, curador e diretor de planejamento da Japan House São Paulo. Entrando no mundo da estética, foi na França do século 19 que o crítico de arte Philippe Burti citou o termo “japonismo” pela primeira vez. Usado para se referir à influência da cultura japonesa na arte impressionista, o conceito ganhou força em outras áreas além das artes, como a arquitetura e, mais recentemente, a moda e o design.

Da integração orgânica com o entorno nos projetos de Frank Lloyd Wright ao traço simples de Mies van der Rohe, o encontro entre Oriente e Ocidente aconteceu inúmeras vezes ao longo da história, com trocas mútuas e diferentes releituras. “Já se tornou uma constante, uma macrotendência”, diz Dario Caldas, sociólogo e diretor do Observatório de Sinais. Ancestralidade, hipermodernidade, minimalismo, preocupação com o bem-estar, interação com a natureza... São inúmeras as inspirações japonesas quando pensamos no jeito como vivemos.

Porém, mais do que um resgate de elementos estéticos, os pontos de contato atuais retomam o interesse por conceitos amplos e muito antigos que são continuamente reinventados, as bases que fundamentam a estética de designers e arquitetos japoneses há muito. Afinal, qual o Japão que conhecemos e qual queremos explorar?

Contraste. A fachada da Japan House, em São Paulo, criação de Kengo Kuma, foi feita com encaixes de madeira hinoki, espécie de cipreste japonês (Foto: Divulgação)

CONTRASTE | A fachada da Japan House, em São Paulo, criação de Kengo Kuma, foi feita com encaixes de madeira hinoki, espécie de cipreste japonês (Foto Divulgação)

Luminosidade. No projeto do Assistant, o vidro escuro reflete o exterior (Foto: Daici Ano / Assitant / Divulgação)

LUMINOSIDADE | No projeto do Assistant, o vidro escuro reflete o exterior (Foto Daici Ano / Assitant / Divulgação)

Sustentável. Feitos de material 100% biodegradável, os utensílios de papel da Wasara trazem a pureza nas linhas e a suavidade no toque (Foto: Divulgação)

SUSTENTÁVEL | Feitos de material 100% biodegradável, os utensílios de papel da Wasara trazem a pureza nas linhas e a suavidade no toque (Foto Divulgação)

Modos de ver...

Tradição e modernidade
Um elemento essencial que forma a cultura japonesa fala do equilíbrio entre passado e presente. Da constante evolução da carpintaria japonesa à retomada de técnicas milenares como o shou sugi ban, a madeira carbonizada que vimos recentemente em peças de mobiliário de Pedro Petry para a Valcucine, o Japão já viveu momentos de fascínio por tudo que havia de novo e também períodos de retorno aos valores tradicionais.

“A inovação no Japão é sempre baseada na pesquisa da tradição”, explica Marcello Dantas. Em tempos de fronteiras diluídas e apropriação cultural, entender a própria história é essencial. O Japão vive e abraça a ambiguidade, o novo e o velho, a luz e a sombra. É contemporâneo mas com raízes, e por aí que desenvolve a honestidade estética que é sua marca.

Sensibilidade para os detalhes
Aspectos materiais e imateriais compõem um ambiente japonês desde a concepção. Têm peso igual em um espaço a poltrona para ler o jornal e a entrada de vento pela janela. Uma espécie de tratado estético sobre a cultura japonesa, o livro Em louvor da sombra, de Junichiro Tanizaki, revela essa vocação:

“A beleza sempre se desenvolve em meio à realidade do nosso cotidiano, nossos antepassados, obrigados a habitar aposentos escuros, descobriram beleza nas sombras e, com o tempo, aprenderam a usar as sombras para favorecer o belo.” Do toque nos tecidos de fibras naturais ao uso do papel japonês para garantir uma luminosidade difusa, o processo contínuo e sistemático de exercitar esse olhar vem da experimentação.

Ma
Existe uma elegância espontânea nos projetos arquitetônicos e de interiores japoneses que vem do vazio. O popular conceito de Ma diz que o espaço é a expressão do belo e da harmonia. Mais do que uma simples adoração pela ideia de ter poucos itens em um ambiente, existe uma lógica por trás disso: o vazio funciona como um convite, um espaço que dá espaço para coisas acontecerem. “Não é apenas para contemplar, é maximizar a interação”, explica o arquiteto Lucas Girard, um estudioso do tema. O minimalismo japonês é o resultado desse vazio.

A “antimarca” de Kenya Hara, um dos designers mais influentes da contemporaneidade, é exemplo da aplicação do Mano design: além das formas simples, os objetos da Muji não têm logo. Essa valorização da “limpeza” é compartilhada pela marca Mjolk, que combina o minimalismo japonês com o escandinavo. “O silêncio, o vazio e o branco são os espaços do potencial, da mente criativa e da capacidade de síntese”, lembra Marcello Dantas

Wabi-sabi
“Faz parte da natureza do oriental valorizar e preservar objetos marcados por constante manipulação, fuligem, chuva e vento, e amar tudo o que tenha a cor ou o brilho de tais objetos”, escreveu Tanizaki ao explicar sua preferência pelos talheres de prata e ferro quando não são polidos, prática comum no Ocidente. Wabi-sabi é ver beleza na imperfeição, e o kintsugi materializa o sentido dessa filosofia: é reparar com laca e pó de ouro peças de cerâmica quebradas, assumir a transitoriedade com desapego, uma rachadura que não importa.

Integração com a natureza
Muito além da beleza, o momento de pensar um espaço leva em conta uma visão holística do projetar. Viver em harmonia com a natureza é um conceito formador do modo de viver no Japão. Plantas dentro de casa, o uso do barro, madeira e pedras aparecem a cada ambiente. Essa perspectiva vem da relação com a filosofia zen, que prevê projetos que não agridam o ambiente e não ofusquem o que está em volta. “No Japão a casa é menos um lugar de performance e mais de cuidar de si. Por isso eles levam tanto em conta os elementos naturais como a entrada de sol em um cômodo”, explica Lucas Girard.

Modos de viver
Buscar o legítimo no Japão tem a ver com não perder o foco da essência, não criar espaços ociosos, não adornar sem razão. Mais do que isso, é abrir a cabeça para formas inovadoras de entender a própria conceituação do espaço, é incluir na equação o traço de vanguarda de nomes como Sou Fujimoto, Kengo Kuma, Tadao Ando e Toyo Ito, entre tantos outros, que estão pensando de maneira ousada o modo como vamos viver no futuro.

Enquanto Sou Fujimoto redefine a ideia de coliving e a percepção do que é privacidade com uma casa inspirada em árvore, caso do projeto criado para a House Vision 2016 e a House Na, respectivamente, o projeto It is a garden, do Assistant, faz do espaço externo o centro da casa. O Japão do século 21 considera o projeto através dos olhos dos moradores, cria uma arquitetura de causas e com compromisso e, por isso, apresenta respostas ao nosso tempo.

“Eles têm a propensão e a coragem de pensar o conceito do morar sem tanta fixação pelo projeto, questionam as premissas. No Brasil, ainda olhamos a arquitetura mais como imagem do que como processo. Estamos mais engessados ao pensar o programa da casa”, finaliza Lucas Girard.

Tríplex. No projeto deste apartamento em São Paulo, assinado pelo AR Arquitetos, o vazio é escultórico. “As paredes angulosas rebatem a luz criando um efeito lindo”, diz Marina Acayaba, uma das sócias do escritório (Foto: Maíra Acayaba / Divulgação)

TRÍPLEX | No projeto deste apartamento em São Paulo, assinado pelo AR Arquitetos, o vazio é escultórico. “As paredes angulosas rebatem a luz criando um efeito lindo”, diz Marina Acayaba, uma das sócias do escritório (Foto Maíra Acayaba / Divulgação)

Recortes. Na Casa dos Pátios, do AR Arquitetos, as janelas direcionadas não são aleatórias: “É a luz que vemos em muitos projetos japoneses, indireta e suave”, conta Marina Acayaba (Foto: Maíra Acayaba / Divulgação)

RECORTES | Na Casa dos Pátios, do AR Arquitetos, as janelas direcionadas não são aleatórias: “É a luz que vemos em muitos projetos japoneses, indireta e suave”, conta Marina Acayaba (Foto Maíra Acayaba / Divulgação)

Radical. Desenhada para um jovem casal, esta casa em Tóquio, projeto de Sou Fujimoto, redefine o conceito de privacidade com espaços conectados que remetem à ideia de viver em uma árvore (Foto: Iwan Baan Sou Fujimoto / Divulgação)

RADICAL | Desenhada para um jovem casal, esta casa em Tóquio, projeto de Sou Fujimoto, redefine o conceito de privacidade com espaços conectados que remetem à ideia de viver em uma árvore (Foto Iwan Baan Sou Fujimoto / Divulgação)

Restauro. Kit de reparo da Matter of Material, que resgata a antiga técnica kintsugi, surgida no Japão do século 15, para recuperar peças de cerâmica quebradas assumindo a imperfeição (Foto: Divulgação)

RESTAURO | Kit de reparo da Matter of Material, que resgata a antiga técnica kintsugi, surgida no Japão do século 15, para recuperar peças de cerâmica quebradas assumindo a imperfeição (Foto Divulgação)

Inspiração. Peças de madeira maciça carbonizada, da coleção Carbono, de Pedro Petry para Valcucine, resgatam a técnica japonesa shou sugi ban (Foto: Divulgação)

INSPIRAÇÃO | Peças de madeira maciça carbonizada, da coleção Carbono, de Pedro Petry para Valcucine, resgatam a técnica japonesa shou sugi ban (Foto Divulgação)

Quarto. Naoki Otake assina o projeto de interiores desta casa na Fazenda Boa Vista, em São Paulo. O uso abundante da madeira e contido de cores reforça a simplicidade dos ambientes japoneses. O projeto é de Marcio Kogan (Foto: Divulgação)

QUARTO | Naoki Otake assina o projeto de interiores desta casa na Fazenda Boa Vista, em São Paulo. O uso abundante da madeira e contido de cores reforça a simplicidade dos ambientes japoneses. O projeto é de Marcio Kogan (Foto Divulgação)

Futuro. Dentro do tema Coindividual, o projeto de Sou Fujimoto para o House Vision 2016 mistura áreas privadas e compartilhadas (Foto: Iwan Baan Sou Fujimoto / Divulgação)

FUTURO | Dentro do tema Coindividual, o projeto de Sou Fujimoto para o House Vision 2016 mistura áreas privadas e compartilhadas (Foto Iwan Baan Sou Fujimoto / Divulgação)

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