Sentidos do habitar
Semioticista explica o que é um ritual e para que ele serve
A colunista Clotilde Perez reflete como ações convencionadas e repetidas nos fazem sentir seguros, inclusive dentro de casa
2 min de leitura![Semioticista explica o que é um ritual e para que ele serve (Foto: Ilustração Anália Moraes / Editora Globo) Ilustração Nos jardins de Ananda Apple, agosto de 2018 (Foto: Ilustração Anália Moraes / Editora Globo)](https://cdn.statically.io/img/s2.glbimg.com/q8tIFpZw9jyHDvAHfpSVp0N2DcE=/620x455/e.glbimg.com/og/ed/f/original/2018/07/31/ilustracao-de-mulher-de-costas-agosto_final_v01.jpg)
Semioticista explica o que é um ritual e para que ele serve (Foto: Ilustração Anália Moraes / Editora Globo)
Um ritual se caracteriza por um conjunto de ações formais, cerimoniais, que buscam construir um diálogo entre uma dimensão sagrada e uma dimensão profana. Ações que permitem uma conexão destas dimensões que não são harmoniosas a priori, mas que possibilitam uma transição. Os rituais caracterizam-se pela formalidade, convencionalidade e pela repetição de ações, discursos e usos de materialidades que permitem aos que compartilham desses códigos sentirem-se parte de um determinado contexto social.
Dado que as bases ritualísticas são mágico-religiosas e têm seus vínculos teóricos e metodológicos na antropologia, em muitas situações, a ideia de passagem de um estado a outro é marcada por uma mudança de condição, como no batismo ou no casamento: com pecado antes, depois do batismo, sem pecado; solteiro antes, depois casado; o que impõe mudança de regras e comportamentos. Mas, há rituais que estabelecem mais do que uma passagem, uma sensação de pertencimento, um certo sentido de continuidade. Assim, a manutenção do ritual garante a permanência e, no limite, a própria continuidade da espécie.
Há rituais de todo o tipo - sociais, científicos, esportivos, políticos, acadêmicos e tantos outros. E cada cultura ou grupo social atribui sentido de acordo com seus próprios valores compartilhados e perpetuados. No Brasil, somos muito flexíveis no entendimento e nas práticas; podemos ser ritualísticos tanto em batizados, quanto em casamentos, partidas de futebol, defesas de tese ou mesmo na arrumação da casa ou comportamentos cotidianos. A formalidade, ou seja, ações tidas e entendidas como especiais (não triviais), a manutenção de regras e sua repetição vão aos poucos construindo significados que sedimentam esses fazeres cristalizando-os como rituais.
À medida que nos familiarizamos com as sequencias de ações sabemos o que vai acontecer, uma vez que os passos são previsíveis, por isso, nos sentimos seguros e podemos celebrar nossa solidariedade, compartilhando nossos sentimentos, convivendo na tranquilidade do já sabido. No ritual, experimentamos um confortável sentido de coesão social, em que todos sabem o que vai acontecer e acontece.
Há também uma relação íntima entre ritual e organização, no sentido da ordenação de determinados aspectos da vida social, que muitas vezes trazemos para o cotidiano do trabalho, das relações sociais ou mesmo da casa. Podemos ritualizar formas de arrumação da sala, ou de determinados espaços de leitura ou descanso, por exemplo. E o que buscamos com isso? Segurança psíquica. Ritualizamos espaços e momentos por meio da escolha de objetos, materiais, disposições, palavras, comportamentos e ações que vislumbram a regularidade como garantia de continuidade. Queremos com isso, de certa forma, apreendê-los no tempo/espaço. Assegurar sua permanência. Por isso brindamos às coisas boas da vida, simplesmente para que se perpetuem.
![Clotilde Perez (Foto: Divulgação) Clotilde Perez (Foto: Divulgação)](https://cdn.statically.io/img/s2.glbimg.com/UPu2p_uOjOYOtYgUuA8qGNWdf44=/220x283/e.glbimg.com/og/ed/f/original/2018/06/29/clotilde-perez-clotilde_cred_jennifer_koopb.jpg)
Clotilde Perez (Foto: Divulgação)
Clotilde Perez (cloperez@terra.com.br) é semioticista, professora da USP e da PUC-SP e fundadora da Casa Semio