• Ananda Apple
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Ananda-Apple-violeta (Foto: Ilustração Patrícia Sodré/Editora Globo)

Ilustração Patrícia Sodré/Editora Globo

Chegou o mês de maio. Além do presente, mães amam receber flores. O Dia das Mães é a data que mais movimenta este mercado. Tem produtor que vende agora metade do que planta o ano todo. A Ceagesp dobra as vendas com duas mil toneladas de flores por semana.

As floriculturas chegam a faturar até quatro vezes mais. Como boa filha, sempre respeitei a Declaração Universal dos Direitos das Mães, artigo 2o, o qual estabelece que todas elas têm direito a receber flores no seu dia. Aos 15 anos, comprei para a dona Cyl o primeiro vaso de violetas que meu artesanato em metal podia bancar. Nos anos 1970, essa planta africana virou febre. Era barata e se adaptava dentro de casa, e logo se tornou a estrela das salas e das janelas de cozinha.

Mas a tal da violeta cor de lavanda, que comprei em maio de 1977, superou todas as expectativas. Dona Cyl colocou-a para enfeitar o balcão que dividia a sala. Havia outras, mas aquela mereceu um cachepô de cerâmica de Gramado, RS, para esconder o vaso de plástico. E ali foi crescendo a cada florada. A primeira vez que aquela violeta me chamou a atenção foi quatro anos depois. Dona Cyl ia viajar para Israel e, arrastando a mala antes de sair, parou diante do vaso:

— Que pena... Os botões estão explodindo e eu nem vou ver!

Enquanto no Oriente Médio ela comia morangos irrigados no deserto e punha seu pedido no Muro das Lamentações, em Porto Alegre os botões inchavam feito couves-de-bruxelas. Dezoito dias depois, quando ela voltou, todos os botões abriram.

Eu vi. Ninguém me tira da cabeça que a espertinha captou o cheiro, a voz, a vibração de quem cuidava dela. Por falar em cuidados, os da minha mãe eram totalmente improváveis. A violeta ficava longe da janela, a quantidade de água era absurda – sempre enchia o pratinho (na época, recomendava-se fazer exatamente o que hoje dá multa por causa da dengue). E, mesmo assim, a planta não parava de crescer e de dar flores.

Nos anos 1980, mudei de casa e minha mãe passou a mandar fotos: “Contei 62 botões!”. Nos anos 1990, não só a violeta continuou linda como passou dos 30 cm de diâmetro. Era a atração das visitas e todas as amigas pediam mudas. Minha mãe fez dezenas, mas nenhuma chegou aos pés da original. Em um certo momento, a violeta começou a virar inteira em direção à janela, buscando luz. O caule fez uma curva e ela ficou perpendicular ao balcão. Achei que era demais.

— Mãe, replanta essa violeta ou ela vai tombar!

— Deixa ela, não te mete!

E não tombou. Mas, mais adiante, começou a murchar. Confesso que eu tinha um medo secreto de que quando a violeta se fosse, minha mãe iria também. Elas viveram juntas por 23 anos. Dona Cyl ficou mais 10 anos conosco. Não sei quanto pode durar uma violeta, mas sei que esta é uma história de amor entre uma mãe e uma flor. E eu tive a felicidade de viver esse presente.

ananda-apple (Foto: Lufe Gomes/Editora Globo)

Foto: Lufe Gomes/Editora Globo

Ananda Apple (@anandaappleoficial) é repórter da TV Globo especializada em natureza e apresentadora do Quadro Verde do Bom Dia São Paulo