Teatro e dança
PUBLICIDADE
Por — Rio de Janeiro

Uma ligação recebida em 2020, durante a pandemia, pegou Claudia Raia de surpresa. Do outro lado da linha, estava Tarsilinha, sobrinha-neta de Tarsila do Amaral (1886-1973), com uma proposta irresistível: a museóloga e os outros herdeiros da pintora, um dos maiores nomes do Modernismo na América Latina, desejavam que a atriz, e somente ela, levasse a vida e a obra de Tarsila aos palcos. O desafio? Um lado B da artista jamais divulgado, além da imagem de “musa do Modernismo, da mulher acima do bem e do mal, chiquérrima e riquíssima”. Assim nascia “Tarsila, a brasileira”, que faz curtíssima temporada no Vivo Rio, de sexta (31) a domingo (2), após ficar em cartaz em São Paulo por quatro meses.

Claudia Raia e Jarbas Homem de Mello com o filho Luca, após uma sessão da peça — Foto: Reprodução/Instagram
Claudia Raia e Jarbas Homem de Mello com o filho Luca, após uma sessão da peça — Foto: Reprodução/Instagram

— Tarsilinha disse que achava que eu tinha a força da Tarsila — relembra Claudia, também produtora do espetáculo.

Na trama, um elenco de 23 atores, incluindo Jarbas Homem de Mello, marido da atriz, conta a história de Tarsila desde momentos emblemáticos de sua trajetória profissional — como a criação do Grupo dos Cinco (com Anita Malfatti, Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Menotti del Picchia), do movimento antropofágico e de “Abaporu” (1928) — à vida pessoal, como o conturbado casamento com Oswald (1890-1954) e as cartas trocadas com o médium Chico Xavier (1910- 2002) após a morte da única filha, Dulce, em 1966.

Coube a Claudia a missão de encontrar diretor, atores, compositores e amarrar o projeto — tarefa que a atriz, produtora desde os 19 anos, está habituada.

— Gosto tanto de produzir quanto gosto de atuar. Me dá mais liberdade e tenho controle da qualidade artística — pondera.

Gestação dupla

Foram necessários quase três anos para colocar a peça de pé e desenvolver texto e músicas, junto a Anna Toledo e José Possi Neto, que assina a direção. No meio do caminho, veio a gravidez do terceiro filho, aos 55 anos. Luca nasceu em fevereiro de 2023, e Claudia subiu ao palco 11 meses depois. Por trás das cortinas, a atriz divide com o marido os cuidados com o bebê, de 1 ano e 3 meses.

— A gente equilibra 11 pratinhos. Mas o Luca é uma criança facinha. Ele vai ao teatro, fica quietinho, toma banho lá e até janta com a gente. Acabamos fazendo um espaço de brinquedos no meu camarim. Filho de artista é criado em coxia. Foi assim com o Enzo e a Sofia, e será com ele também — garante.

No tablado, Jarbas é Oswald, o que, para ela, permite um gracejo que confunde o público.

— Eles ficam sem saber o que é verdade e o que é mentira, por sermos um casal na vida real. A gente se diverte. Nisso, acho que somos parecidos com a Tarsila e o Oswald, pois um potencializava o trabalho do outro. É o que acontece com a gente — opina Claudia, que pretende voltar com o espetáculo para o Rio, onde, em dezembro, reestreia “Concerto para dois”, comédia musical em que ela e Jarbas interpretam 12 personagens.

Nua em cena

Em certo momento do espetáculo, a atriz fica nua em cena, o que, segundo ela, causa espanto em certas pessoas porque “o corpo da mulher ainda é um problema para os machistas”:

— Não é um “nu pelo nu”. Isso aconteceu quando Tarsila estava criando o “Abaporu”. Ela estava em casa, procurando inspiração para fazer o presente de aniversário do Oswald. Nessa busca, tirou a roupa, sentou no chão em frente a um espelho inclinado e, por conta do ângulo, ficou com as extremidades deformadas, com os pés maiores. No fundo, é um autorretrato. Dizem que o cacto é o fálico da relação dos dois, e o sol, a íris do olho amarelado dele.

Machismo, aliás, também é abordado no musical que narra, entre outras coisas, como a pintora lutou para, em 1923, anular o casamento com um primo que a agredia.

— A gente está falando de uma mulher feminista, libertária, que já era o futuro há 100 anos. Ela não tinha pudores, era livre. Tarsila viveu coisas muitos pesadas pela sua liberdade. Não é em um musical que vamos esconder isso — argumenta a protagonista.

Amarrada no poste

O processo para se transformar em Tarsila, porém, “foi bem complicado”.

— Foi um trabalho de pesquisa minucioso, já que não tínhamos vídeos dela jovem. Ela tinha os ombros para frente e uma cifose (curvatura anormal da coluna), que fazia com que o pescoço ficasse caído para frente, além de ser extremamente tímida — destaca, acrescentando que seu temperamento e características físicas são bem diferentes. — Eu sou o oposto dela. Sou alegre, minha postura é erguida... Tive que criar essa persona, lenta, que falava e andava pausadamente.

A parte mais difícil ainda estava por vir para a bailarina Claudia Raia: dançar com o corpo de sua Tarsila.

— O Jarbas costuma dizer que ela é um vulcão em contenção. É de uma força impressionante, mas contida. Tive que colocar a Claudia Raia amarrada em um poste, precisava me retirar — analisa.

Ícone da moda

Conhecida como “o olho que tudo vê” por colegas de profissão, a exigente atriz e produtora se diz satisfeita com o resultado da superprodução, que custa R$ 500 mil por mês e conta com equipe de 65 pessoas, além de sete caminhões para transportar o cenário, tomado por enormes reproduções de obras de Tarsila.

— Para mim, um dos destaques é o figurino do Fábio Namatame. A Tarsila e o Oswald eram ícones da moda, paravam Paris, e isso é uma coisa que pouca gente sabe. Eles tinham muito dinheiro e, com isso, modernizaram a moda.

Aos 57 anos, Claudia não tem dúvidas de que a maturidade foi fundamental para encarar um personagem como Tarsila.

— É um trabalho bem diferente de tudo que já fiz. Quando você tem muitos anos de carreira, procura alguma coisa para se reinventar. E ganhei uma que era o oposto de mim. Foi uma escola — reflete a atriz, que se diz surpresa com a repercussão do musical. — No intervalo, as pessoas pesquisam as obras de Tarsila e Anitta Malfatti, sobre o que o Oswald de Andrade escreveu... É muito bonito a plateia envolvida numa história que fala sobre parte da identidade artística do país.

Programe-se:

Onde: Vivo Rio. Av. Infante Dom Henrique 85, Parque do Flamengo. Quando: Sex, às 21h. Sáb, às 17h e às 21h. Dom, às 16h e às 20h. Únicas apresentações. Quanto: De R$ 50 (frisa) a R$ 320 (setor premium). Classificação: Livre.

Mais recente Próxima Grupo Corpo, 'Humor solidário' e mais: espetáculos de dança e peças em cartaz no Rio