Cinema
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Por — Rio de Janeiro

Se o espectador perder o chão, o fôlego, o prumo durante “A paixão segundo G.H.”, pode relaxar. Está no caminho certo traçado pela obra inspiradora de Clarice Lispector há 60 anos. Mesmo assim, convém contar com reações polarizadas. Súditos de GH, sem prancha de salva-vidas, deverão embarcar em trip quase alucinógena verbal, visual e sonora, enquanto hereges desavisados boiarão à deriva, eventualmente enfeitiçados — pela beleza do texto, pela estrutura multifacetada da narrativa e pelo magnetismo da entrega de Maria Fernanda Cândido.

Seguindo os próprios rastros na direção de “Lavoura arcaica”, obra-prima de 2001 baseada no livro de Raduan Nassar, Luiz Fernando Carvalho não se intimidou, mais uma vez, em somar fidelidade e liberdade radicais, acompanhado por Melina Dalboni no roteiro e virtuosismo técnico de primeira linha. Resumo da obra: socialite e escultora vivia bem até despedir a empregada Janair, em cujo quartinho se depara com (hoje) célebre barata, gatilho para imersão tão visceral que G.H., vez por outra, olho no olho do espectador, pede que este lhe segure a mão. Faz sentido.

Seu incessante fluxo verbal se entrelaça a um visual deslumbrante de enquadramentos, cortes, espelhamentos e reflexos embalados por rica trilha sonora. Maria Fernanda Cândido conduz esta odisseia particular com potência luminosa, etérea, através do olhar e dos poros. Como Janair, a força de Samira Nancassa, nascida em Guiné Bissau. Aos assustados, um conselho via voz de GH: ousar correr o sagrado risco do acaso. Pode ser um bom ponto de partida para conhecer um dos textos mais empolgantes da literatura brasileira.

Bonequinho aplaude de pé.

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