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A opinião do GLOBO.

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Em 31 de agosto de 1993, surgia na Casa de Custódia de Taubaté, em São Paulo, a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), criada sob o pretexto de combater a opressão no sistema penitenciário e de evitar massacres como o do Carandiru, que deixara 111 mortos um ano antes. Três décadas depois, o PCC tornou-se uma potência do crime. Domina rotas internacionais do comércio de drogas, controla presídios, influi nos índices de violência e desafia governos, como mostrou a série especial do GLOBO “Multinacional do tráfico”.

O foco no faturamento, especialmente a partir da ascensão do chefão Marcos Willians Herbas Camacho, ou Marcola, rapidamente expôs a realidade da organização criminosa. Nas últimas décadas, o PCC não só consolidou sua hegemonia nos presídios paulistas, como expandiu seus domínios para outros estados e países, despertando a atenção de autoridades internacionais. Em 2021, foi incluído numa lista de bloqueios do Departamento de Tesouro dos Estados Unidos.

O poderio criminoso do PCC deveria preocupar a todos. Com faturamento estimado em pelo menos US$ 1 bilhão por ano (80% provenientes do tráfico internacional), a facção atua em 24 países, reúne mais de 40 mil integrantes e envia droga aos cinco continentes. Está presente em praticamente todo o Brasil, em vários países da América Latina, nos Estados Unidos e em parte da Europa e do Oriente Médio, segundo o grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo. Na expansão, estreitou laços com organizações criminosas de todo o mundo.

Sob a vista das autoridades, o PCC se profissionalizou em exportar drogas pelo Porto de Santos, o maior do país. O esquema que embutia pequenas quantidades nas bagagens de marinheiros foi substituído por carregamentos em contêineres ou por métodos mais sofisticados, como esconder a carga no casco de navios com auxílio de mergulhadores.

Para consolidar seu poder e dar legitimidade às ações criminosas, o PCC tem se infiltrado em atividades legais, repetindo comportamento de milícias e máfias internacionais. Em abril, o Ministério Público de São Paulo expôs os elos nefastos da facção com duas das maiores empresas de ônibus da capital paulista, que prestavam serviço a milhares de passageiros e recebiam recursos públicos. Segundo investigações, empresas estabelecidas servem para lavar o dinheiro ilegal obtido com o tráfico. Na semana passada, dezenas de hotéis no centro da capital paulista foram fechados, sob a acusação de também lavar dinheiro para a facção criminosa.

As disputas do PCC pelo controle das rotas do tráfico com outras facções (como Comando Vermelho, do Rio, ou organizações criminosas do Norte e Nordeste) exercem impacto direto na violência. Os índices de criminalidade costumam flutuar ao sabor dos períodos de guerra e armistício entre as quadrilhas. Rebeliões e massacres em presídios também refletem essas tensões. Estudiosos de segurança afirmam que, não por acaso, em 2017 o Brasil atingiu o maior número de mortes violentas já registrado num período de acirramento dessas disputas.

Por mais que a União queira alegar que o combate à violência é tarefa constitucional dos estados, está claro que as unidades da Federação sozinhas não têm como enfrentar organizações criminosas que se transformaram em multinacionais do crime, com faturamento que lhes permite comprar armamento tão ou mais potente que o usado pelos agentes da lei. A droga que vem de países produtores da América do Sul entra facilmente pelas fronteiras, circula por rodovias movimentadas e sai sem problemas por portos e aeroportos com destino a Estados Unidos e Europa. Tal controle evidentemente compete à União.

Não surpreende que os índices de violência no Brasil permaneçam altos, com pequenas oscilações nos últimos anos, a despeito das políticas públicas. Pesquisas de opinião têm mostrado que a segurança é hoje uma das principais preocupações dos brasileiros. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que enfrenta queda de popularidade, continua titubeante diante da questão.

Não dá para ignorar que as cidades brasileiras vivem uma rotina de insegurança e medo. Áreas dominadas pelo crime onde o poder público não entra, populações achacadas por milicianos e traficantes, presídios dominados, assaltos, estupros e assassinatos à luz do dia transmitem sensação de anomia. Quem está no controle? É preciso reconhecer que, apesar de vitórias pontuais, o Brasil tem fracassado no enfrentamento ao crime organizado. Passou da hora de o governo federal assumir o papel que lhe cabe na segurança pública.

Ele deve aos brasileiros um plano robusto para enfrentar as organizações criminosas que amedrontam o país. É preciso haver ação articulada com os estados, sob coordenação da União, integrando todas as forças da lei. É fundamental também buscar cooperação internacional e mirar o braço financeiro das quadrilhas, de modo a enfraquecê-las. As facções se expandiram e se profissionalizaram, enquanto o Estado continua agindo com amadorismo. Quanto mais tempo o governo levar para combatê-las, mais difícil será o combate.

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