Mundo Guerra na Ucrânia

Zelensky usa lei marcial para suspender 11 partidos pró-Rússia e controlar a imprensa televisiva durante a guerra

Medidas de exceção despertam críticas; deputado pró-União Europeia compara restrição da informação a medida ditatorial
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, em pronunciamento neste domingo Foto: HANDOUT / AFP
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, em pronunciamento neste domingo Foto: HANDOUT / AFP

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, usou neste domingo os poderes especiais concedidos pela lei marcial em vigor no país para suspender temporariamente as atividades de partidos políticos acusados de manter laços amigáveis com a Rússia  e para controlar as informações jornalísticas veiculadas na televisão.

Zelensky anunciou que, dada a invasão em larga escala da Rússia, o Conselho de Segurança e Defesa Nacional ucraniano decidiu suspender todas as atividades na Ucrânia de 11 partidos políticos. A maioria dos partidos afetados é pequena e sem representação parlamentar, mas um deles, a Plataforma de Oposição pela Vida, detém 44 assentos no Parlamento ucraniano, de 450 deputados.

— As atividades desses políticos visando divisão ou conluio não terão sucesso, e receberão uma resposta dura — disse Zelensky, em um discurso em vídeo. — O Conselho de Segurança e Defesa Nacional decidiu que, dada a guerra em grande escala deflagrada pela Rússia, e os laços políticos que várias estruturas políticas têm com este Estado, irá suspender todas as atividades de vários partidos políticos durante o período de lei marcial.

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Um decreto de lei marcial foi baixado por Zelensky no mesmo dia da invasão russa, 24 de fevereiro, e prorrogado por 60 dias pelo Parlamento ucraniano na semana passada, contados a partir de 26 de março.

A Plataforma de Oposição pela Vida, o maior partido de oposição da Ucrânia, é liderada por Viktor Medvedchuk, um empresário pró-Moscou com laços estreitos com o presidente russo, Vladimir Putin, a quem conhece há mais de 20 anos. O empresário teve seus bens — avaliados em US$ 620 milhões pela revista Forbes em 2021 — congelados pelo governo federal ucraniano em fevereiro de 2021, acusado de financiar o terrorismo. Em maio, ele foi posto em prisão domiciliar na Ucrânia, acusado de traição.

Em 27 de fevereiro deste ano — três dias após o início da guerra — ele escapou da prisão domiciliar. Seu advogado falou que ele “foi retirado para um lugar seguro em Kiev”, após sofrer ameaças. Especula-se que, se Putin quiser tirar Zelensky do poder para instituir um governo fantoche, o empresário pode ser nomeado um dos seus líderes. Lideranças do partido disseram que a suspensão “não tem base legal”.

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A lista de partidos suspensos inclui também o Nosso, liderado por Yevhen Murayev, outro nome cotado para assumir um governo em um possível cenário pós-Zelensky. Murayev negou com ênfase essa acusação, feita pela Inteligência britânica pouco antes da guerra. Os outros partidos não têm representação no Parlamento. O Ministério da Justiça ucraniano foi instruído a imediatamente "tomar medidas abrangentes para proibir as atividades desses partidos".

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Em outro decreto, Zelensky instituiu "a implementação de uma política de informação unificada em lei marcial", obrigando todos os canais televisivos de notícias a transmitirem as mesmas informações. O decreto afirma que esta “é uma questão prioritária de segurança nacional, o que é alcançado pela combinação de todos os canais de TV nacionais cujo conteúdo programático consiste principalmente em programas informativos e/ou analíticos de informação em uma única plataforma de informação de comunicação estratégica, com maratona de informações 24 horas por dia”.

Sete canais deverão ser afetados. Zelensky justifica a medida “dada a agressão militar direta da Federação Russa, a disseminação ativa de desinformação pelo Estado agressor, a distorção de informações para negar a agressão armada da Federação Russa contra a Ucrânia, e com o fim de dizer a verdade sobre a guerra e garantir um status de política de informação unificada���.

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O deputado do partido pró-Ocidente Solidariedade Europeia Mykola Kniazhytsky, que é fundador do canal Expresso, classificou o decreto como “ilegal e injusto”. “O povo está lutando pela liberdade, não pela ditadura. Está lutando pela visão de mundo ucraniana, não pela paz russa”, escreveu no Facebook. “Estou pronto para apoiar Zelensky e apoiá-lo na luta conjunta contra o agressor. Mas esta é uma luta por um mundo democrático, não uma ditadura”.

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Kniazhytsky acrescentou que “a última vez que o Expresso foi fechado foi [pelo ex-presidente pró-Rússia Viktor] Yanukovych, durante o Maidan [a revolta de 2014]. Não deu certo. Putin e seus aliados, que empurraram este decreto para Zelensky, também não terão sucesso”.

Neste domingo, como já fez nos EUA. na Alemanha e em outros países, Zekensky discursou por vídeo para o Parlamento  de Israel e cobrou que o país "tome uma decisão" e apoie a Ucrânia contra a Rússia, afirmando que não é possível "mediar entre o bem e o mal". O país tem boas relações com Moscou e Kiev, e o premier israelense, Naftali Bennett, se ofereceu para mediar um cessar-fogo.

Novas negociações

Segundo o Jornal ucraniano Pravda, as negociações entre a Ucrânia e a Rússia decorrem todos os dias ao nível dos grupos de peritos, e devem a quinta rodada entre as delegações oficiais nesta segunda-feira.

Em entrevista à emissora americana CNN, Zelensky pediu intensificação das negociações:

— Sempre insistimos em negociações. Sempre oferecemos diálogo, oferecemos soluções para a paz — disse ele. — E quero que todos me ouçam agora, especialmente em Moscou. É hora de conhecer. Hora de falar. É hora de restaurar a integridade territorial e a justiça para a Ucrânia.

Zelensky já sinalizou que a Ucrânia está disposta a aceitar alguma espécie de neutralidade militar — o que incluiria a desistência da adesão à Otan — como saída para o conflito.

A negociação ainda envolve outros pontos delicados, como as garantias de segurança da Ucrânia e a soberania da Península da Crimeia, anexada militarmente pela Rússia em 2014, e das províncias do Donbass, controladas por separatistas pró-Moscou desde 2015,, que pedem independência de Kiev.

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Assim como o fizera na semana passada, Zelensky indicou que a Ucrânia não aceitará ceder território à Rússia:

— Há compromissos para os quais não podemos estar prontos como um estado independente — afirmou. — [Não estamos prontos para aceitar] nenhum compromisso relacionado à nossa integridade territorial e nossa soberania, e o povo ucraniano deixou isso claro Eles não receberam os militares russos com buquês de flores, eles os saudaram bravamente, eles os enfrentaram com armas na mão.