Mundo Guerra na Ucrânia Rússia

Em negociações, Ucrânia insiste em reconhecimento de integridade territorial, e russos dizem 'estarem prontos' para trabalhar por acordo

Assessor de Zelensky diz que país não abrirá mão das fronteiras estabelecidas em 1991, o que inclui a Crimeia e as províncias de Luhansk e Donetsk, e sugere que acordo preliminar poderá ser atingido em até 10 dias
Fumaça é vista no mercado de Barabashovo market, em Kharkiv, depois de informações sobre ataque russo Foto: SERGEY BOBOK / AFP
Fumaça é vista no mercado de Barabashovo market, em Kharkiv, depois de informações sobre ataque russo Foto: SERGEY BOBOK / AFP

KIEV E MOSCOU — Em conversas agora mantidas de forma virtual, representantes da Rússia e Ucrânia seguem em busca de um acordo sobre um cessar-fogo duradouro e o estabelecimento das linhas de um futuro acerto de segurança regional depois que as armas silenciarem. Mas, apesar de declarações otimistas, em especial do lado russo, não há sinais claros de quando ou como isso vai acontecer.

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Um dos pontos centrais sobre a mesa é a soberania territorial da Ucrânia: a Rússia vem sinalizando que não aceitará a devolução da Península da Crimeia, anexada em 2014 e hoje integrada às instituições russas — Moscou também defende que as províncias ucranianas de Donetsk e Luhansk sejam reconhecidas como independentes, questão que serviu como um dos estopins do conflito.

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Contudo, essas são questões fora de consideração para Kiev. ao menos publicamente: como o presidente Volodymyr Zelensky pontuou recentemente, seu governo exige que sejam observadas as fronteiras relativas a 1991, quando o país se tornou independente em relação à União Soviética.

— Sobre os territórios ocupados, a posição da Ucrânia não mudou: as fronteiras não podem ser modificadas. Contudo, eu acredito que precisamos agir de forma sóbria em nossos julgamentos. Pelas leis, a Crimeia, Donetsk e Luhansk permanecem partes da Ucrânia, mas de fato nós não as controlamos, o governo russo funciona por lá — disse o conselheiro presidencial e chefe da delegação de negociadores ucranianos, Mykhailo Podolyak, em entrevista a veículos poloneses.

Tal postura também foi reafirmada pelo presidente Volodymyr Zelensky em declarações recentes.

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Podolyak reconheceu que a delegação russa está se mostrando disposta a negociar, mas disse que há dificuldades que impedem um acerto rápido, uma vez que todos os lados buscam proteger seus interesses.

— O cessar-fogo imediato e a retirada das tropas russas da Ucrânia é um dos principais pontos de um acordo de paz. Caso contrário, não há possibilidade [de um acordo]. No entanto, as negociações são um processo de grande porte, em que não só Rússia e Ucrânia estão envolvidas. Nossos parceiros também participam indiretamente — disse Podolyak. — Porque não basta assinar um texto. Queremos desenvolver um mecanismo concreto que garanta a nossa segurança no futuro.

Em uma declaração até certo ponto otimista, disse que um acerto preliminar poderá sair em cerca de 10 dias.

— Poderiam ser necessários poucos dias, mais ou menos uma semana e meia, para encontrar um acordo sobre os pontos mais controversos. A assinatura de um acordo colocará fim à fase aguda do conflito, nos permitirá honrar todos aqueles que foram assassinados e iniciar a reconstrução do país. Mas, duvido que para os ucranianos a guerra vai acabar ali, não depois de tudo que passamos — afirmou o negociador, sem descrever quais seriam esses pontos controversos.

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Até o momento, as conversas tiveram como resultado prático o estabelecimento de corredores humanitários para a retirada de civis de áreas atacadas pelas forças russas, como Kharkiv (Norte) e Mariupol, na costa do Mar de Azov. Na quarta-feira, o jornal Financial Times chegou a revelar que os dois lados estavam perto de acertar um acordo de paz composto por 15 pontos , incluindo a permissão para que a Ucrânia mantenha forças de autodefesa, mas que se mantenha neutra militarmente e se comprometa a jamais entrar para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), uma das principais exigências de segurança feitas por Vladimir Putin antes do início da guerra.

No Twitter, Podolyak afirmou ainda que um modelo de garantias jurídicas para evitar novas agressões, garantidas por parceiros internacionais, também estava sobre a mesa, sugerindo que os signatários se comprometeriam com uma intervenção militar em defesa da Ucrânia em caso de uma nova invasão. Nesta quinta-feira, o chanceler turco, Mevlut Cavusoglu, revelou que o governo ucraniano propôs que Ancara fosse uma dessas nações que garantiriam a integridade territorial do país.

— A Ucrânia fez uma oferta sobre o acordo de segurança coletiva, do qual participariam o P5 [cinco países com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU], além de Turquia e Alemanha — disse Cavusoglu, após reunião com o chanceler ucraniano, Dmytro Kuleba, em Lviv. — Durante meus contatos em Moscou, ontem [quarta-feira], vi que a Federação Russa não tinha qualquer objeção, e que poderia aceitar uma oferta do tipo.

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Em outra frente, o presidente turco, Recep Tayyp Erdogan, se ofereceu para sediar um encontro entre Putin e Zelensky, "em Ancara ou Istambul", algo que poderia ocorrer após o acerto dos termos de um cessar-fogo. Para Erdogan, o fim das hostilidades é o caminho para um acerto mais longo, de acordo com relato da conversa telefônica entre ele e o líder russo, feito pelo Kremlin.

Em entrevista coletiva, o secretário de Imprensa do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que não há avanços nas conversas que possam ser anunciados neste momento, se referindo à matéria do Financial Times, e disse que os negociadores russos estão empenhados em uma saída diplomática para o conflito.

— Quero repetir mais uma vez: nossa delegação, chefiada por [Vladimi] Medinsky, com a participação de especialistas e departamentos relevantes, está pronta para trabalhar 24 horas por dia e demonstra essa prontidão. Infelizmente, não vemos um zelo semelhante do lado ucraniano — afirmou Peskov.

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Segundo diplomatas e funcionários de governos ocidentais com conhecimento das conversas, ouvidos pela Reuters, ainda há diferenças consideráveis entre os dois lados, apesar do empenho dos negociadores. Um deles chegou a pôr em xeque a disposição russa em chegar a um acerto, citando a dura fala de Vladimir Putin, na quarta-feira, quando ele atacou as lideranças em Kiev e sugeriu que vai "cuspir como moscas" traidores dentro da Rússia.

— Quem viu o presidente Putin se dirigir à nação ontem [quarta] deve ser perdoado caso entenda que a Rússia não apresenta um comportamento que sinalize para um compromisso — afirmou à Reuters.

Um dos entrevistados, em condição de anonimato, afirmou acreditar ainda que a China ainda está formulando sua resposta ao pedido russo de apoio militar, feito esta semana.

— A liderança [chinesa] gostaria de apoiar a Rússia, mas está cada vez mais preocupada com o impacto de uma ajuda no atual momento e nos impactos em sua reputação do fato de estar no mesmo lado que a Rússia — disse. — É um quadro complexo e nem um pouco estático.

Nesta sexta--feira, o presidente chinês, Xi Jinping, deve conversar com Joe Biden, e ouvir do líder americano que Pequim poderá sofrer represálias caso siga apoiando o que Washington chama de "agressão russa" contra a Ucrânia.

— Nos preocupa que estejam [a China] planejando ajudar diretamente a Rússia com equipamentos militares para que sejam usados na Ucrânia. O presidente Biden vai deixar claro amanhã [sexta-feira] ao presidente Xi de que a China assumirá a responsabilidade de qualquer ação para apoiar a agressão da Rússia. E não pensaremos duas vezes ao impor custos a eles — disse a jornalistas o secretário de Estado, Antony Blinken.