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Talibã proíbe cultivo de papoula no Afeganistão

País é o maior produtor mundial de ópio, extraído da planta, e medida vai impactar em milhares de agricultores que aderiram a seu cultivo para enfrentar crise econômica
Agricultores cultivam papoulas na província de Kandahar, no Afeganistão: cultivo agora está proibido pelo Talibã Foto: JAVED TANVEER / AFP
Agricultores cultivam papoulas na província de Kandahar, no Afeganistão: cultivo agora está proibido pelo Talibã Foto: JAVED TANVEER / AFP

CABUL, Afeganistão — O Talibã anunciou neste domingo que o cultivo de papoula no Afeganistão está proibido. A medida terá consequências de longo alcance para muitos agricultores que se voltaram para a colheita ilícita quando uma seca brutal e a crise econômica assolaram o país nos últimos anos.

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Mawlawi Abdul Salam Hanafi, vice-administrador do primeiro-ministro, leu o decreto oficial para a mídia local e internacional durante uma entrevista coletiva no Ministério do Interior. Oficiais de alto escalão do Talibã, incluindo o ministro do Interior interino, Sirajuddin Haqqani, estavam presentes.

“Todos os compatriotas são informados de que, a partir da data de emissão deste decreto, o cultivo de papoula é absolutamente proibido em todo o país, e ninguém pode tentar cultivar a planta”, informa o decreto, emitido pelo líder do Talibã, Haibatullah Akhundzada. “Se alguém violar o decreto, a safra será destruída e o infrator será tratado segundo os princípios da Lei Islâmica.”

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A decisão do Talibã de proibir a papoula no Afeganistão, que responde por cerca de 80% da oferta mundial de ópio, ocorre quando o grupo está sob crescente pressão internacional após uma série de decretos direcionados às mulheres, incluindo a proibição de acesso ao ensino médio.

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O decreto emitido neste domingo proíbe também uso, venda, transferência, compra, importação e exportação de vinho, além de heroína e outras drogas.

Depois que o Talibã derrubou o governo apoiado pelo Ocidente, em agosto de 2021, os insurgentes que se tornaram governantes indicaram o desejo de proibir a produção de ópio, mas disseram logo depois que não havia planos para interromper ou erradicar o cultivo, reconhecendo que os afegãos estavam no meio de uma crise econômica.

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Muitos fazendeiros previam algum tipo de proibição após o retorno do Talibã ao poder e sabiam que cultivar a safra — que pode ser armazenada por algum tempo após a colheita — seria um bom investimento, pois a oferta diminuiu e os preços subiram. O anúncio do Talibã deste domingo foi feito durante a época da colheita da papoula.

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Na província de Kandahar, campos de papoulas brancas se alinham na Estrada 1, que corta a região. A colheita é misturada com trigo e uvas. A colheita está em andamento, com equipes de trabalhadores fatiando os bulbos e raspando a resina leitosa que eventualmente será o ópio.

Agricultores de papoula na região, que é considerada o berço do Talibã, disseram no domingo que desconheciam qualquer tipo de proibição.

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O Talibã tem uma relação complicada com a safra. Durante sua primeira vez no poder, o grupo fez várias tentativas desanimadas de restringir o ópio antes de proibir seu cultivo por motivos religiosos no fim dos anos 1990 e em 2000.

No entanto, depois que foram derrubados do poder, após a invasão dos EUA em 2001, o Talibã se voltou para a colheita para obter recursos, usando os lucros para alimentar sua máquina de guerra por duas décadas.