Mundo Ásia

No Afeganistão, avanço do Estado Islâmico representa ameaça crescente ao novo governo do Talibã

Aumento de ataques aumenta insegurança no país e acende alerta no exterior
Polícia do Talibã patrulhando o centro da cidade de Jalalabad, no Afeganistão Foto: Victor J. Blue / New York Times
Polícia do Talibã patrulhando o centro da cidade de Jalalabad, no Afeganistão Foto: Victor J. Blue / New York Times

JALALABAD, Afeganistão — A guerra de Aref Mohammad contra o Estado Islâmico (EI) terminou em setembro, quando sua unidade de combatentes do Talibã foi emboscada pelo grupo terrorista no Leste do Afeganistão. Uma bala estilhaçou seu fêmur, deixando-o com dificuldade para andar. Para o Talibã, que agora governa o Afeganistão, porém, a guerra contra o EI estava apenas começando.

— Se soubéssemos de onde eles são, iríamos persegui-los e destruí-los — disse Mohammad, de 19 anos, em sua cama de hospital em Jalalabad, capital da província de Nangarhar, no Leste afegão, onde o Estado Islâmico mantém presença desde 2015.

Entenda : Conheça a filial do Estado Islâmico no Afeganistão, inimiga comum de EUA e Talibã

Nos dois meses desde que o Talibã assumiu o controle do país após a retirada das tropas americanas, o braço do EI no Afeganistão — conhecido como Estado Islâmico do Khorasan, ou Isis-K, na sigla em inglês— intensificou seus ataques, sobrecarregando o novo governo e levantando preocupações no Ocidente sobre o potencial ressurgimento de um grupo que pode um dia representar uma ameaça internacional.

Entre 18 de setembro e 28 de outubro, o Estado Islâmico realizou pelo menos 54 ataques no Afeganistão — incluindo atentados suicidas, assassinatos e emboscadas em pontos de controle de segurança, de acordo com uma análise da ExTrac, uma empresa que monitora a violência em zonas de conflito. É um dos períodos mais ativos e mortais do EI no país asiático.

Os ataques visam principalmente patrulhas do Talibã como a de Mohammad e também as minorias xiitas do Afeganistão. Atentados suicidas em Cabul e em cidades importantes, incluindo Kunduz, no Norte, e Kandahar, no Sul, mataram pelo menos 90 pessoas e feriram centenas de outras em algumas semanas. Na terça-feira, combatentes do EI realizaram um ataque coordenado com pistoleiros e pelo menos um homem-bomba em um importante hospital militar da capital, matando pelo menos 25 pessoas.

Isso colocou o Talibã em uma posição precária: depois de passar 20 anos lutando como uma guerrilha, o grupo está batalhando para fornecer segurança e cumprir seu compromisso de prover lei e ordem. Isso se provou especialmente desafiador para o Talibã, que tenta se defender e proteger os civis nas cidades contra ataques quase diários com um Exército treinado para a guerrilha rural.

Três prefeitos para Cabul : Um caso raro de colaboração com o Talibã

O aumento dos ataques também alimentou o crescente desconforto entre as autoridades ocidentais, com algumas previsões de que a filial afegã do Estado Islâmico — muitas vezes considerada uma ameaça regional — poderia se tornar capaz de atacar alvos internacionais em questão de seis a 12 meses.

Para as agências de Inteligência ocidentais, há poucas maneiras de medir a eficácia do Talibã contra o Isis-K, já que voos limitados de drones fornecem informações fragmentadas e suas redes de informantes entraramem colapso.

— O Talibã se acostumou a lutar como grupo insurgente, contando com uma série de ataques assimétricos para atingir as forças afegãs e americanas — disse Colin P. Clarke, analista de contraterrorismo do Soufan Group, uma empresa de consultoria de segurança de Nova York. — Mas parece claro que não pensou muito em como a equação muda na contrainsurgência, que é o papel que eles estão desempenhando agora contra o Estado Islâmico.

Basir, o chefe do braço de Inteligência do Talibã em Jalalabad, é um dos líderes do grupo que está se adaptando para uma guerra na qual ele já esteve do outro lado como um guerrilheiro. Ele agora é responsável por defender uma cidade com centenas de milhares de pessoas. Nos últimos anos, Jalalabad tem sido um alvo fácil para o Estado Islâmico, que despachou células de combatentes de distritos vizinhos para a cidade, realizando assassinatos e bombardeios à vontade.

Basir disse que seus homens adotaram métodos semelhantes aos do governo anterior, contando com equipamentos usados pelo antigo serviço de Inteligência para interceptar comunicações e sinais de rádio — ferramentas oferecidas pelo Ocidente nas últimas duas décadas como parte de um esforço para vigiar o próprio Talibã.

Machismo : Novo reitor talibã impede estudantes e professoras mulheres de frequentarem Universidade de Cabul

Ele, no entanto, insiste em que o Talibã tem o que o último governo e os americanos não tinham: o amplo apoio da população local, o que tem sido uma dádiva para conseguir alertas sobre ataques e localizações de combatantes.

— Há um pouco de arrogância e excesso de confiança porque eles acham que o Isis-K tem um apelo limitado no país — disse Ibraheem Bahis, consultor do centro de estudos International Crisis Group.

Ao anoitecer em Jalalabad em um dia recente de outubro, uma unidade de combatentes do Talibã pertencente à agência de Inteligência passou em uma picape Toyota modificada, com uma metralhadora montada, enquanto as ruas se enchiam de pessoas.

Os talibãs pararam em cruzamentos e pontos de controle, saltando e ajudando no controle de carros e dos onipresentes riquixás amarelos de três rodas. Eles enfiaram a cabeça para dentro de um veículo, iluminando o interior com lanternas, questionando os passageiros e acenando para que continuassem.

— Temos um tribunal para cada criminoso — disse Abdullah Ghorzang, um comandante do Talibã. — Mas não há um tribunal para o Isis-K. Eles serão mortos onde quer que sejam presos.