Mundo
PUBLICIDADE

Por Filipe Barini

Quando Vladimir Putin deu sinal verde para que seus tanques cruzassem a fronteira com a Ucrânia, em fevereiro do ano passado, boa parte dos analistas militares russos — e ocidentais — apostava em um avanço rápido rumo a Kiev. Aquele momento era o ápice de uma preparação que por anos rondou o núcleo do poder no Kremlin, e tinha entre seus objetivos uma alegada “desnazificação” da Ucrânia, um conceito até hoje pouco claro. E, 500 dias — e 8 milhões de refugiados, 6 milhões de pessoas internamente deslocadas, dezenas de milhares de mortos e mais de US$ 150 bilhões (R$ 730,8 bilhões) de infraestrutura destruída —depois, ainda não há clareza de como o conflito pode terminar.

Resistência surpreendeu

Mas, ao apostar numa vitória devastadora, os entusiastas da guerra parecem ter se esquecido de um velho ditado russo: “as galinhas são contadas no outono”, a versão local de “não conte com o ovo antes de a galinha botar”. A resistência ucraniana surpreendeu militares experientes, e o apoio do Ocidente transformou a intervenção em um atoleiro que vai se estender por bem mais do que os 500 dias completados hoje.

“Das guerras que duraram mais de um mês, mas acabaram antes de um ano, só 24% terminaram com cessar-fogo. Quando guerras entre Estados se alongam por mais de um ano, elas duram uma década, em m��dia, resultando ainda em combates esporádicos”, escreveu Benjamin Jensen, pesquisador do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, em relatório de março de 2022 que analisou guerras desde 1946.

A situação da guerra na Ucrânia. — Foto: Arte/ O Globo
A situação da guerra na Ucrânia. — Foto: Arte/ O Globo

— Guerras terminam se um dos contendores ou os dois desistem de lutar ou são obrigados a parar de lutar — afirmou ao GLOBO o coronel da reserva Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, mestre em Ciências Militares. — Na Segunda Guerra, a Alemanha foi derrotada, os Aliados chegaram em Berlim, e Hitler não tinha outra alternativa. A Guerra Irã-Iraque se prolongou por oito anos, e os dois lados estavam exauridos e concordaram em encerrar o conflito.

Contudo, conflitos podem simplesmente não ter um ponto final. Alguns entram em estado de “congelamento”, no qual os dois lados suspendem os combates de grande porte e avanços territoriais, seja por um cessar-fogo, pressão externa ou conveniência. Este cenário se repetiu algumas vezes na História e tem como principal marca a instabilidade, que por vezes transborda em novos enfrentamentos.

O mais conhecido caso é a Guerra da Coreia, travada entre 1950 e 1953, que serviu de cenário para um dos primeiros enfrentamentos diretos entre potências na Guerra Fria, e dividiu a Península Coreana. Oficialmente, os dois lados seguem em estado de guerra, mantêm canais mínimos de contato, e a paz relativa é garantida pela fronteira mais resguardada do mundo e pela presença maciça de tropas dos Estados Unidos (e pelas armas nucleares norte-coreanas).

Dois acordos fracassaram

Este modelo poderia ocorrer na Ucrânia? O exemplo da guerra civil no Leste do país, prelúdio para a invasão russa de fevereiro de 2022, mostra que a resposta é complexa.

Em setembro de 2014, meses depois da anexação da Crimeia e do início dos combates entre milícias separatistas pró-Rússia e as forças ucranianas na região de Donbass, foi firmado um plano mediado por França e Alemanha, o Acordo de Minsk, que tinha como meta pausar o conflito e abrir caminho para o fim duradouro das hostilidades.

Além do cessar-fogo, o plano estabelecia trocas de prisioneiros, entrega de armamentos pesados e a criação de corredores humanitários. Pouco após a assinatura, ele foi seguidamente violado. Uma nova tentativa foi feita em fevereiro de 2015, com o acordo “Minsk 2”, que ampliava os compromissos anteriores. Novo fracasso. Meses antes da invasão russa, Putin usou o acordo que ele mesmo violou como argumento para a sua guerra.

— Será que é do interesse da Rússia manter as posições atuais se ela sentir que poderia, por exemplo, partir para uma nova ofensiva? Eu tenho dúvidas se esse cenário de congelamento hoje seria da vontade do Kremlin — afirma Paulo Filho. — Lá no Donbass [Leste da Ucrânia] teoricamente não era uma guerra da Rússia, era uma guerra civil, embora a gente saiba que os separatistas eram apoiados pela Rússia.

O próprio presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, é um crítico dos acordos de Minsk. Pouco depois de ser eleito, em 2019, afirmou que não faria concessões ao Kremlin e estabeleceu que o fim da guerra no Donbass era prioridade. Com os tanques russos já em seu país, ele diz que a única possibilidade de um cessar-fogo envolve a devolução de todos os territórios ocupados, incluindo a Crimeia. Além, claro, da entrada de seu país na Otan, a aliança militar ocidental liderada pelos EUA, o que não deve acontecer tão cedo — se ocorrer algum dia.

— Não vamos permitir que a Rússia aguarde, acumule forças e depois recomece uma nova série de terror e desestabilização global. Não haverá um “Minsk 3”, o qual a Rússia imediatamente violará depois do acordo — disse Zelensky em novembro passado, durante participação na reunião de cúpula do G20, na Indonésia.

A decisão final, contudo, não cabe só ao líder ucraniano.

— Para você congelar o conflito, os dois lados precisam ter condições de manter as posições atuais. E a Ucrânia só teria essa capacidade se continuar a ser apoiada [pelo Ocidente] — afirma Paulo Filho.

Segundo levantamento do Instituto Kiel para a Economia Mundial, baseado na Alemanha, até 6 de julho, € 165 bilhões (R$ 883 bilhões) em ajuda internacional foram entregues ou prometidos por nações aliadas, especialmente EUA, União Europeia e Reino Unido — embora parte desse valor não tenha chegado de fato a Kiev, trata-se de uma soma considerável, ainda mais em um período de dificuldades econômicas em vários países.

Moradores caminham em escombros de prédio atingido por míssil russo em Kramatorsk, na Ucrânia — Foto: Genya Savilov / AFP
Moradores caminham em escombros de prédio atingido por míssil russo em Kramatorsk, na Ucrânia — Foto: Genya Savilov / AFP

Neste contexto, a pressão por um desengajamento pode se intensificar no Ocidente, a começar pelos EUA, que irão às urnas escolher um novo presidente no ano que vem e terão um Partido Republicano cada vez mais cético em relação aos bilhões enviados à Ucrânia. Em maio, o ex-presidente Donald Trump, favorito à candidatura republicana à Casa Branca, evitou se comprometer com a manutenção da ajuda a Kiev caso seja eleito.

— Eu quero que todos parem de morrer. Eles estão morrendo. Russos e ucranianos — disse em entrevista à CNN. — Nós estamos dando tantos equipamentos, já não temos mais munições para nós mesmos.

‘Risco Trump’

Talvez motivados pelo “risco Trump”, integrantes do governo Biden parecem olhar com mais atenção para uma saída negociada e diplomática, apesar dos fracassos do passado recente. Dias depois da fala do ex-presidente, o site Politico revelou uma proposta preliminar, que envolveria linhas que não deveriam ser cruzadas por russos e ucranianos, mas sem uma demarcação oficial de fronteiras. O apoio ocidental seria garantido, mas os detalhes de como seria essa ajuda não foram definidos.

— É algo plausível, porque nenhum dos lados precisaria reconhecer novas fronteiras, e a única coisa que precisaria ser acertada seria o cessar-fogo ao longo de uma determinada linha — disse ao Politico um integrante do governo Biden, de forma sigilosa.

Mas para chegar a esse estágio, Kiev e Moscou teriam que ceder, algo nada simples. A Ucrânia está em meio a uma contraofensiva, e a Rússia tenta consolidar ganhos no leste e no sul. E esta etapa da guerra está só no início.

— Nós estamos em um impasse. Na minha opinião não há condições de paz neste momento, a não ser que algo muito inesperado aconteça — conclui Paulo Filho.

Veja infográfico com o estado atual da guerra. Caso não consiga visualizar, clique aqui.

Mais recente Próxima Berlusconi: de mansões a iates, conheça herança deixada por bilionário italiano; fotos
Mais do Globo

Presidente deixa de comparecer a eventos em Goiás e Santa Catarina

Lula desiste de agenda em redutos bolsonaristas

O ministro do STF colheu informações diretamente com as autoridades para a segunda fase de encerramento da instrução da 'ADPF das Favelas', da qual é relator

Fachin se reúne com MP e cúpula de segurança para saber o que vem sendo feito para reduzir letalidade policial

Entre o material apreendido foi encontrado cocaína, maconha e lança perfume

PRF apreende cerca de 40 quilos de drogas na BR-101

Sorteios acontece às 20h, no Espaço da Sorte, em São Paulo, e tem transmissão ao vivo

Mega-Sena sorteia prêmio de R$ 121,3  milhões nesta terça-feira; veja números

Equipe treinada por Javier Mascherano tem 18 nomes e quatro campeões do mundo

Com Almada, novo reforço do Botafogo, seleção da Argentina divulga convocação para as Olimpíadas

Segundo a Polícia Militar, identificado com vulgo de 'Beça' é líder da comunidade Proença Rosa, na Zona Norte, e tinha dois mandados de prisão em aberto pelos crimes de roubo, receptação e homicídio

Polícia prende suspeito de ser mandante de ataque na comunidade do Chaves, em Barros Filho, que deixou cinco pessoas feridas

A moeda norte-americana fechou em R$ 5,66, após bater R$ 5,70. Foi o terceiro dia seguido de alta

Real é a quinta moeda que mais desvalorizou em 2024. O que esperar daqui para frente?

Presidente argentino voltou a atacar petista nas redes sociais

Lula é orientado a não reagir a provocações de Milei

Magistrado fez visita institucional ao presidente do Tribunal fluminense, desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo

Ministro Fachin, do STF, fala sobre a modernização tecnológica do TJ-RJ