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Por Marina Gonçalves

A venezuelana Gema Soto Blackman, assim como o afegão Sorab Kohkan não tinham a culinária como ganha-pão em seus países de origem. Ela trabalhava com turismo, ele dava aulas em uma universidade. Mas foi a gastronomia que os salvou quando chegaram ao Brasil, fugindo da fome, da pobreza e do terror. As história dos dois e de mais outros dois refugiados — a congolesa Evodi Mwepu e o sírio Mohamad Alghuorani — são contadas através de suas receitas no livro Sabores & Lembranças, lançado em março pelo Instituto Adus, que atua desde 2010 na integração de refugiados que vivem em São Paulo.

O projeto nasceu em 2015, quando o Adus começou a realizar workshops de gastronomia, inicialmente "para aproximar brasileiros e refugiados por meio da comida e de suas histórias", conta Marcelo Haydu, diretor do instituto. No começo, o formato era de um bate-papo entre 30 a 40 pessoas. Durante a pandemia, no entanto, a ideia virou livro, através do Programa de Ação Cultural (ProAC).

— Percebemos como muitos refugiados estão indo para o ramo da gastronomia para sobreviver. A comida tem um apelo natural e espontâneo de unir e aproximar pessoas. É também uma forma de ter uma fonte de renda e, ao mesmo tempo, manter suas tradições e culturas no Brasil — conta Haydu.

O afegão Sorab Kohkan chegou ao Brasil em 2011, anos depois que o Talibã — que voltou a governar o país em agosto de 2021 — fora expulso do poder por uma coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos. À época, os ataques terroristas eram constantes — assim como a perseguição política. Kohkan, que dava aulas em uma universidade, precisou se virar para sobreviver, depois de passar pela cadeia, como preso político. Foi taxista, chofer e, nos meses antes de deixar o país, cozinhava para casamentos, almoços e jantares festivos.

No Brasil, a culinária também foi sua salvação. No começo, pediu para uma vizinha lhe ensinar a fazer pastéis, uma iguaria tipicamente brasileira que lembrava muito o bolani, de sua terra natal. Mais de uma década depois, tem seu próprio restaurante de comida afegã na Liberdade, bairro no centro de São Paulo.

O afegão Sorab Kohkan — Foto: Raphael Criscuolo
O afegão Sorab Kohkan — Foto: Raphael Criscuolo

— Comecei com a comida brasileira. Além dos pastéis, fazia marmitas para vender. Quando minha mulher finalmente chegou ao Brasil, resolvemos nos voltar para a comida afegã, que é pouco conhecida por aqui — conta ele, em "portunhol", já que antes de chegar ao Brasil passou por Peru e Bolívia. — Há um ano conseguimos abrir nosso próprio negócio.

O projeto atrasou um pouco para sair do papel por um motivo: no ano passado, Kohkan precisou voltar às pressas para o Afeganistão, para resgatar parte da família que havia ficado no país. A tarefa não foi nada fácil: com a volta do Talibã ao poder, ele viveu novamente os riscos de uma década antes.

— Havia boatos de que a volta do Talibã era iminente, e resolvi voltar. Mas não cheguei a tempo. Precisei me esconder nas montanhas, meu filho foi preso na fronteira com o Paquistão, tive pagar sua fiança... Depois de alguns meses, conseguimos chegar a cidade de Hazara, no Paquistão. De lá, seguimos para Islamabad, e voamos para o Brasil. Finalmente, três meses depois, consegui os documentos brasileiros para meu filho, minha filha, uma neta e uma sobrinha — diz. — Agora estamos finalmente focados em nosso restaurante. Ainda é difícil conquistar os fregueses que não conhecem bem a nossa culinária. Mas, aos poucos, os brasileiros começaram a vir por curiosidade. E voltam sempre. Temos muitas coisas em comum: os molhos, os temperos, a maneira de cozinhar.

Assim como o afegão, Gema Soto Blackman começou sua trajetória pela gastronomia pela culinária brasileira mas, sempre que tinha oportunidade, mostrava a comida de seu país, a Venezuela. E como Kohkan, também vê muitas coisas em comum entre as duas gastronomias.

— Nossas raízes culinárias são muito parecidas: aprendemos muito com os povos indígenas, que nos trouxeram a yuca, ou a mandioca, e com os povos africanos, escravizados lá e aqui. Nossa única diferença é o colonizador — brinca ela, lembrando do começo difícil no Brasil. — Durante dois meses comíamos o que dava, porque nossa casa não tinha sequer um fogão. Mas a fome que senti durante esse período era fome da minha casa, da minha família, dos meus amigos.

De uma população de 28,4 milhões de venezuelanos, 7,1 milhões já estão fora de seu país. O drama destes imigrantes e refugiados já supera os da Síria (6,6 milhões) e Ucrânia (6,8 milhões), de acordo com dados da Organização de Estados Americanos (OEA). Somente no Brasil, já estão mais de 365 mil venezuelanos, muitos atraídos pelos benefícios sociais. Cerca de 7.500 são indígenas.

No Instituto Adus, além de cursos de português e empreendedorismo, Blackman conheceu o Migraflix, um serviço de catering para empresas, que tem como foco promover o empreendedorismo gastronômico e cultural. Depois, arranjou um emprego como cozinheira em uma creche.

— Era um hobby que virou uma responsabilidade muito grande: a introdução alimentar das crianças. No começo, não sabia nem os nomes dos temperos, dos cortes, comecei do zero. Mas aquele trabalho me foi abrindo possibilidades e me dando uma visão em relação ao futuro.

Hoje, a venezuelana tem um projeto de delivery com comida familiar e natural, sem agrotóxicos, com utilização total do alimento, da folha ao talho, desperdício zero e matéria-prima de produtores locais.

— A ideia é que aquele que coma nossa comida se sinta perto de casa, da sua família. Que não seja apenas mais uma experiência de alimentação das grandes redes, quando não passa nada pela sua cabeça ou por seu coração quando você come.

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