Brasil
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Por Pâmela Dias — Rio de Janeiro

Chegou um momento, em dezembro de 2021, que a venezuelana Eliane Milano, de 24 anos, não aguentou mais a fome. Com as fronteiras fechadas devido à pandemia, ao lado do marido e da irmã, ela se submeteu às “trochas” — caminhos clandestinos por onde cruzam milhares de pessoas em busca de vida digna no Brasil.

Seguindo um fluxo geracional, Eliane fez uma viagem de quatro dias da Cidade Guayana até Manaus, uma das portas de entrada dos migrantes. As horas que pareciam infinitas no ônibus e os vários quilômetros de caminhada não abalaram o desejo da jovem de encontrar a mãe, Ana María Mendoza, que veio para o Brasil ainda em 2019 em busca de emprego. Do pouco que ganhava como empregada doméstica, metade ia para a filha conseguir fazer as refeições e ainda reservar parte aos “trocheros”, os homens responsáveis pela travessia irregular na fronteira.

— Minha mãe veio para o Brasil com a minha avó. Foram dois anos de tristeza, sem saber como seria a vida, até que decidi migrar também, para tentar uma nova oportunidade e por sentir falta da minha mãe. No começo, as coisas foram muito difíceis aqui por falta de emprego, mas a vida está melhor que antes — recorda.

Eliane é uma entre os mais de 850 mil venezuelanos que chegaram ao Brasil entre 2017 e janeiro deste ano, na chamada migração forçada. Ao todo, 48% dos refugiados venezuelanos são mulheres. As mesmas que, segundo uma pesquisa da Fiocruz, em parceria com a Universidade Federal do Maranhão, e coordenada pela Universidade de Southampton, da Inglaterra, fogem da Venezuela por três principais fatores: fome, saúde precária e violência.

Dados do estudo, que ouviu mais de 2 mil mulheres entre 2018 e 2021, mostram que a maioria das venezuelanas têm idades entre 24 e 35 anos, pardas, com ensino médio completo e alta taxa de fecundidade. Entre elas, 54% deixaram o país natal por dificuldade de conseguir alimento; 37,8% para ter acesso a serviço de saúde; 27,3% por conta da violência; e outras 23,2% em busca de trabalho.

— A situação das que vêm desacompanhadas foi ainda pior porque elas ficaram mais suscetíveis a sofrer violência física, discriminação e até abusos sexuais dos trocheros, que em alguns casos exigiam favores sexuais como forma de pagamento adicional e não previsto. A Covid agravou a demanda pela saúde — explica a coordenadora da pesquisa na Fiocruz, Maria do Carmo Leal.

Na área da saúde, as venezuelanas buscam o Brasil tanto para ter atendimento quanto para o cuidado dos filhos. Segundo o estudo, 40% têm dois ou três filhos e 16%, quatro ou mais. Cerca de 200 mulheres entrevistadas chegaram ao Brasil grávidas, com o desejo de dar início ao pré-natal.

Adeus, Sistema

Foi o caso da professora de música Alejandra García, de 27 anos. A professora decidiu abandonar o Sistema Nacional de Orquestra na Venezuela, projeto que se tornou famoso em todo o mundo por promover a integração social de jovens através da música, e onde trabalhou por mais de 15 anos, para conseguir ter um parto digno no Brasil. Alejandra e o marido deixaram o país natal quando ela estava com dois meses de gravidez. Segundo a professora, em Puerto Ayacucho, onde vivia, não hávia insumos para parto natural nem para cesariana.

— Tinha casa e carro na Venezuela, mas não tinha como trazer minha filha ao mundo, nem o suficiente para nos sustentar — afirma Alejandra.

Hoje, com a filha de 1 ano e grávida novamente de quatro meses, a professora diz que tem uma vida melhor, apesar de estar longe do marido, que foi trabalhar em Santa Catarina. O pior, conta, é que,em Manaus, ainda é alvo de preconceitos em postos de saúde.

— A primeira vez que eu fui numa Unidade Básica de Saúde aqui, uma enfermeira mandou eu retornar quando aprendesse a falar português, porque falando espanhol ela não ia me atender. Ainda acontece, às vezes — reclama.

Por causa dos gastos a mais e do trajeto exaustivo, ao menos 25% das mães venezuelanas disseram ter deixado pelo menos um filho no país de origem. Numa autoavaliação, foram as que apontaram pior estado de saúde, assim como as que sofreram algum tipo de violência no percurso até a chegada ao Brasil.

— Muitas eram adolescentes grávidas e chegaram sozinhas. No geral, as mães migram em busca de educação e tratamento de saúde para os filhos. Quando deixam filhos na Venezuela, o maior desejo é mandar dinheiro para que eles venham. Elas não rompem os laços — explica a coordenadora do estudo na UFMA, Zeni Lamy.

Operação Acolhida

Com a crise no país nos últimos sete anos, no governo de Nicolás Maduro, 7,1 milhões de venezuelanos (cerca de 20% da população) são hoje migrantes ou refugiados em diferentes partes do mundo, segundo a ONU.

Uma das políticas criadas no Brasil para garantir o atendimento humanitário aos venezuelanos em Roraima foi a Operação Acolhida, em 2018. Mas com o grande volume de emigrados, o trabalho está precarizado.

— No Brasil, por não haver leis de migração com recorte de gênero, as mulheres acabam continuando na vulnerabilidade — explica Laryssa Lopes, pesquisadora do Nexus, grupo que debate segurança e desenvolvimento global na Universidade Federal Fluminense.

De 2018 a janeiro deste ano, mais de 94 mil venezuelanos foram direcionados a mais de 920 municípios brasileiros, principalmente Curitiba, São Paulo e Chapecó (SC). Nessas cidades, no entanto, as mulheres estão subrepresentadas em empregos obtidos (27,3%).

— Ainda estou no abrigo, acreditando que, em um mês e meio, poderei ir para Santa Catarina encontrar meu marido. Não tem sido fácil, mas acho que em algum momento os frutos de todo esse sacrifício serão vistos porque dói muito — diz Alejandra.

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