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Por Ana Cristina Basantes e Ana Hernández Castillo, El País — Madri

"Eu não pude acreditar. Fiquei em choque", lamenta Daniil Korolishin, 23 anos, ao receber dois avisos de recrutamento do Exército russo para ir à guerra na Ucrânia. A mais de sete mil quilômetros de seu país, em um bar no bairro madrileno de Vallecas, ele diz que fugiu da Rússia porque não queria entrar para o Exército e porque foi discriminado por causa de sua orientação sexual.

— Foi uma perseguição maciça, eu ia enlouquecer — diz.

Ele cruzou a fronteira entre a Rússia e a Bielorrússia em 21 de setembro, mesmo dia em que o presidente Vladimir Putin anunciou uma mobilização parcial contra a Ucrânia. Assim como Korolishin, cerca de 464 russos fizeram pedidos de proteção internacional à Espanha, segundo os últimos dados do Ministério do Interior.

Em 2020, a Rússia foi o segundo país da Europa com mais pedidos de proteção internacional à Espanha. Foram registrados 458 pedidos, 0,5% do total daquele ano. O perfil tradicional dos refugiados russos é de pessoas LGBTQIA+ fugindo da homofobia e de opositores políticos, explica a coordenadora do Serviço Jurídico da Comissão Espanhola de Ajuda aos Refugiados (Cear), Elena Muñoz.

Muñoz destaca que nestes últimos meses, desde que a mobilização foi estabelecida, houve uma mudança. Agora, devemos acrescentar o perfil dos "jovens que não querem ser recrutados" porque "são contra a guerra ou porque a sua religião não permite e alegam objeção de consciência". Korolishin se recusa a participar do horror da guerra e a voltar para um país que o marginaliza por ser homossexual.

Korolishin explica que sofreu assédio por ser gay em sua cidade natal, Belgorod, a 40 quilômetros da fronteira com a Ucrânia. Ameaças foram feitas por ter cabelos longos, roupas brilhantes ou ter uma "aparência feminina".

— Fui intimidado várias vezes por usar o penteado ou a aparência errada, mesmo tentando me parecer com os outros — diz ele. — Eles vieram até mim na rua e ameaçaram me bater se eu não trocasse de roupa ou cortasse o cabelo.

Ele lembra que, certa vez, quando estava em uma festa, beijou um rapaz. Uma mulher tirou uma foto deles e enviou a imagem para um grupo de radicais.

— Recebemos uma ligação e eles nos disseram para sair da festa. Quando saímos, cerca de 20 pessoas saíram correndo da floresta e começaram a nos espancar. Gritavam que éramos "bichas" e ficavam batendo na gente — conta.

A intimidação permeou todas as áreas de sua vida, diz ele, até mesmo no ensino médio. Seus colegas o espancavam e o intimidavam.

�� Matei aulas por quase um ano — conta.

Porém, a discriminação também veio de sua própria família. Por anos ele teve de esconder sua orientação sexual, até que ele contou aos pais. Contudo, eles não o levaram a sério:

— Eles me disseram que era uma coisa temporária e que com certeza passaria em breve — conta.

Em pouco tempo, Korolishin teve que fazer o serviço militar obrigatório. E lá ele passou seus piores momentos.

— Eu estava mentalmente e fisicamente muito desgastado — diz o jovem.

Os oficiais, diz ele, o insultaram e espancaram por causa de sua orientação sexual.

— Eles nos proibiram de dormir por dias, nos privaram de comida e nos obrigaram a fazer exercícios físicos até o limite de nossas capacidades. É só uma parte do que vivi — admite.

No final do ano de serviço militar ele regressou à sua cidade e começou a trabalhar e juntar todo o dinheiro que podia para ir a Moscou.

A princípio, a vida em Moscou parecia mais segura, mas, assim como em casa, as ameaças estavam longe de acabar.

— A homofobia não é um problema de cidades individuais, é um problema de todo o país — denuncia Korolishin. — Eles gritavam para nós "pedik" [um insulto em russo que significa homossexual] se nos vissem na rua.

Em um desses incontáveis ​​episódios odiosos, um homem o agarrou pela roupa e ameaçou chutá-lo se ele não "parecesse um homem de verdade".

Censura e homofobia

Em 27 de outubro passado, a Rússia aprovou uma lei que proíbe qualquer declaração de apoio à comunidade LGBTQIA+. A censura chegou a vetar todas as obras culturais, desde filmes até livros em que se discute o coletivo. A chamada "lei contra a propaganda homossexual" foi aprovada em 2013 para impedir que o assunto fosse discutido na frente de menores, mas com a nova regulamentação ela passou a ser restrita também entre os adultos.

Korolishin conta a odisseia que viveu na Rússia ao lado de Boris Shinyayev, 48 anos, e Maksim Savinov, 40 anos. O casal tem um projeto próprio na internet, dedicado à divulgação de conteúdo botânico, e conheceram Korolishin em Moscou quando o contrataram para sua empresa. Lá, ele trabalhou por dois anos até que em 10 de setembro sua mãe lhe enviou uma foto do WhatsApp de um comunicado de recrutamento.

O jovem procura nos bolsos o celular e encontra uma foto na qual pode ver um pedaço de papel onde colocou seu nome. Um dia antes, o presidente russo, Vladimir Putin, convocou 30 mil reservistas para uma "mobilização parcial" para a guerra.

Shinyayev e Savinov alertaram Korolishin sobre o perigo que corria.

— Ligamos para Daniil e dissemos que ele precisava deixar o país imediatamente — lembra Shinyayev.

Eles se ofereceram para fugir para Madri com ele. Korolishin aceitou sem pensar duas vezes. Quando disse à mãe que estava saindo do país, "pensou que eu estava brincando". O jovem não voltou atrás e iniciou sua jornada de 20 dias através das fronteiras. Comprou uma passagem de trem para a Bielorrússia, onde ficou por 10 dias. Então, pegou outro trem e viajou para o Azerbaijão, de onde comprou uma passagem de avião para a Turquia para se encontrar com o casal de amigos. Uma vez juntos, os três voaram para Madri.

Lá, as coisas também não foram fáceis. Eles não enfrentavam mais o medo de ir para a guerra, mas a dificuldade de encontrar um lugar para morar. Levaram pouco mais de dois meses para encontrar um apartamento na cidade. Dos quase cem locais que visitaram, foram recusados por metade, apesar de mostrarem que tinham recursos suficientes para arcar com os gastos. Shinyayev atribui isso à necessidade de um fiador para assinar o contrato. Enquanto esperavam para serem aceitos em um dos apartamentos, trocavam de hospedagem toda semana.

Voltar para a Rússia não é uma opção. Os três solicitaram proteção internacional para poder permanecer e morar na Espanha. Elena Muñoz, do Cear, diz que se percebe um aumento de pessoas de origem russa que pedem assessoria para solicitar proteção internacional.

— Mas não se reflete nos números oficiais devido ao colapso do sistema de nomeação para solicitar proteção — explica Muñoz.

Todas as dificuldades pelas quais passaram na Rússia fizeram de Shinyayev e Savinov sua família, reconhece Korolishin.

— Somos um lar, embora em nosso país isso seja punível — acrescenta Shinyayev.

O jovem garante que, se não fosse pela ajuda dos amigos, não teria outra alternativa a não ser ficar em seu país. Agora vivem mais aliviados e não sentem a pressão de fingir uma vida que não é a deles. Enquanto Korolishin caminhava pela rua, ele se lembra de quando morava em Moscou e pensava:

— Algum dia terei a chance de deixar a Rússia e construir uma vida plena, calma e próspera.

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