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Proibição do casamento gay e 'fé em Deus': conheça os principais pontos da reforma constitucional russa

Recém-aprovadas em consulta popular, mudanças abrem caminho para que Putin permaneçam no poder até 2036
Manifestante com placa que diz "Eu quero viver livre na Rússia" participa de protesto contra reforma constitucional Foto: OLGA MALTSEVA / AFP
Manifestante com placa que diz "Eu quero viver livre na Rússia" participa de protesto contra reforma constitucional Foto: OLGA MALTSEVA / AFP

RIO — O presidente da Rússia, Vladimir Putin, obteve nesta quarta-feira uma vitória maciça no referendo constitucional que abre caminho para que possa se manter no poder até 2036. A consulta popular, na prática, não era necessária para que pontos propostos pelo governo fossem implementados, pois não alteram nenhuma cláusula pétrea da Constituição. Frente à queda de popularidade de Putin, no entanto, o apoio maciço do povo russo passou a ser visto como um “voto de confiança” no governo.

Há duas décadas como comandante de facto da Rússia, Putin já é o líder mais longevo no país desde Josef Stálin. A possibilidade prorrogar seu mandato, no entanto, é apenas um dos 46 pontos incluídos na reforma mais contundente desde o fim da guerra fria, que guiam a nação para uma direção mais conservadora. Conheça abaixo alguns de seus tópicos principais:

Reeleição

A Constituição russa atualmente permite que um indivíduo ocupe a Presidência por apenas dois mandatos consecutivos, podendo concorrer novamente após um intervalo de um mandato. Como foi eleito em 2012 e 2018, Putin não poderia se candidatar às próximas eleições, em 2024. A reforma constitucional, no entanto, “zera” seus mandatos e os do ex-presidente Dmitry Medvedev, permitindo-lhes concorrer novamente no próximo pleito.

A emenda também limita as possibilidade de reeleição: a partir de agora, uma pessoa só poderá ocupar a Presidência por apenas dois mandatos, sejam eles consecutivos ou não.

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Limitações

Atualmente, pelo artigo 81 da Constituição russa, aqueles que pleiteiam ocupar cargos do primeiro escalão do governo russo precisam viver há ao menos 10 anos na Rússia, ter ao menos 35 anos e não possuir dupla nacionalidade. A reforma, no entanto, obriga que quaisquer candidatos vivam no país há pelos menos 25 anos. Isto limita as possibilidades de opositores do governo que vivem ou viveram no exterior.

Mudanças estruturais

A reforma constitucional dá ao presidente mais poderes sobre o Judiciário e alavanca o Conselho de Estado, órgão assessor que será oficialmente consagrado como ferramenta do poder Executivo — mais uma possibilidade para que Putin continue com as rédeas do país mesmo após abandonar a Presidência.

Os novos termos determinam ainda que a lei russa deve prevalecer sobre qualquer outra, algo que poderá dificultar recursos de cidadãos e grupos a organismos internacionais, com o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em Estrasburgo, na França.

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Fortalecimento do Parlamento

Pela nova lei, caberá à Duma, a Câmara Baixa, aprovar a candidatura de um primeiro-ministro — atualmente, precisa apenas dar seu consentimento à indicação presidencial. O órgão também precisará validar os candidatos a ministros e vice-primeiro-ministros. O presidente não poderá rejeitar as indicações, mas em alguns casos poderá removê-los de seus cargos.

O Conselho da Federação, Câmara Alta do Parlamento, poderá propor que o presidente demita juízes federais. Em alguns casos, quando for proposto pelo presidente, o órgão terá o direito de remover juízes da Suprema Corte e da Corte Constitucional.

Família e a 'fé em Deus'

As emendas constitucionais tornam a Carta mais conservadora, consagrando a “fé em Deus” e proibindo o casamento homossexual. O novo texto, considerado homofóbico por organizações defensoras dos direitos humanos, define o casamento como uma união entre “um homem e uma mulher” . Ele diz ainda que as crianças devem ser a prioridade máxima do governo e determina que os jovens recebam uma educação “patriótica”.

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Nacionalismo

A reforma proíbe que partes do território nacional sejam cedidas ou doadas para outros países e identifica a língua russa como “idioma do povo constitutivo do Estado”, algo que poderá gerar tensões em uma nação tão etnicamente diversa como a Rússia. O texto veta ainda quaisquer atos que “desvalorizem o significado do triunfo do povo na defesa da Pátria” durante a Segunda Guerra Mundial, na qual os soviéticos tiveram um papel fundamental para a vitória dos Aliados.

Salário mínimo

As emendas recém-aprovadas também incorporam leis ordinárias segundo as quais o salário mínimo não pode ser “menor que o necessário para a subsistência” e garantem que haverá reajuste regulares das pensões. As medidas foram bem vistas pela população em meio à crise econômica causada pelas sanções internacionais e pela queda no preço do petróleo, situação que se aprofundou com a pandemia de Covid-19.