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Por AFP — WASHINGTON

Era 1776 e as colônias americanas tinham acabado de declarar sua independência do Reino Unido. E, enquanto a guerra contra os ingleses causava estragos, os pais fundadores debatiam: os americanos deveriam ter o direito de ter uma arma como indivíduos ou apenas como membros de uma milícia, um grupo civil armado como os que então combatiam os colonizadores?

Nesta quinta-feira, a Suprema Corte dos Estados Unidos reafirmou o direito dos cidadãos de portar armas de fogo em público, uma decisão tomada poucas semanas após mais um tiroteio em uma escola que deixou 21 mortos. O debate continua, com muitos estrangeiros se perguntando por que os americanos são tão apegados às armas de fogo, usadas em massacres com tanta frequência.

A resposta, dizem os especialistas, está tanto nas tradições por trás da conquista da liberdade do Reino Unido quanto na crença mais recente entre os cidadãos de que eles precisam de armas para sua segurança pessoal.

Em duas décadas, período em que mais de 200 milhões de armas chegaram ao mercado americano, o país passou da "cultura das armas 1.0", onde se praticava a caça e o esporte, para a "cultura das armas 2.0", onde muitos as consideram essenciais para proteger seus casas.

Essa reviravolta foi impulsionada por quase US$ 20 bilhões em publicidade da indústria de armas, explorando o medo do crime e dos protestos raciais, de acordo com Ryan Busse, ex-executivo da indústria de armas.

Os recentes assassinatos "são o subproduto de um modelo de negócios da indústria de armas projetado para capitalizar os crescentes ódio, medo e teorias da conspiração", escreveu Busse na revista on-line The Bulwark.

Armas e a nova nação

Nas décadas de 1770 e 1780, nos Estados Unidos, não havia dúvidas sobre ter armas. Alegava-se que o monopólio de armas pelos europeus e seus exércitos era a origem da opressão que os defensores da independência sofriam.

James Madison, o "pai da Constituição", citou "a vantagem de estar armado, que os americanos têm sobre o povo de quase qualquer outra nação". Mas o assunto era mais complexo: os chamados pais fundadores entendiam que os novos estados formados após a independência não confiavam no governo federal nascente e queriam suas próprias leis e armas.

Eles reconheceram que as pessoas precisavam caçar e se proteger de animais selvagens e ladrões, mas alguns temiam que isso pudesse simplesmente aumentar a ilegalidade nas regiões de fronteira.

As armas privadas eram essenciais para proteger contra a tirania? Uma milícia (grupo de civis armados) local não poderia desempenhar esse papel? Ou as milícias se tornariam uma fonte de opressão local?

Em 1791, foi alcançado um compromisso no que foi o trecho mais escrutinado da Constituição dos Estados Unidos, a Segunda Emenda: "Sendo necessária uma milícia bem regulamentada para a segurança de um estado livre, o direito do povo de manter e portar armas não será infringido". Nos dois séculos seguintes, as armas se tornaram uma parte essencial da vida e do mito americano.

Controle de armas

O professor David Yamane, da Wake Forest University, explica que a "cultura das armas 1.0" as tratou como ferramentas para aqueles que caçavam e se defendiam de bichos, bem como para a conquista dos povos nativos americanos e o controle dos escravos.

Mas, na virada do século XX, os EUA cada vez mais urbanos estavam inundados de armas de fogo e experimentando altos índices de criminalidade.

De 1900 a 1964, segundo o falecido historiador Richard Hofstadter, o país registrou mais de 265 mil homicídios por arma de fogo, além de 330 mil suicídios e 139 mil acidentes. Em 1934, o governo federal proibiu as metralhadoras e exigiu que as armas fossem registradas e tributadas. Alguns estados adicionaram seus próprios controles, como proibir o porte em público, visível ou oculto.

E o público estava a favor: de acordo com o Instituto Gallup, 60% dos americanos apoiavam a proibição total de armas pessoais em 1959. Os assassinatos de John Kennedy, Robert Kennedy e Martin Luther King estimularam ainda mais o apoio à regulamentação estrita em 1968.

Mas os fabricantes de armas e a Associação Nacional do Rifle (NRA), citando a Segunda Emenda, bloquearam uma nova legislação, que faria mais do que implementar uma restrição facilmente contornada às vendas de armas por correio.

Sagrada Segunda Emenda

Nas duas décadas seguintes, a NRA se juntou aos republicanos insistindo em que a Segunda Emenda era absoluta em sua proteção aos direitos às armas e que qualquer regulamentação era um ataque à "liberdade" dos americanos.

De acordo com Matthew Lacombe, professor do Barnard College, para conseguir isso a NRA criou e divulgou uma ideologia centrada em armas e uma identidade social distinta para seus proprietários. Estes aderiram a essa ideologia, formando um poderoso bloco de eleitores, especialmente nas áreas rurais que republicanos tentavam tomar dos democratas.

Jessica Dawson, professora da Academia Militar de West Point, disse que a NRA fez causa comum com a direita religiosa, que acredita na primazia do cristianismo na cultura americana e na Constituição. A liderança da NRA "começou a usar uma linguagem mais religiosa para elevar a Segunda Emenda acima das restrições de um governo secular", explicou Dawson.

Defesa pessoal

Essa mudança de discurso sobre a Segunda Emenda não ajudou os fabricantes de armas, que viram suas vendas caírem diante de um declínio acentuado nos esportes de caça e tiro na década de 1990. Porém, isso abriu o caminho para a "cultura de armas 2.0", quando a NRA e a indústria começaram a dizer aos consumidores que eles precisavam de armas pessoais para se defender, de acordo com Busse.

Foi quando Barack Obama estava se tornando o primeiro presidente afro-americano e o supremacismo branco voltava a crescer. Muitos estados responderam às preocupações sobre um suposto aumento da criminalidade, permitindo que as pessoas portassem armas em público sem permissão específica.

De fato, os crimes violentos diminuíram nos últimos 20 anos, embora os assassinatos relacionados a armas tenham aumentado. Isso, diz Yamane, da Wake Forest, foi um ponto de virada fundamental para a "cultura de armas 2.0", impulsionando as vendas de revólveres, que pessoas de todas as raças compravam por medos exagerados de violência.

As vendas dispararam desde 2009, chegando a mais de 10 milhões por ano desde 2013, principalmente fuzis de assalto AR-15 e pistolas semiautomáticas. “A maioria dos proprietários de armas hoje, especialmente os novos, cita a autodefesa como sua principal razão para ter uma arma”, escreveu Yamane.

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